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Adriano Valadar

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Prático

As férias permitem-nos momentaneamente fazer algumas arrumações que vinham sendo adiadas ao longo dos meses, por vezes dos anos. E reconhecemos todos que os objectos têm uma relação com o tempo que nos derrota completamente. 

Compactam-no, reduzem-no, como se estivessem apressados em desaparecer. Fizemos todos, por diversas vezes, a experiência aquando duma avaria, que um produto comprado há pouco tempo (três ou quatro anos) estava bom era para deitar ao lixo. Ouvimos todos a fórmula recorrente segundo a qual isso “ ficar-lhe-á mais barato comprar um aparelho novo” em vez de substituir uma peça defeituosa, da qual, além do mais, não estamos certos de que ainda se fabrique nas fábricas da Europa Central ou da Coreia de donde eram importadas no longínquo passado de 2008 ou 2009… “ Eu, diz o empregado, no seu lugar, sei bem o que faria.”

Este desgosto comporta um nome correspondendo à vontade presumida dos fabricantes: a “obsolescência programada”. É no momento do fabrico, com efeito, que se pode melhor organizar a deficiência dos objectos, prever o que, neles, se tornará o “elo fraco” que justificará a sua substituição. Um ferro de passar cujo fio, tendo-se desfiado, se torna perigoso? “ Temos muita pena- nem olha para si - não pode ser reparado, porque esse tipo de fios já nem existe.”

Um frigorífico que, de repente, faz um barulho de malhadeira? “ Ganha mais em substitui-lo por um modelo recente, particularmente silencioso. Além disso o motor do seu já nem se encontra no mercado!” Um aspirador que entregou a alma desde a mais tenra idade (três anos)? “ Lamentamos mas a peça já não se encontra em lado nenhum. Posso mostrar-lhe modelos bem mais recentes.”

 Poder-se-iam multiplicar os exemplos destas desventuras exasperantes que vivem os consumidores, em todos os domínios, dos electrodomésticos aos automóveis. Até aos telemóveis - quantos tem espalhados pelas gavetas cada casa?- os “iFones”, a Apple não os repara quando estes já têm dois ou três anos!

Esbanjamento, lixeiras de equipamentos praticamente novos e não tendo ainda atingido o que, num ser humano, se chamaria a idade da razão.

Nostalgia, dirão alguns, dos tempos em que certos amadores podiam fazer funcionar um “404” ou um “Datsun 1200” durante dezenas de anos com a ajuda dum amigo mecânico ou da oficina mais próxima. Do tempo em que qualquer motor ou máquina podia aguentar um quarto de século. Furor de sonhar à quantidade de minerais, de terras raras, de vidro, de petróleo, de trabalho que foi necessário consagrar para produzir todas estas obsolescências programadas. Raiva perante a má-fé dos responsáveis deste desperdício que, com grande lata de “bons comunicadores”, explicam que não, nem pensar, que tudo na sua loja é feito para durar. Que voltem os tempos das reparações e dos reparadores artistas e geniais.

… Nice, Munique, muitos mortos, muitos feridos e muitas perguntas.

Então a carnificina recomeçou? Matam, mutilam, fazem-se explodir, fazem-se assassinar, e nós, pouco depois, convocados frente aos nossos televisores para apreciar a dimensão da desgraça, o balanço dos crimes. Seguidamente, a triste litania das testemunhas, as lágrimas, as imagens terríveis, temíveis e incompreensíveis.
Quantas sequências destas teremos ainda de partilhar antes de a paz regressar à terra, e a “segurança” à Europa. Estes indivíduos doentes que circulam com a morte a tiracolo, com os cintos de explosivos recheados de pregos e parafusos para dilacerar mais ainda, de donde é que saem? Parece que se desenvolvem na terra como a grama, que nada nem ninguém os pode parar, nem mesmo a morte.
O niilismo leva até ao fim a sua fúnebre lógica de morte. Já que aqui em baixo isto não tem interesse nenhum, na nossa sociedade putrificada, então o melhor é fazer o manguito ao sofrimento, aos nossos valores mesquinhos. Pelo menos eles têm um ideal, eles pelo menos têm um ideal do absoluto que lhes foi ensinado nesse oriente complicado, para os lados de Mossul, por ideólogos completamente derrubados pela nulidade intelectual ou cultural que em nada diminui a vitalidade do seu militantismo. Decidiram matar não os seus semelhantes mas sim as suas diferenças e todas as sociedades que os enfrentam.  
De cidade em cidade, semana após semana, variando o prazer sobre o modo das suas matanças- camiões minados, explosivos espalhados ou em stock, aqui metralhadoras, mais além punhais ou armas brancas, incêndios, tiros de snipers escondidos nos tetos, decidiram desesperar não somente o ocidente maldito, mas tudo o que se opõe à sua autossuficiência mental. Das praias tunisinas ao Egito antigo, passando pela Alemanha e França, da Costa do Marfim à Indonésia, a humanidade inteira coloca-se a mesma questão: onde é que se pode estar em segurança? Tornámo-nos todos o “elo fraco” da segurança colectiva, apesar do terror ainda não se ter insinuado perto de nós. O campo de batalha encontra-se efetivamente enraizado nas nossas mentes.
Seria preciso voltar algumas décadas atrás e perguntar-se qual terá sido o milagre para nos termos desembaraçado do terrorismo palestiniano dos anos 70 ou das loucuras do Exército Republicano Irlandês (IRA) ou da ETA em Espanha. Considerando o conjunto dos ciclos de violência gratuita que visam inocentes ou os supostos “traidores” à sua causa, pode-se arriscar uma previsão: esta loucura terá fim um dia. Esse dia, dia abençoado, marcará o fim do fanatismo, esta arma de destruição maciça das inteligências e dos corações. A sua fonte está claramente identificada. É uma certa necessidade de absoluto, um gosto desmedido pelo sagrado que leva para o “djihad” (guerra santa) os assassinos da bandeira negra.
Sim, os assassinos de Bruxelas, Paris, Nice ou Munique são fanáticos duma causa pela qual lhes parece ser legítimo morrer. Porque lhes é apresentada uma perspectiva de vida, do além, no meio de alamedas de flores brancas e de virgens submissas aos seus desejos de bestas. Aborrecem-se nesta terra e lá em cima encontrarão um prazer intenso, um poder multiplicado. Mas isso ganha-se com mérito, foi-lhes ensinado, com tantas mortes e sangue nas mãos, tantos anos de paraíso ganhos.
Que podemos nós responder a tudo isso ? Cair também no fanatismo? Já o tentámos, outrora, e não se pode dizer que tenha sido um grande triunfo. As cruzadas deixaram um sulco de péssima memória em todo o Oriente e as guerras de religião desonraram a Europa e as suas crenças. O imperialismo das potências ocidentais deixou fronteiras artificiais, duma geometria absurda, negando as comunidades locais. “Estamos em guerra”, repetem os dirigentes deste mundo. Não deixam de ter razão. Mas esta guerra dum novo género, guerra contra as sombras e fanáticos, como é que se pode conduzir eficazmente? Bombardear quem, onde? Para nós europeus, a identidade é uma interrogação permanente, para eles é uma religião. Cuidado.
É preciso contar talvez com as mulheres, com as mulheres muçulmanas, com as filhas. Elas tiveram um papel de relevo na primavera árabe. As mães e as irmãs mais velhas são as únicas a saber e poder encontrar o caminho da inteligência dos temíveis terroristas. É a elas que é preciso pedir ajuda e reforço, desde a escola primária. Para pôr um freio a esta virilidade desmedida que se afirma através destes crimes inaceitáveis, é preciso dar rapidamente a força e o lugar à legitimidade feminina como princípio social. Mais uma ingenuidade, dirão alguns. Sim, mas a doçura feminina, nunca foi experimentada. Dir-se-á que afinal há muitas raparigas nessas redes criminais, sim, mas é para fazerem como os homens, precisamente.