Vale a pena recordar.
Ainda hoje ecoa nos
corações mais saudosos o acorde fundamental do hino heróico Angola é nossa, com que o regime deposto em 25 de Abril de 1974 ousou, com sucesso, mobilizar o país para a guerra iniciada em 15 de Março de 1961, quando a União das Populações de Angola (UPA), massacrou centenas de colonos brancos e trabalhadores negros, nas fazendas do café.
Muito embora a colonização tenha começado no séc. XV a delimitação formal do território só foi reconhecida na Conferência de Berlim, já em 1884.
Todavia, só a partir daquela data fatídica Angola passou a ser plenamente conhecida e a ser tratada como parcela inalienável de Portugal, como rezava a cantiga triunfalista.
E foi no decurso da longa guerra do Ultramar (na designação oficial portuguesa) que se lhe seguiu, (Guerra Colonial ou Guerra de Libertação, segundo os movimentos independentistas), entre 1961 e 1974, portanto, que se operou assinalável progresso daquele território africano, se outorgou aos autóctones a plena cidadania portuguesa e se aprofundou o afecto prevalecente entre portugueses europeus e angolanos.
Com o golpe de estado mi-
litar do dia 25 de Abril de 1974
e a revolução subsequente,
romper-se-iam definitivamen-
te as amarras de Angola à administração portuguesa, mas a
amizade atávica e os laços históricos e culturais que ligam angolanos e portugueses, e que
sobrelevam os pecados colonialistas intrínsecos, não se romperam.
Lamentavelmente, mal a
administração portuguesa
abandonou Luanda outros
países, com Cuba à cabeça, prefigurando obscuros projectos neocolonialistas, procuraram assenhorear-se de Angola, originando uma terrível guerra civil que entre 1975 e 2002 devastou o território e provocou milhares de vítimas. Angola deixava de ser Portugal mas, durante 27 longos anos, também não foi dos angolanos. Era terra de ninguém.
Drama que não terminou com o fim da guerra civil porque uma clique dirigente corrupta em que pontificava o clã Eduardo dos Santos, com a colaboração de cúmplices instalados em Portugal, transformou a úbere Angola numa sua coutada privativa.
Felizmente, surgem agora fortes sinais de que esse passado dramático está em vias de se transfigurar num mais justo e prometedor futuro, com a eleição em Setembro do ano passado do novo presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, já aureolado de governante probo, pragmático e destemido e que contará com o apoio inequívoco do povo angolano, do MPLA e das Forças Armadas.
João Lourenço que, contrariando os maus augúrios de continuidade do regime político que José Eduardo dos Santos liderou durante 38 longos e sofridos anos, se afirma determinado a devolver Angola aos angolanos.
É este político que acaba de visitar Portugal dando a indicação de fazer uma leitura justa e correcta da História já que valoriza devidamente os afectos e afinidades que unem angolanos e portugueses.
A instauração de um genuíno estado de direito, o desenvolvimento e modernização e o combate eficaz à corrupção, que passa por Portugal, não são tarefas fáceis, porém. Oxalá que a Nossa Senhora da Muxima o proteja, que a obscura justiça portuguesa o não embarace e que o governo português lhe preste a melhor colaboração.
E os saudosistas que se compenetrem desta inexorável realidade: Angola não é nossa, contrariamente ao que proclamava a cantiga, mas o relacionamento de Portugal com Angola pode e deve ser muito mais que um mero jogo económico, porque as relações internacionais também se fazem de afectos e afinidades históricas e linguísticas.
Nesta perspectiva, a partilha de cidadania deveria ser uma prioridade política com benefício imediato e directo dos cidadãos de ambos os países. Sejamos práticos. E sonhemos.
Este texto não se conforma
com o novo Acordo Ortográfico.