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Sortilégio socialista, mas não só

O facto de Portugal surgir sistematicamente noticiado nos piores lugares de uma qualquer tabela, seja ela politica, económica ou social, já parece uma fatalidade. Somos mesmo levados a pensar que a ideia da nossa mal-amada pátria ser invariavelmente referida como situando-se na desprimorosa cauda da Europa, por exemplo, poderá ser tão natural e inevitável como ao ponta de Sagres ou o cabo da Roca estarem onde estão, isto é, bem na periferia do continente europeu. O pior de tudo é que os portugueses dão mostras de terem interiorizado tal sina, de não se importarem nada com isso, talvez porque são induzidos a tal, sabe-se lá porque tenebrosas forças. Pior um tanto: sem terem consciência de que o mal não está neles, muito menos na democracia, antes recai, em absoluto, nos políticos e no regime político que gera tão falsos servidores da causa pública. Certo é que cada má imagem negativa sobre Portugal que é lançada no planeta noticioso espelha um monumental fracasso governamental. Vem isto a propósito de estudos publicados recentemente. Estudos que, por norma, como é sabido apenas confirmam aquilo de que já se suspeitava. Diz um desses estudos, trata-se, neste caso do próprio INE que divulga dados provisórios no relatório “Portugal, Balanço Social 2021”, que o risco de pobreza aumentou entre 2019 e 2020, atingindo quase 2 milhões de pessoas e com subidas maiores entre mulheres e idosos, mas também nas famílias. Havemos de concordar que 2 milhões e pobres é muito pobre, caramba! São cerca de 20% dos portugueses, expressando, objectivamente, que em cada cinco português um sobrevive na miséria. Entretanto, esta enorme mancha de indignidade nacional acentua-se com a divulgação do credível Global Wealth Report 2023, segundo o qual o número de milionários em Portugal aumentou 22%, passando de 136 mil, em 2020, para mais de 166 mil, no final de 2022. Ficamos a saber, portanto, que mais de 166 mil portugueses são detentores de fortunas superiores a um milhão de euros apesar da riqueza mundial ter caído no mesmo ano. Isto por obra e graça de um governo que, por muito que custe a muito boa gente, insiste em condenar Portugal ao sortilégio socialista. Ou socializante, como se queira. Sortilégio já prenunciado por Mário Soares na apresentação do Programa do II Governo Constitucional, em 1978, quando proferiu a lendária afirmação: “Não se trata agora de construir o socialismo, trata-se de recuperar a economia deste país”. Frase que ganhou maior popularidade, na forma: “Não se trata agora de meter o socialismo na gaveta”. Pois é: é mesmo disso que se trata, de uma tara socializante que bem se vê com a trapalhada da nacionalização /desnacionalização da TAP, cujo folhetim parece não ter fim. E que também se evidencia na Lei do Arrendamento que tanta polémica tem levantado, porque não agrada nem a inquilinos nem a senhorios e muito menos resolve o problema social que seria suposto resolver. Para completar esta galeria de imagens desgraçadas, um outro estudo do World Resources Institute (WRI), coloca Portugal entre os 50 piores países em que há mais risco de falta de água em grande parte do território, ocupando o 43º lugar, mais precisamente. Por outras palavras: Portugal apresenta risco “elevado” de escassez de água entre 60 a 80% do território, com uma tendência de crescimento verificada até 2050. Notícia que não nos espanta se tivermos em conta a gestão desleixada, diria mesmo criminosa, que os governantes continuam a fazer dos recursos hídricos de Trás-os-Montes em particular, que condena os próprios transmontanos a morrerem à sede no meio de rios, sacrificando tudo e todos ao egocentrismo de Lisboa. Vale sempre a pena evocar, a este propósito, a obra de Camilo de Mendonça de um tempo longínquo, que se mostra providencial nos tempos que correm. Mas será que, repito, a culpa de Portugal aparecer, por norma, sempre associado a notícias negativas e noticiado como ocupando os piores lugares de uma qualquer tabela, seja ela politica, económica ou social é dos portugueses? Assim não penso porque Portugal alcança sistematicamente sucesso internacional quando os políticos se colocam à margem. Veja-se o caso do desporto, da ciência ou, mais recentemente, da Jornada Mundial da Juventude. Ou mesmo a desenvoltura com que os emigrantes portugueses se afirmam nos países mais desenvolvidos. Havemos de concluir, isso sim, que o mal antes recai, em absoluto, no regime político que continua a gerar manadas de governantes incompetentes e desonestos e a quem não só não pune como premeia. O que igualmente explica que continua a haver reformas fundamentais indispensáveis que são maliciosamente postergadas. O que é, a todos os títulos, lamentável.

OS CARETOS DE PODENCE

Os Caretos de Podence são hoje uma imagem de marca, conhecida internacionalmente que atrai, de forma consistente e sustentada, milhares de turistas, interessados, curiosos ou simples foliões àquela aldeia de Macedo. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um paradigma de desenvolvimento e combate à desertificação do interior, pela valorização da cultura autóctone, por contraponto aos “enlatados” que, imitando festas e romarias comerciais (e comercializadas) podendo ter algum sucesso no imediato, não tendo raízes, não garantem a sustentabilidade necessária e requerida na utilização dos dinheiros públicos. Desde há muito que defendo que o lastro necessário para as políticas de combate ao empobrecimento humano, social e económico do nordeste está, precisamente, nas iniciativas genuínas e diferenciadoras. Estranhamente (ou talvez não), quando realço este sucesso macedense, noutras localidades da nossa terra, esperando obter um comentário de congratulação e regozijo por este feito que a todos deveria orgulhar, ouço, com frequência, críticas e reparos de difícil entendimento. Que os caretos não são exclusivos de Podence, que é um fenómeno extensivo a todo o nordeste, quiçá com manifestações mais expressivas noutras localidades, tendo havido, neste caso, uma apropriação (indevida?) de um património comum. É verdade que os rituais festivaleiros dos mascarados com trajes garridos e chocalhos à cintura não se restringem a esta freguesia nordestina. Mas foi ela que, com o apoio da autarquia e de outras forças vivas da região, fez o trabalho de promoção, divulgação e sistematização, conducente ao reconhecimento internacional do fenómeno. Que é seu. Não é exclusivo, mas tam- bém não foi enxertado! Dando uma pancadinha na base de um ovo, de forma a provocar um ligeiro achatamento, qualquer um pode colocá-lo, de pé, sobre uma superfície lisa. Porém a autoria do feito é, desde há séculos, atribuída, e bem, a Cristóvão Colombo por ter sido o primeiro a fazê-lo. É, igualmente, justo pois que seja a gente de Macedo, liderada pela sua autarquia, a beneficiar do sucesso da festa dos gar- ridos mascarados chocalheiros. Não é correto, nem tão pouco útil, para quem quer que seja, a crítica de quem, podendo, não fez o que ali foi feito. A atitude certa não passa pela disputa (inútil) da primazia de um fenómeno que já atingiu o topo da notoriedade, bem pelo contrário, o adequado é a associação ao evento, incorporando o que puder enriquecê-lo (ganhando Macedo, em maior ou menor proporção, ganhamos todos) e, se houver engenho e arte, aproveitar o exemplo, seguir a boa prática, identificando e trabalhando outras especificidades locais que, felizmente, abundam na cultura tradicional da nossa terra. É de referir que, Benjamim Rodrigues, um dos autarcas que não “beneficiou” da limitação de mandatos (havemos de falar nisso, brevemente), apesar do estrondoso êxito com os carnavalescos personagens, não ficou à sombra deste troféu. O Geopark Terras de Cavaleiros e a distinção internacional do Parque Urbano são um bom exemplo. Estou certo que, antes que a perversa lei do “iluminado” Relvas o afaste do Jardim 1.º de Maio, ainda irá acentuar a marca da sua originalidade, competência e eficácia no progresso de Macedo e, por arrasto, de todo o nordeste.