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Novo achado arqueológico zoomórfico em Picote (Miranda do Douro)

Como já havia notado o abade de Baçal, no decurso de uma excursão que aí fizera em 1935, “Picote é um verdadeiro tesouro arqueológico”. Atraído por um objecto de pedra então em poder do pároco local, que o eminente Abade considerava (erroneamente) paleolítico, acabou por ver outras antigualhas que muito o interessaram, entre as quais alguma lápide romana, a capela de Santo Cristo e um povoado castrejo, sobranceiro ao Douro. Mais tarde, no tomo XI das suas Memórias Arqueológico-históricas do distrito de Bragança, também daria conta das pinturas quinhentistas do ermitério de Os Santos.

Desde então os achados sucedem-se. O mais recente, além de mais umas inscrições romanas e de umas pinturas a fresco na capela de Santo Cristo, em finais do ano passado, ocorreu há pouco tempo, no âmbito de umas demolições de uns pardieiros, no sítio do Tombar, centro da aldeia, em propriedade do Sr. Carlos Meirinhos, a quem cabe a honra de mais uma relevante descoberta e que no-la comunicou para a analisarmos e dela darmos notícia. Foi esta a parte dianteira de uma escultura de um bovídeo, em granito, com cerca de 37cm de altura por cerca de 45cm de comprimento, correspondendo à cabeça e patas dianteiras. Estava a peça embutida numa antiga parede, tendo resultado infrutíferas as tentativas para se encontrar, entre os escombros, a parte traseira do animal representado.

Esta peça, que se encontra em estudo, é a primeira de tipo taurino que se encontra no Picote, onde, de resto, já se conheciam outras esculturas zoomórficas representando suídeos, os chamados “berrões”, da “família” da famosa “porca de Murça”.

O mais célebre achado de Picote ocorreu em 1952, na cortinha do Puio, no decurso de trabalhos agrícolas, tendo sido objecto de escavações realizadas logo nesse ano pelo arqueólogo Santos Júnior (falecido em 1989). Este investigador concluiu que o “berrão” de Picote estava no meio de um recinto circular com corredor, eventual espaço de culto ao Porco. Tendo sido o único achado, até hoje, de um “berrão” em aparente contexto original, este facto celebrizou Picote na literatura arqueológica. Para mais, pouco tempo depois, em 1955, Santos Júnior recolheu mais um fragmento de “berrão”, talvez achado nas imediações do primeiro.

Entretanto, passadas mais umas décadas, em 2005, de novo em Picote, também em obras de demolição numa construção rústica, no sítio da Fontósia, apareceu outro “berrão”, bastante completo, como foi noticiado pelo “Nordeste” de 21.06.2005.

Estes achados levaram a associação local “Frauga” e a Junta de Freguesia a fomentar um estudo arqueológico da zona, tendo ainda promovido a constituição do Ecomuseu “Terra Mater”, inaugurado em 2010.

Quanto a este tipo de representações animais, em pedra, normalmente porcos e javalis (berrões), mas também touros, muito se tem discutido desde o século XIX. Desde as teorias de que seriam objecto de um culto (ideia induzida pela própria Bíblia, onde se condenam os ídolos, nomeadamente o “bezerro de ouro”), outros valorizaram a sua relação com contextos funerários e até inscrições romanas do mesmo cariz inscritas nas esculturas. Outros ainda associaram-nos a demarcações territoriais ou de caminhos ganadeiros. Surgem sobretudo na zona mais ocidental da Meseta, em Espanha, nas províncias de Ávila, Cáceres, Salamanca e Zamora, no território das tribos pré-romanas dos Vettones e Vacceos, e ainda, do lado de Portugal, nas províncias de Trás-os-Montes e Beiras, em territórios de Zoelas e de Lusitanos. Em termos cronológicos, considera-se que andou esta manifestação cultural e étnica entre o século V antes de Cristo e os primeiros séculos do período romano.

A concentração deste tipo de achados em Picote, assim como das estelas funerárias romanas com animais gravados (ditas de “tipo Picote”), salientam a importância deste lugar, talvez um santuário, entre a Idade do Ferro e o período romano.

A “Frauga” pretende continuar a apoiar o estudo arqueológico da freguesia, agregando instituições e estudiosos. Nesse âmbito, em próximo trabalho desenvolveremos a contextualização deste notável achado.

** PARM

** Arqueóloga do Município

** de Miranda do Douro

 

Nelson Campos *

Mónica Salgado **

Vendavais Obesidade mental

Sabemos bem que a obesidade, tão falada nos últimos tempos e olhada como causa de variadas doenças é excesso de gordura física devida a uma alimentação desregrada, mas não só. Há outros tipos de excessos que conduzem aos excessos físicos.

As notícias que hoje circulam tão rapidamente, alertam-nos para os perigos da obesidade, contudo, as próprias notícias são, por si só, tantas e tão alarmantes que são o exemplo da própria obesidade informativa.

É altura de notarmos que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que os decorrentes da obesidade física. A nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares comuns que de hidratos de carbono.

As pessoas viciam-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos e condenações precipitadas, de tal modo que todos têm opinião sobre tudo, mas conhecem pouco ou nada sobre as coisas. E isso parece não interessar muito. A opinião é livre.

Os jornalistas são hoje os “cozinheiros” da “fast food” intelectual e, os comentadores, editores e filósofos contribuem para isso. Dizia alguém, com prioridade, que os telejornais e as telenovelas são os hambúrgueres do espírito e as revistas os donuts da imaginação. Cada vez é mais verdade. Uns pela informação doentia e outros pela informação viciante.

Embora se queira escamotear a situação e dar outras justificações para tudo, o problema central de toda esta panóplia calamitosa está na família e na escola. A verdade é que qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem só doces e chocolates! Engordarão imenso se comerem só hambúrguers. É pois urgente que se informem sobre o que não se deve comer, ou sobre o que não se deve fazer. A sociedade é um palco enorme e complexo, tão mais complexo pela diversidade e quantidade de pessoas que nele contracenam. Então não se entende como é que tantos educadores aceitem que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas para não falar do uso excessivo do telemóvel. Com uma alimentação intelectual tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, como é que os jovens vão conseguir uma vida saudável e equilibrada?

Quando nas escolas se mencionam disciplinas curriculares como Educação para a Cidadania, leva-nos a equacionar o porquê de querer transmitir aos jovens como comportarem-se na sociedade, quando ao lado, mesmo os pais, lhes deixam espaço para a controvérsia comportamental.

A informação que se transmite tem que ser racionada, no bom sentido, no sentido positivo da realidade. Ora os jornalistas alimentam-se quase só de detritos de escândalos e de restos mortais das realizações humanas. A imprensa não informa, seduz, agride e manipula. Só a parte morta e apodrecida da realidade, chega aos jornais ou são por eles transmitidas. O importante, o cerne das questões, não interessa. Todos sabem que J.F. Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi ele; todos sabem que a capela Sistina tem um teto lindíssimo, mas não sabem para que é que ele serve; todos acham que Saddam Hussein foi mau e que Mandela era bom, mas nem desconfiam porquê; todos ouviram falar de Pitágoras e do seu célebre Teorema, mas ignoram o que é um cateto. Ou seja, as realizações do espírito humano estão em decadência. Perdem importância.

De tudo isto resulta o quê? É simples. A família é contestada, a tradição é esquecida, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda e a arte é fútil e paradoxal. Em contraponto, floresce a pornografia, a imitação e o egoísmo. O âmago de todas as questões, não interessa. O que importa é a superficialidade das coisas. Interessa o quê e não o porquê. É quase uma falsidade compulsiva o que nos chega todos os dias, quer como informação, quer como saber.

É tudo uma questão de obesidade. E não é física. É mental.

O homem moderno está adiposo no raciocínio, nos gostos e nos sentimentos. O mundo precisa de uma dieta mental urgente.

Dos livros e dos escritores transmontanos

Nunca se escreveram tantos livros e nunca se leu tão pouco como atualmente. Esta é a minha convicção, sem nenhum rigor de análise, somente pela observação do que se passa à minha volta. A oferta de livros é imensa, a compra reduzida. Há os que compram livros por que gostam de ler, de se informar, pela paixão, pelo romance, pela beleza do poema, pela curiosidade de descobrir o mistério que envolve as palavras na ficção, ou no rigor científico. Há os que compram livros na esperança que um dia vão ter tempo de os ler, ou então, pelo prazer bizarro de enfeitar a estante para dar um ar de intelectual e de interesse pela cultura. Infelizmente o Espírito Santo já não desce do Céu em línguas de fogo, portador do conhecimento e do dom de falar todas as línguas e os livros permanecem na estante adiados, inúteis, acumulando pó e traças nocivas.

Longe vai o tempo em que publicar um livro era uma epopeia. Ou se recorria à edição de autor, pagando este o custo da edição e fazendo a divulgação e venda do mesmo, ou então esperava tempos infindos que uma editora se desse ao trabalho de apreciar a obra e na maior parte das vezes não mostrar qualquer interesse pela sua publicação.

Felizmente ainda existem algumas editoras que perseguindo o lucro, o que é normal, se interessam também pela promoção da cultura. E há mesmo editoras que privilegiam os autores transmontanos, sendo já um mercado interessante.

Mas hoje surgiu um novo conceito de editora, ou melhor de comércio do livro, sem as ditas editoras correrem qualquer risco na edição que é o mesmo que dizer, é tudo lucro.

O autor manda o seu original para as referidas editoras. Passados, não mais de dez dias, recebe uma carta informando que a sua obra foi considerada de interesse e mérito e se insere na linha editorial. O autor rejubila, pois finalmente a sua criação literária foi reconhecida. Honra ao mérito! Só que passado mais algum tempo recebe outra carta informando que afinal, para a sua obra ser editada, tem que comprar um número significativo de exemplares. Resumindo, o autor com a compra que efetua, paga a edição do livro e a editora recebe o lucro sem qualquer risco. Consumado o negócio a editora manda imprimir os livros que o autor irá comprar e presumivelmente mais alguns para a distribuição sem se saber bem a que livrarias chegam.  

Por outro lado, salvo raras exceções, cada vez se torna mais difícil a um autor do interior do país, conseguir colocar os seus livros nas grandes livrarias, ou nas grandes superfícies, mesmo à consignação, porque o espaço custa dinheiro. No caso de Bragança, só em duas, ou três livrarias tradicionais se encontram os livros de muitos autores transmontanos. Então nos CTT que também vendem livros, nem pensar encontrar um livro dos escritores da região. O curioso é que os CTT e as grandes superfícies arrecadam as divisas dos transmontanos, mas pouco contribuem para a divulgação e promoção da cultura regional.

O mesmo se passa com as televisões. Nos programas mais populares da manhã, ou da tarde, com frequência aparecem escritoras e escritores, muitas vezes da “linha de Cascais” que é o mesmo que dizer, os conhecidos doutras águas, a apresentar o seu livrinho de autoajuda, ou biografia, com grande divulgação e com a promessa de voltarem em breve a falar do sucesso editorial. E verificamos, com desagrado, que raramente aparece um escritor transmontano no pequeno ecrã, embora felizmente haja tanta gente a escrever muito bem. E assim vai a coesão do país em que o interior profundo morre paulatinamente afagando promessas. O ministro e o secretário de estado, como lhe compete, visitam a região, apreciam a gastronomia, a cultura, a hospitalidade transmontana, os recursos endógenos e deixam promessas de combate às assimetrias regionais. E nós, pacientemente, esperamos que assim seja. Estamos cansados de ouvir alguns pseudointelectuais da capital e arredores referirem-se à província, com um sorriso palerma, como se fosse o lugar do fim do mundo, onde o homem das cavernas, timidamente, começa a ver a luz da civilização, argumentando que a falta de população não justifica o investimento. Coitados! A ignorância é atrevida. Como diz Fernando Pessoa: “É a hora!”. Transmontanos, é a hora!

De Bragança a Lagarelhos

A pretexto de prestar justa homenagem a Graça Morais, a propósito dos dez anos do Centro de Arte Contemporânea a que por rigorosa justiça de reconhecimento, a Câmara Municipal de Bragança, deu o seu nome.

A menina muito bela, de cabelos louros, precocemente admirada pela perfeição dos seus desenhos, que ao tempo ia oferecendo à legião de admiradores, deu lugar à artista universal salientando as hierofanias do terrunho onde nasceu e viveu, na sua radiante evidência nos rostos, nos corpos, nos recônditos pormenores, a exigirem conhecimentos simbólicos a fim de pensarmos o pensamento da pintora desde a figura tutelar da Mãe, até à suavidade do encantamento maternal por um lado, musical por outro. O sofisticado Ludovico Dolce gostaria de contemplar quadros da aluna do Liceu Nacional de Bragança (Emídio Garcia), interna na Casa do Arco, atenta ouvinte do Doutor Francisco Videira Pires, nascida no Vieiro, aldeia do concelho de Vila Flor.

A Graça, como habitualmente fez o favor de me enviar um e-mail a dar conta da substanciosa efeméride, passei a mensagem ao meu Amigo Bártolo Paiva Campos e a Mulher Anne-Marie, os dois reputados psicólogos amantes e atentos observadores das Artes, por isso vieram a Bragança. Chegaram antes do Presidente da República, por isso mesmo ao entrarem no Centro disseram-lhe estar o Templo das Musas reservado ao Supremo Magistrado da Nação, tinham saído cedo do Porto, a hospitalidade bragançana torneou o protocolo, lavaram os olhos, aguardaram pela minha chegada, convidaram-me a partilhar mesa no restaurante Dom Roberto, onde degustámos várias especialidades de charcutaria de fabrico próprio, ainda leitão assado segundo o cânone transmontano. O sempre amável e prazenteiro Sr. Alberto Fernandes, Alberto para amigos e conhecidos, explicou a génese do leitão bísaro, o bacorinho foi ao fogo e recebeu-o tal como deve ser a religião – nem demais, nem de menos – assegurava um ladino liberal Bispo de Viseu, nos idos do século XIX, comparando o credo religioso ao sal.

A forma que encontrei de acrescentar valor (para lá da economia dos economistas) ao pós prandial levou-me a sugerir visitarmos Lagarelhos, terra dos prodígios, onde possuo uma casa herdada pela via maternal, cujo restauro e protecção o meu parente Teófilo Fernandes faz o favor de assegurar, alargando a tarefa à Cândida, sua mulher, e à filha Rita prestes a elevar o Teófilo à condição de avô.

Logo na saída de Bragança para Lagarelhos sobressaía uma paisagem pontilhada de verdes, exuberantes, o Inverno tardio praticou esplendorosa acção, aqueles verdes, fatalmente, teriam de impressionar os pintores impressionistas que adoravam o movimento e a luz, deixando-nos obras-primas debaixo dessas determinantes, na globalidade de Ver. Ver o Mundo tal como ele se apresenta é apontado nos manuais inseridos na Internet; ver os bosques, as matas, os renques de árvores que vão das bermas da estrada ao cocuruto dos montes é vibrante produção de beleza, inolvidável beleza. E os castelos verdes e amarelos?

Tais castelos – castanheiros – pujantes de floração produzem visível/ver/conflitual porque acresce a majestade de tais monumentos naturais, provocando sucessivas visualizações ou vibrações cuja matricialidade está no vento, ora brisa, ora ventania, ora quietude, lendo-nos a ressuscitar a dualidade do bem e do mal, as virtudes da soledade, as interrogações ante o futuro, o desgosto e angústia consequência da perda dos entes queridos, as restrições na saúde, as memórias da memória. Os castanheiros mostram-se nos matizes verdes e amarelos, impantes, aconchegadas nos ouriços- uterinos as minúsculas castanhas têm de sorver húmus de chuva bem caída, até pingarem demora a sua gestação, os frutos lisos, luzidios, outrora, amainaram a fome de humilhados, ofendidos e pobres de pedir, agora florescem os ancestrais, espalham perfume, o orvalho madrugador retempera a terra em volta.

Aqueles resplandecentes castanheiros da Terra Fria, perenes e tranquilizadores, seculares, atestam a vitalidade daquelas terras que povoam crónicas como esta, no entanto, no quotidiano, a real/realidade da dita vitalidade já foi imprescindível na criação e defesa da Pátria, sou patriota, não sou patrioteiro. Os castanheiros firmam e reafirmam a alma transmontana, como os carvalhos de Guernica simbolizavam a liberdade, arrasados pela besta nazi.

A Maria do Loreto Monteiro pode fazer-me o favor de levar as amigas, também as do sofá, a espraiarem os olhos nos soutos. Após a virtuosa viagem acredito no sem encantamento levando-as a iniciar um movimento destinado a declarar o castanheiro árvore totémica do concelho de Bragança. É pedir muito?