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Bienal de Gravura do Douro em Bragança com uma das maiores exposições

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Qua, 19/09/2018 - 11:32


A Bienal Internacional de Gravura do Douro chegou a Bragança em Setembro. A exposição reúne no Centro Cultural Adriano Moreira cerca de 120 obras, de quase uma
centena de artistas de 30 países.

Ana Paula Pimentel homenageada

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Ter, 18/09/2018 - 17:05


A 6ª Edição dos Prémios Nordeste Desporto, realizada, no sábado, em Vila Flor distinguiu mais de uma centena de atletas e clubes pelos títulos conseguidos na última época desportiva. Mas, a cerimónia serviu também para homenagear Ana Paula Pimentel.

Uma revolução de veludo na democracia portuguesa.

Não foi por acaso que Joana Marques Vidal, procuradora-geral da república em fim de mandato, granjeou o prestígio que na verdade tem, malgrado a maioria dos portugueses não manifeste igual apreço pela Justiça nacional.

De facto, todos que acompanham atentamente os processos de maior impacto político e social unanimemente reconhecem que nos quarenta e quatro anos que o actual regime político já conta, nenhuma outra personalidade desempenhou tão melindroso cargo com tamanho bom senso, coragem e competência.

Conforme o Relatório da Democracia de 2018 o comprova, Portugal continua a ser um problemático estado de direito que privilegia os grandes corruptos, farsantes e falsários a quem permite que toureiem a Justiça na praça pública, livremente, em liberdade e por tempo indeterminado. E para gáudio popular. Situação que é favorecida pelas mais altas instâncias políticas ainda que cinicamente se mostrem desagradadas mas nada façam para corrigir a situação.

Isto é tanto mais surpreendente quanto é a autodenominada “esquerda” que agora manda no país enquanto a dita “direita”, nesta como noutras matérias fundamentais, a si mesma se enjeita.

Joana Marques Vidal, muito embora não deva ser tomada como a redentora da Justiça e muito menos do Regime, cumpriu a sua missão serena e diligentemente, com exemplar sentido de Estado, total independência, isenção e imparcialidade. Acima de tudo demonstrou ter lucidez e coragem suficientes para não se vergar a poderes obscuros e, contrariamente ao que era hábito, não favorecer habilidosamente ninguém.

Trata-se, portanto, de uma personalidade rara no cenário triste e sombrio da vida pública nacional, de uma magistrada com acendrado espírito de missão, que se destaca na classe a que pertence, que tão desprestigiada foi pelos seus antecessores, apesar das muitas e boas oportunidades que tiveram para mostrarem o que valem.

O mandato de Joana Marques Vidal, porém, está a chegar ao fim, pelo que mais se adensa o temor no espírito dos portugueses, em sobressalto desde que ministra da justiça, com intuitos obscuros e despropositados, fez saber que não era intenção do Governo reconduzi-la no cargo.

Também porque, como é público e notório, importantes machuchos do PS se batem por um novo procurador-geral da república mais dócil e moldável aos interesses obscuros em que estarão, directa ou indirectamente, enredados. Indícios e suspeitas que infeccionam o espírito do eleitorado, se distendem e ensombram a ambicionada maioria absoluta do PS, assustadora e pouco recomendável no presente contexto.

É certo que ninguém é insubstituível. Os cemitérios, sobretudo aqueles em que repousam figuras famosas estão a abarrotar de insubstituíveis mas a História nunca parou.

Em qualquer caso, a não recondução de Joana Marques Vidal na procuradoria-geral da república, não havendo impedimentos formais para tal, mais avolumará as suspeitas e descréditos que muito incomodam o PS directamente e o primeiro-ministro por reflexo e que se traduzirá, inevitavelmente, em pesados custos eleitorais.

Tratar-se-á, para lá do mais, de um péssimo serviço que o governo prestará à democracia, à esquerda e ao país e que só poderá ter como intuito fazer abortar a verdadeira revolução de veludo que Joana Marques Vidal em boa hora, honra lhe seja feita, desencadeou na justiça e, por via dela, no próprio regime.

Revolução que deve ter continuidade, custe o que custar e doa a quem doer.

 

PÂNCREAS (O palco e os bastidores)

Há, em teatro, cenas que têm de se deslocar para o fundo do palco, não por terem menor valor mas porque outras mais importantes lhe roubam a boca de cena.

Sem dúvida que a decisão de construir em Portugal o primeiro Centro de Investigação e Tratamento do Cancro do Pâncreas é de um relevo assinalável. Em conversa recente, na Gubenkian, um amigo, especialista em patologia do cancro, evidenciava a dimensão deste anúncio e não poupava elogios a esta relevante inciativa. O cancro do pâncreas é uma doença transversal que, não resultando de qualquer abuso de alimentação ou vício (como o tabaco) atinge todos os estratos sociais, em todo o mundo. Um centro dedicado exclusivamente a esta temática vai, obviamente, ficar no radar internacional, com todos os benefícios que daí advêm.

O primeiro deles consiste no facto de que, a partir de agora, há uma referência  obrigatória para todos os que pretendam um tratamento especializado e atualizado desta doença. De entre eles, muitos haverá com grande capacidade financeira que, ao deslocarem-se a Portugal, trazem consigo assinaláveis recursos financeiros seja para investir diretamente no tratamento, seja para viagens e estadias suas, das respetivas famílias e demais acompanhantes.

Igualmente, uma unidade especializada nesta área, única no mundo, vai atrair a atenção dos melhores especialistas na doença. O recrutamento, seguramente, far-se-á (como, felizmente já acontece noutras áreas da investigação) por simples escolha dos melhores de entre os melhores dos muitos que se candidatarão. É bom lembrar que o cancro do pâncreas é um dos mais mortíferos atualmente e que, qualquer desenvolvimento e resultado das pesquisas associadas, constituirá uma assinável mais-valia a que qualquer um dos maiores especialistas gostará de estar associado.

Acresce ainda que as farmacêuticas vão priviligiar os contactos com este centro, começando pelos ensaios clínicos de fase 2 e, sobretudo, de fase três que não só constituem uma assinalável fonte de receita, como ainda permitem aos doentes voluntários o acesso a medicamentos inovadores, quando já foram certificados como seguros mas ainda não disponíveis no mercado. É normal que, destes ensaios resultem publicações científicas que prestigiam a instituição bem como os clínicos e técnicos envolvidos.

A notoriedade não se esgota no pioneirismo da instalação. Passa igualmente pelo crédito que é conferido à Fundação Champalimaud por ter sido escolhida por um benemérito internacional, Maurício Botton Carasso, neto de Isaac Carasso, fundador da Danone, para receber cinquenta milhões de euros sem qualquer outra contrapartida que não seja a construção e colocação em funcionamento, do referido centro.

O que terá, pois levado, Maurício e a esposa Charlotte a dirigirem-se à instituição vizinha da Torre de Belém, com esta generosa oferta? Sem dúvida uma realidade suficientemente importante para ter determinado a decisão, mas que, só por si, não alcançou a notoriedade do anúncio do empreendimento. Nesta realidade cabe, antes de mais, o feito da Administração que, há dez anos ainda não tinha sequer instalações próprias e que hoje ostenta um assinalável património e, sobretudo, uma vasta atividade de grande projeção nacional e internacional na investigação científica, no tratamento do cancro e no apoio às melhores práticas e pesquisa para tratamento das doenças da visão.

Mas igualmente, algo que me impressionou quando tomei conhecimento, que a prática clínica tem, nesta unidade, uma metodologia de atuação excelente começando logo na tomada de decisão pois todos os casos clínicos, sem excessão, são objeto de discussão entre os vários especialistas sendo certo que várias vezes a opinião do chefe de equipa revê a sua decisão inicial proporcionando assim, sistematicamente, um melhor tratamento aos muitos doentes que ali acorrem, em número crescente.

A atratividade internacional do Centro Champalimaud de Investigação em Neurociências é já uma realidade comprovável, o prémio visão é disputado pelos melhores investigadores e instituições de tratamento da cegueira, por todo o mundo e, dentro em breve, igualmente será um polo de referência global.

 

Falando de …Natália Correia

A sua voz tonitroante deixava marcas por onde passava. Era inconfundível. Lembro-me de a ter ouvido em alta discussão com Dórdio Guimarães, em restaurante, por onde acidentalmente passei.

Marcou uma época. Partiu com um manto de adjectivos. Nem sempre unânime na apreciação dos seus críticos, foi controversa a vida desta mulher que nos deixou há vinte e cinco anos. Votada a algum esquecimento, como é timbre daqueles que em vida foram grandes, importa que lembremos a sua existência.

De seu nome completo, Natália de Oliveira Correia, açoriano, da Ilha de São Miguel, freguesia da Fajã de Baixo. Nasceu a 13 de Setembro de 1923. Figura eclética da intelectualidade dos seus tempos, não deixou indiferente quem com ela lidou, ou que dela ouviu falar. Nascida para o conhecimento, conjugou saberes que vão da poesia, ficção, conto, teatro, ensaio, jornalismo à edição.

Profundamente preocupada com tudo o que a cerca, mantém relações muito próximas com António Sérgio, onde se desdobra na área do cooperativismo. Amiga de Sá Carneiro e de Ramalho Eanes, foi deputada independente à Assembleia da República pelo PSD e depois, também, como independente, pelo PRD. Deputada à Assembleia, convidada para introduzir o discurso cultural, ficou famosa a sua intervenção, quando em 1982, discutindo-se a lei do aborto, em forma de poesia responde ao deputado do CDS, João Morgado que afirmava que o acto sexual era para fazer filhos:

“O acto sexual é para fazer filhos”-disse ele/Já que o coito-diz Morgado-/Tem como fim cristalino,/preciso e imaculado/fazer menino ou menina;/e cada vez que o varão/sexual petisco manduca,/temos na procriação/prova de que houve truca-truca/Sendo pai só de um rebento,/lógica é a conclusão/de que o viril instrumento/só usou-parca ração!-/uma vez. E se a função/faz o órgão-diz o ditado-/consumada essa excepção/ficou capado o Morgado.

               Segundo afirmava, casada as vezes que lhe apeteceu, teve ao longo da sua existência quatro maridos, sendo o grande amor da sua vida, Alfredo Lage Machado com quem casou em 1950. O Senhor Machado, como lhe chamavam, cavalheiro distinto, será o marido companheiro – pai-irmão de Natália. Viverão juntos a partir de 1953, no quinto andar do número cinquenta e dois da Rua Rodrigues Sampaio, por cima da Pastelaria Smarta, que ainda hoje existe. O casamento será interrompido com a morte do marido em 29 de Janeiro de 1989. Em 1990, casa com Dórdio Guimarães, escritor e cineasta, seu “esposo-irmão”, confessando ser um amor casto. A propósito da sua relação com Natália, dirá Dórdio Guimarães que aos catorze anos sendo, portanto, um adolescente, a viu pela primeira vez, tendo ficado terrivelmente impressionado. Será Maria Teresa Horta quem apresentará, mais tarde, Dórdio a Natália Correia.

Apesar dos vários casamentos, nunca lhe apeteceu ter filhos, porque foi muito cedo prevenida pela mãe, que era malthusiana, sobre os efeitos nefastos do momento populacional que são hoje um pesadelo para a sociedade. Nesta linha, demonstrativa de alguma intolerância para o infantilismo existente em grande parte dos adultos, condescendentes em certos comportamentos, publica em 1974 um dos seus livros mais polémicos, intitulado Uma Estátua para Herodes.

Na sua casa, na Rua Rodrigues Sampaio, em pleno salazarismo, enfrentando o regime de ditadura em Portugal, muitas foram as individualidades que por lá passaram. Mário Soares e a mulher, Maria Barroso, Urbano Tavares Rodrigues, David Mourão-Ferreira, foram alguns de uma plêiade de intelectuais que estabeleceram laços de amizade e culturais com Natália Por lá também passaram vultos de renome internacional, como Henry Miller, Ionesco, Claude Roi e Henri Michaux. Avessa a regimes ditatoriais, pugnando pela liberdade, lutando contra a censura vê textos seus publicados em jornais e em livros serem proibidos. O seu percurso político e de defesa da liberdade inicia-se muito cedo, participando no MUD – Movimento de Unidade Democrática. Participará activamente, ao lado de Mário Soares, José Augusto França e outros na campanha eleitoral de Norton de Matos e de Humberto Delgado.

Com um primeiro livro publicado em 1945, Grandes Aventuras de um Pequeno Herói, depois de uma vasta produção literária, onde não falta a participação em tertúlias de poesia, onde declama primorosamente, Natália é julgada em tribunal devido à publicação de Antologia da Poesia Erótica e Satírica, sendo condenada em 1970 a três anos de pena suspensa.

Em luta constante contra a censura, a peça de teatro de Sartre, publicada em 1944, Huis Clos, proibida em Portugal, será representada em casa de Natália Correia que fizera a tradução, a montagem, interpretando um dos papéis. Carlos Wallenstein encarregar-se-á da encenação. Várias foram as individualidades que assistiram à representação, como Almada Negreiros, Urbano Tavares Rodrigues, Sophia de Mello Breyner, Francisco Sousa Tavares, Augusto de Figueiredo, Isabel Meirelles, Isabel da Nóbrega, João Gaspar Simões, Mariana Tânger e Martins Correia.

Em 1967, Lisboa recebe no Teatro Capitólio, no Parque Mayer, o poeta russo Ievetuchenko, trazido pela Dom Quixote, dirigida por Snu Abecassis, amiga de Natália, que mais tarde se enamorará de Francisco Sá Carneiro, tendo Natália oferecido uma recepção ao poeta, na sua residência, que no recital de poesia a interpretará em russo, única ocasião para ouvirem a língua do poeta. Natália exultará pelo momento.

A casa da Rua Rodrigues Sampaio é o salão literário e de convívio da época. O fim do ano será sempre motivo para grande festa com as salas cheias. Alfredo Machado, responsável pelo Hotel Império, é um óptimo organizador destes acontecimentos. Com uma actividade social intensa, não descura a componente intelectual, publicando entre outros, em 1968, o livro de poesia Mátria, tendo David Mourão-Ferreira considerado Natália Correia, um dos casos mais sérios da poesia portuguesa de todos os tempos. Com uma vida plena de actividade, ainda tem tempo para abrir com o marido, Alfredo Machado, e a sua amiga açoriana Maria Mendonça, uma loja na Rua do Salitre, que se dedica à venda de móveis e antiguidades, a que deram o nome de Rodapé.

Algures lemos que a vida veio ter com Natália. Nascida no oceano profundo, vem Natália para Lisboa conduzida pela mãe, Maria José Oliveira, mulher superior, professora de instrução primária, aos livros dada. Do pai vê-lo-á partir para o Brasil, onde tentou angariar contributos que a ilha açoriana não lhe proporcionava. Avessa ao rigor, obstinada, recusando escrever no caderno diário, será expulsa do Liceu Filipa para voltar, depois, à Escola Machado de Castro. Precisava de mundo. De conhecer pessoas, conviver, ler. Ser feliz. Talvez o Colégio Lusitânia, aberto pela mãe, na Rua Morais Soares lhe tenha proporcionado o que desejava: a faculdade de dizer não e de traçar o seu próprio caminho.

Muito jovem desperta para a política. Conhece gente que a faz crescer: Martins Correia, Tomaz Ribeiro e Mário Soares. Casa muito jovem, sendo jornalista do Rádio Clube Português em 1944, ao mesmo tempo que publica poesia no jornal em que colabora. Livros seus sucedem-se: Aconteceu no Bairro e Rio de Nuvens. Colabora no jornal O Sol até ao seu encerramento pela censura em 1949. Uma viagem em 1950 aos Estados Unidos da América suscitará a escrita de um livro de viagens que intitulará Descobri que Era Europeia, a que acrescentará impressões de mais duas viagens ao mesmo país em 1978 e 1983, o que reflectirá algum descontentamento e decepção pelo visto e vivido.

Mulher de vida plena, rodeado de gente que a admira, de amigos mais de quantos e de detractores que não lhe escasseiam. Original, de invulgar desassombro, de grande lucidez e abertura de espírito, provocadora, por vezes, ela era o centro da atenção, independentemente do lugar que ocupasse. A alegria de viver distinguia-a de outros elementos femininos. A boquilha que utilizou ao longo da sua vida, possuindo várias de diferentes formatos e feitios, era um acessório de que não prescindia, permitindo-lhe confirmar gestos e poses que as suas mãos tão bem sabiam representar. As écharpes, a par das boquilhas, transmitiam-lhe um ar imperial que a sua voz declamatória confirmava. Se durante muito tempo foi considerada uma das mulheres mais belas de Lisboa, das mais atraentes e das mais disputadas pelos olhares masculinos, confessava quase nunca ter líbido, mesmo em nova, o sexo nunca representou grande coisa para si, tendo gostado sempre de homens mais velhos. Era muito pudica no que dizia respeito à sua intimidade, não se despindo ante os médicos que consultava e não vestia fato de banho quando na juventude ia à praia. “A massificação do espectáculo praiante enoja-a”.

A beleza e a elegância perdidas não pareciam incomodá-la. Uma vez por semana a cabeleireira ia arranjá-la a casa. Não comprava roupas e os vestidos eram feitos pela porteira.

Com um mundo que a cerca cada vez mais a agigantar-se, em Dezembro de 1971, abre-se uma nova etapa na vida da poeta. Não gostava que lhe chamassem poetisa. Isabel Meirelles e Natália Correia constituem a sociedade Correia e Meirelles Lda que sob a gerência de Alfredo Machado darão origem ao Botequim, no Largo da Graça, edificado a partir de uma antiga carvoaria com tulhas de petróleo e de carvão. Acerca do Botequim, Fernando Dacosta, íntimo de Natália Correia, escreverá em  O Botequim da Liberdade, publicado pela Casa das Letras em 2013, abundante informação sobre aquele espaço que dominou a noite lisboeta durante vinte anos.

O bar ocupou uma posição estratégica na sociedade lisboeta. É cada vez maior o número de frequentadores em busca de um convívio que não encontravam noutro lado. Políticos, intelectuais, militares e, naturalmente, Natália, discutiam, polemizava, concordavam e discordavam. Pretexto para celebrações que passavam por lançamento de livros, saraus de poesia, acontecimentos científicos e humanísticos  merecem o aplauso , o convite e o apoio daqueles que tornavam o Botequim um lugar de magia, aprazível e feérico. Uma festa onde se construíam e desfaziam utopias, de convívios que perduravam, de amizades, de estratégias, de segredos, de governos, de conjuras e de promessas que se procuravam construir. Natália na sua plenitude, irreverente, afectiva e independente, improvisando, discursando, declamando e cantando chamava a si as honras da casa. Com o 25 de Abril, o Botequim tornou-se uma referência e um baluarte na luta pela liberdade. São muitos os militares que o frequentam. Natália avessa a totalitarismos enfrenta com determinação os ideais democráticos, opondo-se tenazmente à esquerdização em curso. Num período em que Camões e Pessoa são apodados de imperialistas, em assembleia realizada nas Belas Artes e na Sociedade Portuguesa de Autores, Natália Correia é escarnecida. Ao invés, em 1975, quando se desloca a São Miguel é expulsa de um restaurante, juntamente com uma amiga, por ser comunista.

Natália Correia, um ser visceralmente verbal, não deixa de anotar as suas impressões acerca das sinuosidades que marcam o período da revolução de Abril. Acontecimentos do 25 de Abril de 1974 a 20 de Dezembro de 1975 passam à posteridade através do livro publicado por Natália, a que deu o nome de Não Percas a Rosa, recordando a rosa que uma mulher idosa lhe ofereceu quando descia a escada do convento de Tomar.

A propósito do do acto de escrita em Natália Correia, vale a pena transcrever o que anotou Ana Paula Costa em Fotobiografia, editada pela Dom Quixote em 2005, página 165

Escrevo todos os dias e à mão. Não permito que nada me escape da escrita, porque o corpo e a palavra estão unidos. Tudo começou quando a palavra se fez corpo. Deito-me tarde porque o dia divide e a noite une. O poeta tem que banhar-se na lunaridade da festa nocturna. De contrário é um tecnocrata do verso que só conhece metade da vida.

Com uma actividade cívica invulgar, Natália Correia não descura o seu estro literário. Confidenciou que precisava de uma outra vida mais para escrever o tanto que lhe falta, embora ainda tenha tido tempo para criar o Hino dos Açores. Da muita poesia que escreve, é-lhe atribuído o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores 1990, com a publicação de Sonetos Românticos. Responsável por algumas editoras, como Arcádia e Estúdios Cor, Natália Correia desmultiplica-se. Muitas são as condecorações que lhe são atribuídas, quer de carácter cultural, quer cívico. O reconhecimento para quem não se satisfazia com o espectáculo do mundo, mas nele participando, enriquecendo-o.

E nós que procuramos na palavra a desenvoltura que os nossos maiores nos legaram, vamo-nos lembrando daqueles que tiveram voz alta para se afirmarem num Portugal que não pode abdicar dos seus valores, descobrindo novos horizontes como se o mundo fosse uma porta apta para se abrir aos nossos olhos buscando sempre um tempo novo.

Natália Correia, polémica, sagaz, irreverente, sábia e independente e interventiva deu-nos a mão, mostrando até onde o nosso querer pode chegar.

Partiu há vinte e cinco anos. E muito se passou nas nossas vidas… Hoje recordamo-la. Um dever da escrita.

                                                                                                                           João Cabrita   

                                                                           Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico 

 

 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Jorge de Leão (n. Mogadouro, 1507)

António de Leão e Maria Lopes eram judeus castelhanos. Terão vindo para o Mogadouro depois do decreto de expulsão, em 1492. Seriam “batizados em pé”, tomando então aqueles nomes. Trata-se de gente importante, a avaliar pelos casamentos e cursos de vida seguidos pelos filhos que tiveram e foram os seguintes:

Catarina de Leão, que casou em Mogadouro com Gaspar de Carvajal. Estes foram os pais de Luís de Carvajal, o Conquistador do México.

Duarte de Leão que foi para Cabo Verde como fator da Casa da Guiné e se fez mercador, metido especialmente no tráfego negreiro. (1)

Isabel de Leão casou em Mirandela com Diogo Pimentel.

Francisco de Leão que estudou em Salamanca.

Afonso de Leão, o mais novo, que vivia em Mirandela, em casa da irmã.

Álvaro de Leão, nascido por 1511, casou com Leonor, filha de Luís de Carvajal, morador em Sambade. Ali viveram também algum tempo, e Álvaro, para além de outras atividades e mercancias, era então sócio de Francisco Carlos, (2) de Trancoso, ambos arrematando a cobrança das rendas do arcebispado de Braga, na região de Freixo de Espada à Cinta. Também nesse tempo, pelos anos de 1539/40 quando lhe disseram que andavam os cristãos-novos quotizando-se para “trazer de Roma uma bula” que os livrasse da inquisição, ele se apressou a contribuir com um dobrão, quota bem avultada que ele justificou dizendo “que dera por ser rico e mal quisto”. Posteriormente estabeleceu morada na vila de Cortiços, onde foi preso com a mulher e levado para a cadeia de Algoso e dali para Évora. Na cadeia, por várias vezes tentou suicidar-se e “em uma noite do mês de janeiro do presente anos de 1546, meteu com as suas mãos um ferro no umbigo que fez com ele uma ferida de 4 dedos em comprido”. (3)

Em Cortiços se tinha já estabelecido Jorge de Leão, outro filho de António de Leão e Maria Lopes. Nascido por 1506, em Mogadouro, tinha uns 12 anos quando a mãe faleceu e seu pai casou novamente. Então ele abandonou a casa paterna e foi-se para Mirandela, iniciando uma bem-sucedida carreira de mercador. Teria uns 24 anos quando casou, com Branca de Leão, natural de Vinhais. O casal teve uma filha, chamada Catarina de Leão, que casou nos Cortiços com Francisco Domingues, cristão-velho, ”cavaleiro e homem honrado, que não tinha muito de seu, sendo ele réu homem rico e abastado que podia casar sua filha com o mais rico e honrado cristão-novo que houvesse”.

Se Álvaro era homem rico, muito mais o era seu irmão Jorge. Grande mercador, especialmente de produtos de seda que eram fabricados por sua conta e sob seu controle, para o “que ele tem continuadamente duas rodas de seda em sua casa e que fiam seda de noite e de dia. E que tem 3 ou 4 candeeiros de noite acessos (…) e isto são todas as noites de toda a semana que são de trabalho”.

Provavelmente era o homem mais conceituado da terra, pois que em sua casa ficavam hospedados os “clérigos que vinham ajudar ao santo ofício e lhes dava de comer quando estavam no dito lugar (…) e sempre tratou e comunicou com licenciados, abades, clérigos e pessoas de qualidade e pousava em suas casas e comia e bebia com eles”.

Porém, a maior prova do elevado estatuto social de Jorge de Leão era uma bula que o autorizava a que rezassem missa em sua própria casa, tendo para isso, vestimenta para o sacerdote, frontal para armar o altar e as mais coisas necessárias a tal cerimónia.

O ano de 1539 foi de grande escassez de colheitas e muita fome em terras Trasmontanas “despovoando-se a maior parte da comarca em redor” dos Cortiços. Ali, porém, Jorge de Leão deu ordem para dar mantimentos aos pobres, de modo a que não morresse ninguém de fome.

Foi ao início do verão de 1544. Francisco Gil andava em Trás-os-Montes “à caça de judeus”. Aos ouvidos deste, terão chegado denúncias contra Jorge, contra seu irmão Álvaro e contra as suas mulheres. Em consequência, em nome do santo ofício e usando os poderes de que estava investido pelo inquisidor geral, mandou prender os quatro. (4)

A partir daí foi um verdadeiro calvário. Juntamente com outros prisioneiros apanhados em outras terras Trasmontanas, num total de 11, foram metidos no inóspito castelo de Algoso e ali sujeitos aos maiores tormentos. (5) Em determinada altura, os guardas fariam uma fogueira no largo fronteiro e nela queimaram um cão, para exemplo do que estava para eles destinado.

Os prisioneiros imploravam que os levassem para as cadeias da inquisição e homens nobres da região apresentavam propostas para os levar, pagando 80 mil réis, comprometendo-se a proporcionar bestas para os prisioneiros e suas tralhas. Um deles foi Afonso Galego, da Granja “que é um dos homens honrados e ricos e abastados que há na maior parte da província” e comprometia-se com uma fiança de 100 mil réis a entrega-los em Évora. Outro foi António de Reboredo, vedor da alfândega de Miranda, “cavaleiro, da Casa de el- Rei”.

Possivelmente instruído por Francisco Gil, o corregedor da comarca, Dr. Pedro Lopes da Fonseca, responsável pelo castelo e pelos prisioneiros, rejeitou todas as propostas. Em determinada altura apresentou-se em Algoso, por ordem do corregedor, o meirinho da correição, Diogo Osorez, acompanhado de Luís do Vale e Duarte Martins, com vários criados e cavalgaduras, dizendo que iam levá-los a Évora.

Saíram do castelo os prisioneiros, arrastando os grilhões por umas centenas de metros, até à ermida de S. Sebastião, que fica no extremo do povoado. Aí montariam nas bestas e seguiriam viagem. Ilusão! Certamente o espetáculo foi montado para humilhar os prisioneiros, com o povo cristão a assistir e vomitar impropérios sobre os judeus. Humilhados, os presos foram mandados regressar ao castelo onde continuaram, por mais duas semanas a sofrer afrontas escarninhas.

Terminado o verão, com os dias a diminuir e as chuvas a dificultar a marcha, foram os prisioneiros levados para Évora. Obviamente que, em vez dos 80 mil réis acima referidos, tiveram de pagar mais do dobro.

Os pormenores desta trágica aventura foram contados em uma exposição enviada pelos prisioneiros ao inquisidor geral, o infante D. Henriques, exposição que anda a fs 56-58 do processo de Jorge de Leão.

Para além das queixas contidas nesta carta para o inquisidor-mor, Jorge de Leão denunciou perante os inquisidores outros abusos cometidos por Francisco Gil, dizendo que tinha tomado a ele e a seu irmão as bestas e dinheiro, em fiança. “Muito dinheiro” também lhe tomaram, abusivamente, no decurso da viagem e disso culpava também o corregedor Pedro Lopes da Fonseca. Responderam os inquisidores da seguinte forma:

- Se o dito Jorge de Leão pretender ter algum direito contra o dito corregedor ou outra alguma pessoa, que demande a quem de direito e o deve fazer.

Terminamos com um excerto do mesmo processo, muito interessante, por nos revelar a sua forma de estar face às romarias e os Caminhos seguidos para Santiago de Compostela:

- (…) Foi a Santiago da Galiza em romaria, para ganhar as indulgências do jubileu e no caminho visitou a casa do Bom Jesus, que é de grande romagem e devoção e mandou dizer uma missa, que ouviu; e dali se foi a Orense e visitou o famoso Crucifixo, e mandou dizer outra missa, que ouviu; e dali se foi a Santiago, onde esteve quatro dias e mandou dizer muitas missas (…) e estando doente que tomou com as quartãs pelo caminho, uma jornada de sua casa, e por cumprir sua romaria, se não quis tornar a casa e visitou o corpo de Santa Susana, que está fora da cidade e mandou ali dizer uma missa que ouviu; e dali foi ao Padrão e ali mandou dizer uma missa na igreja velha de Santiago; e dali se foi para Tui e visitou o Corpo Santo e mandou dizer uma missa e a ouviu (…) de Tui se veio para Braga e se tornava já para sua casa e pegou-lhe tanto a doença que esteve em passo de morte e como bom católico cristão, mandou trazer as relíquias de S. Geraldo (…) ao qual aprouve de lhe dar saúde, sendo já desconfiado dos físicos que o curavam…

 

Notas:

1-ANDRADE e GUIMARÃES – Marranos de Trás-os-Montes na rota do comércio de escravos da Guiné para as Américas, in: jornal Terra Quente de 1.7.2012.

2-Francisco Carlos, era natural de Trancoso, filho de Mestre Carlos, que fora rabi com o nome judeu de Ça-Cohen. Maria Draga, mulher de Francisco Carlos e, com ele, presa na inquisição de Évora, pertencia a uma família igualmente célebre, repartida por Trancoso, Vinhais e Bragança.

3-Inq. Évora, pº 8779, de Álvaro de Leão. Até hoje não foi identificado pelos arquivos da Torre do Tombo o processo de Leonor de Carvajal.

4-Idem, pº 11267, de Jorge de Leão; pº 9019, de Branca de Leão.

5-GUIMARÃES, Maria Fernanda – Antes em Miranda que no Castelo de Algoso, in: jornal Terra Quente de 1.6.2003.