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Vendavais- O travão da felicidade

Ao longo de séculos, o homem sempre procurou duas coisas inatingíveis: a fonte da juventude e a felicidade. A fonte da juventude é inatingível para quem já não é jovem, pelo menos fisicamente e a felicidade é e sempre foi relativa, já que depende de estados de alma e de momentos muito breves que não perduram no tempo longo. Este assunto levou muitos cientistas e psicólogos a debruçarem-se sobre ele e muitas foram as conclusões a que chegaram, mas nenhuma foi conclusiva. A felicidade existe, claro, mas é tão breve que não há tempo para a guardar. Não basta dizer-se “sou feliz” para ter a certeza de ter encontrado a felicidade pois ela pode ser muito mais do que o que se sente momentaneamente. A juventude existe também, mas só pelo tempo em que verdadeiramente se vive, ou seja enquanto se é jovem. É um tempo mais longo, mas irreversível. Podemos pois dizer que o homem vive entre dois paradigmas nem sempre atingíveis e que se esfumam por entre os seus dedos sem possibilidade de os guardar eternamente. Mas há uma certeza, é que não podemos deixar de tentar nem ser felizes, nem deixar de ser jovens, mesmo com o peso dos anos que se abatem sobre as nossas costas. Não parece ser este o pensamento de cerca de três mil pessoas que resolveram manifestar-se em Lisboa no passado fim de semana, sem máscaras, contra o confinamento. O curioso, no mínimo, deste facto, é que onde mais vítimas se registam e onde há mais casos de contágio, é onde as pessoas se manifestam contra o confinamento. Esquecem-se possivelmente que foi o confinamento que fez com que Portugal passasse do pior país da U.E. para o melhor, pelo menos por enquanto. Será que estes irresponsáveis, desejam ficar contagiados e ser os próximos a elevar o número de mortos no país? Por outro lado, manifestam- -se sem cumprirem as regras impostas pelo SNS. Sem máscaras e sem cumprirem o distanciamento, é um risco que os torna irresponsáveis e criminosos. Ao tomarem uma atitude destas eles estão a ser o travão da felicidade de muitos que conseguiram ainda não ser atingidos pelo vírus e viverem na esperança de que nunca o venham a ser. Estes, podemos dizer que vivem numa felicidade temporária, embora frágil e que esperam perdure mais algum tempo. Mas a incerteza é também um travão à mesma felicidade. Portugal tem visto descer o número dos contágios enquanto a U.E. os vê crescer, levando alguns países a voltar a confinar, como é o caso da França e da Alemanha. Aqui tudo se volta a complicar e muito. Será que Portugal, depois de dois meses de aprendizagem e de sucesso, vai deixar deitar a toalha ao chão e complicar novamente a vida de todos devido à irresponsabilidade de alguns? Se é “bom” ter só cerca de 450 casos e 8 óbitos em 24 horas, o inverso é assustador e é bom que estas pessoas que estão contra o confinamento pensem duas vezes, não só em si, como também nos outros. Na verdade, a juventude também está a ser atingida e muitos jovens já deixaram de poder viver a sua juventude. O vírus não deixou. É irreversível. Não há um travão para o vírus. Somente a vacina certa no momento certo e mesmo isto está a ser difícil de se conseguir. As informações que têm chegado todos os dias são contraditórias. Não há vacinas suficientes, algumas vacinas provocam doenças inesperadas ou mesmo a morte, não estão a ser vacinados todos os que deveriam em tempo certo por razões variadas, mas que não contrariam a realidade. Vivem-se pois, momentos de incerteza, de ansiedade e de medo, que são travões terríveis para quem procura momentos de felicidade e de paz e saúde quanto baste. Enquanto isto acontece, as autoridades andam a vigiar quem tenta sair do concelho em vez de proibir estas manifestações contra as imposições legais do governo e que põem em risco a saúde de quem anda a tentar fugir ao vírus há tanto tempo. Afinal, o que se pretende? Aumentar o número de casos e óbitos, ou diminuir de vez a possibilidade de podermos dar de caras com o vírus ao virar da esquina? Quem trava tudo isto? Haja responsabilidade e razoabilidade se não voltaremos a confinar até ao próximo ano.

Primavera

Em 1963, o eclético Luís Sttau Monteiro escreveu o livro Todos os anos pela Primavera, forte crítica ao regime salazarista, que o estimado Nuno Álvaro Vaz passado algum tempo fez o favor de o retirar do limbo dos reservados vendendo-mo embrulhado em papel anónimo que, segundo o escrito que nele coloquei foi no ano de 1964. Li o escalofriante libelo num ápice para depois circular através de mãos seguras e cautas, hoje repousa ao lado de outros do mesmo autor que anos mais tarde conheci em ambiente de melhor qualidade, até festivo num restaurante da Avenida Visconde Valmor, em Lisboa. Noutro registo, noutras paragens, tive a felicidade de assistir ao bailado A Sagração da Primavera, do genial Stravinsky. A Primavera que recordo é a vivida nos anos felizes, logo bem fruídos em Lagarelhos e Bragança, balizados pela frigidez do autoritarismo bafiento do Botas de Santa Comba e a majestade dos quadros da Mãe Rússia de Igor, a evidenciarem a dualidade Bem e Mal que nos marca a vivência na justa medida da nossa intervenção nesse mesmo devir. Por isso mesmo, os leitores que ao longo dos anos fazem o favor de lerem aquilo que escrevo sabem quão gosto de discorrer sobre o que observo, perscruto, o que vejo, ouço, provo, tacteio e cheiro. E, neste tempo de calafrios, ameaças invisíveis a redundarem em sofrimento facilitador da tarefa da Senhora da gadanha, a toda a hora, a todo o momento, só encontro apaziguamento na leitura, na audição, na escrita. Nada mais. Tempos medonhos a separarem-me de entes queridos por que assim o determina o bem comum embora esta noção de bem comum não passe de filosofia de pacotilha para lamentação jerumiada no decorrer de, ocasionais encontros, nos peripatéticos passeios em redor da casa. A primavera pautava em quatro andamentos do esfusiante bailado das andorinhas a anunciarem tempo para amarmos perdidamente a iniciar-se na festa das Laranjas junto à capela de S. Lázaro, a prosseguirem excitados até às férias pascais, o jejum dos interditos eram os dias sem aulas, prosseguiam entre zumbidos de insectos bisbilhoteiros no Mês de Maio, o mês mariano da novena na Sé onde a algazarra provocada pela colocação do cinto, dos cintos, representavam a utilidade dos normativos em uso e, quando quebradas as amarras o clamor gerado corria montes e vales pontilhados de flores até chegarem às casas paternas semeando, discórdias, lágrimas e suspiros, ao exemplo do drama filmado por Ingmar Bergam. A Primavera findava num tropel de amplexos sussurrados de amor ao estilo de Romeu e Julieta visto o ano lectivo ter findado e, outro confinamento repleto de dúvidas e raivosas ciumeiras principiava. Na altura, a maioria de nós desconhecíamos as atrocidades dos esbirros da PIDE, menos ainda a obra maestra do compositor russo amante da liberdade, os ardores dos três meses de Inferno exibiam- -se nos troncos nus dos ceifeiros e nos braços níveos motivadores dos conceitos de sangue azul das senhoras frequentadoras da missa das seis. Não enfado mais os estimados leitores afirmando quão me custa sentir e ouvir este eterno retorno da vacinação e ouvir a gaguez da ministra Temido, a charamela de Graça Freitas, ficar entorpecido pelos gráficos de Marques Guedes e o ora não advogado Júdice, a blasfemar contra os revisionistas da história (ainda bem que não sabem onde param as calças do desditado Gungunhana), sem esquecer os brados e remoques de uma senhora «científica» a entaramelar dogmaticamente o significado de racismo afirmando ser de via única do homem branco, nunca podendo ser do homem negro ou amarelo contra os brancos. Ou a senhora viajou pouco ou então é vesga, visgarolha como se dizia na vetusta cidade do Braganção. Vá ao Gana, à Costa do Marfim, ao Senegal, a Moçambique (no Maputo senti- -o bem mais pesado do que na Bronx) ou na África do Sul. A pandemia leva-me a conceder atenção aos detalhes (boa sorte Carlos Moedas), não o faço gostosamente, faço-o socavando reminiscências possivelmente serôdias, só que o vírus tem esse condão, ao invés dos esquecimentos do ministro de fala atabalhoada a prometer computadores e vacinas aos professores imitando os vendedores de atoalhados, colchas e cobertores no Toural ao preço da uva mijona origem de zurrapas vendidas ao balcão pelo Senhor Cipriano Augusto Lopes, o Verbo, opositor do Estado Novo nas quatro estações do ano, mesmo de madrugada quando gabava as virtudes de uma peça de duvidosa autoria do Mestre Rafael Bordalo Pinheiro.

Obrigado aves do céu

Quando nos aproxima - mos dos pássaros, estes afastam-se. Alguns saltam, outros põem-se a correr, muitos tomam o seu voo. Gostaria de dizer algumas palavras sobre eles, mas com medo de que fujam, falemos baixinho. Recentemente, os especialistas do mundo inteiro publicaram um relatório sobre a diversidade: “ um mundo sem aves, seria…” Este título deixou-me numa tristeza tão profunda que me pareceu mesmo excessiva. Mais triste me senti ainda quando vi que o meu país também fazia parte do estudo. Sobretudo que na minha infância vivi íntima e harmoniosamente com o meio rural onde abundava a passarada. Desde há décadas que se fala do desaparecimento das espécies, do empobrecimento da natureza, da ameaça sobre os recursos naturais; constata-se uma destruição com peso e medida, a das florestas, dos solos, dos mares, do ar, do mundo animal… Como há também esta invisível destruição do nosso equilíbrio íntimo que pretende que, para suportar o destino, necessitamos de tudo o que vive e particularmente dos animais. Confidentes sem o saber, aliviam o nosso fardo e apoiam a nossa marcha, até a encantam. Não sei de nada, mas abrigam qualquer coisa de nós mesmos. Não os deixemos fugir. A tristeza habita todos os países e todo o género humano. E o fenómeno parece agravar-se a um ritmo muito acelerado. A estimativa é que de ano para ano esta aumenta um por cento; da tristeza e do ódio juntamente com a ausência de alegria. A esta velocidade de propagação, não vai demorar que nos atiremos todos pela janela do céu, à procura dum buraco negro que nos acolha para nos libertar dos problemas que nos desassossegam e que resume a palavra: existência. No palmarés mundial, os países mais pobres parecem ser os países ivadidos pela Guerra, o sorridente continente latino-americano sabe levar a vida apesar de todos os defeitos dos regimes que sofre, da fome que perdura e da violência permanente. Ao lado do pequeno monstro omnipresente e invisível que invade os nossos dias, a perda da biodiversidade é também uma das causas maiores do nosso blues atual. A crise das espécies, que faz com que um milhão de entre elas esteja ameaçada a curto prazo (antes do fim da nossa própria vida!), assusta toda a humanidade. Quando se fala da ausência da alegria humana, não podemos impedir-nos de invejar os pássaros sobreviventes do desastre que saúdam cada aurora nascente com os seus chilreares alegres. Acreditam no dia que começa, acham que o que se segue será bonito, que terão grãos caídos para apanhar e que os congéneres que, de longe, os saúdam serão simpáticos e companheiros. Com o aproximar da bela estação, lembro-me, com saudade, duma tardinha e dum longo passeio pelo campo, um pouco fastidiosa, com o tempo algo húmido. Mas chegou a hora em que certos pássaros, que até ali se mantinham em silêncio, se puseram a cantar. Será que se preparavam para anunciar o anoitecer? Ter-seiam apercebido da noite iminente? O vento tinha caído, até ali fazia tremer a copa das árvores, sentiriam que o seu canto tinha ecos longínquos e que era o momento de dizer o que haviam que declarar? Ou estavam a prevenir os seus semelhantes do lugar em que se encontravam, estariam a avisá-los da nossa passagem, informariam a colónia sobre um lugar identificado de nova pescaria? O cortejo sonoro dava ao campo a sua densidade, às árvores a sua altura, aos caminhos a sua razão de ser. Apeteceu-me dizer-lhes “obrigado, aves do céu”. Porquê que não somos como as aves do céu, disponíveis para esta alegria nativa, para esta despreocupação evangélica, em suma! Porém, temos de ser invadidos pela inquietude do nosso futuro comum, desta “ sexta extinção” que nos anunciam para o fim da nossa caminhada quando, todas as espécies tendo já desaparecido, só nos restará descampar quando chegar a nossa vez piedosamente em direção à saída definitiva, deixando o palco livre para os seguintes – mas que seguintes? A morte individual não é nenhuma novidade na terra. Estamos prevenidos desde a origem, contudo o que ignorávamos, é a hipótese da morte coletiva, universal, o desaparecimento de todos juntos. A nossa nave de loucos vai certamente afundar-se, teríamos estado prevenidos. Difícil, à espera, de assobiar como um pintassilgo feliz ou viravoltear como um latino a dançar.

Bragança: anos de 1700: Quadros Sociais- António Madureira Tesoureiro do Fisco

Escrevemos já um texto sobre a ascensão social de António Mendes Madureira, um sapateiro que conseguiu a carta de familiar da inquisição em 18.6.1711. Contudo já muito antes dessa data, ele dirigia levas de prisioneiros a Coimbra. E resumindo- -se os seus haveres a uma casa avaliada em 30 mil réis, já em Outubro de 1709, lhe era confiada uma verba de 456 794 réis para levar a Coimbra e entregar ao tesoureiro geral do fisco daquela inquisição.  Tanto quanto os documentos deixam ver, pelo trabalho desenvolvido, tanto nas levas de prisioneiros como de dinheiros, ele seria, certamente um dos mais destacados agentes da inquisição em Bragança no primeiro quartel do século XVIII, sendo nomeado “tesoureiro geral do fisco” na área da comarca. Antes de prosseguirmos, diga-se que as contas de António Madureira aparecem clara e extremamente bem escrituradas no livro competente, permitindo acompanhar a execução de meia centena de sequestros. Por vezes, passava uma dezena e mais de anos em que, “como depositário e não como tesoureiro”, Madureira conservava o dinheiro dos sequestros “até no juízo do fisco se determinar os embargos com que vieram as pessoas às suas execuções, mostrando que não eram devedoras e sem decisão dos tais embargos não levasse o tal dinheiro a Coimbra, sem serem por inteiro decididos os embargos”. Ocasionalmente surgiam dúvidas porque os bens da família eram comuns, não se sabendo quais pertenciam ao réu para serem vendidos. Foi o caso do inventário de Henrique Novais da Costa e sua mulher, aquele preso em 1711 e esta em 1715, em que, quando ele foi preso, se “não vendeu nada, por haver dúvida nos bens que se havia de vender toda ou se a sexta parte, que está confiscada, que é uma casa e uma vinha que está perdida”. Mais elucidativo foi o caso do inventário e sequestro de bens de Luísa Nunes, a mãe do advogado Dr. António Pissarro, presa em 1717, em que os bens foram à praça e arrematados pelo marido da ré, Pedro Rodrigues Álvares por 80 500 réis. Antes, porém, já ele tinha adiantado 60 000 réis para alimentos na cadeia, no cumprimento do mandado de prisão. E adiantara mais 4 944 réis para pagar as custas do inventário. Por isso, depois de arrematar os bens leiloados, ele recusou-se a entregar dinheiro algum. Veja-se a justificação: - Como ele tinha metade em todos os bens, por estar casado com a dita sua mulher, fez a dita arrematação, na dita quantia, com tal condição de não ser obrigado ao tal pagamento porque desde logo também desistia do mais que lhe pertencia à sua meação, pois a mal, podia ir requerer a Coimbra.  Exemplar também, o leilão dos bens de Violante Pereira, irmã de Luísa Nunes, de que foram arrematados pelo marido, Bartolomeu Lopes Franco o qual ofereceu 61 000 réis pelos bens móveis e 70 000 pelos de raiz. No entanto, “não deu dinheiro algum, com pretexto que o não tinha e porque tinha ido no juízo superior requerer partilhas”. Acrescentou que tinham dívidas e que ele já dera 60 000 para alimentos e mais 5 107 das custas de fazer o inventário de sua mulher. Como este dinheiro devia ser abatido nas partilhas, então ele pagaria o que ficasse devendo, depois de feitas as contas. Para Coimbra, no entanto, foi remetido o livro- -razão, certamente para servir de apoio na inquirição dos inquisidores sobre o inventário da ré. No caso de Domingos Lopes Vinagre,  “não se vendeu nada por se ter dado para alimentos mais do que o valor dos bens” e no caso de Sebastião da Costa, o Chacla, tecelão de sedas e sua mulher, Catarina da Costa, “não se vendeu nada dele por não chegarem os bens aos gastos do santo ofício e esteve na cadeia até que os pagou”. E conhecemos também um caso, acontecido em Agrochão, Vinhais, em que os bens de Manuel de Almeida Castro foram a leilão e não houve quem mandasse nada por eles. Possivelmente os potenciais compradores retraíram-se, face ao peso social e poderio económico da família.  Voltemos a António Mendes Madureira, tesoureiro do fisco, que, em 9.3.1717, se apresentou em casa do escrivão Francisco Correia com uma certidão assinada pelo escrivão do fisco no distrito da inquisição de Coimbra, atestando que ali entregara 890 090 réis, “dos quais pertenciam aos bens confiscados a Manuel Lopes, pássaro gago, de alcunha, e se mandaram confiscar pela confiscação de seu filho, médico nesta cidade, 12 525 réis e o mais foi de dívidas que se cobraram do inventário dos confiscados Henrique Novais da Costa e sua mulher Catarina da Costa, da cidade de Bragança, o qual dinheiro todo se carregou em receita sobre o depositário do fisco geral, Gualter Ferreira da Costa…”  Como se vê uma parte do dinheiro fora cobrada em Mirandela, da mão de Manuel Lopes, mas respeitava ao sequestro de seu filho, o Dr. António Lopes Pereira, de 24 anos, preso pela inquisição em 1704 e falecido na cadeia no ano seguinte, casado em Bragança com Isabel Henriques, Raba, que foi presa em 1709.  Tinham passado mais de 10 anos sobre o sequestro dos bens do médico e que eram bem poucos, não chegando para pagar os alimentos, a fazer fé no inventário que ele ditou para o processo: Um caixão de pinho que valerá - 2 000 réis. Um espelho, que valerá - 2 000 rs Um bufete de nogueira - 2 000 rs Um braseiro ferro - 2 000 rs Uma arca de castanho - 2 000 rs Meia dúzia de cadeiras - 1 200 rs Um leito de castanho - 1 000 rs Um pichel de castanho - 1 200 rs A roupa de seu uso e mais que tinha, daria conta sua mulher.  Voltemos atrás, à entrega de 890 090 réis por António Madureira, provenientes dos sequestros do Pássaro Gago, de Mirandela e de Henrique de Novais, tratante e sua mulher, Catarina da Costa.  Na cobrança das dívidas desta última família andaram os caminheiros Manuel Fernandes e Manuel Santos que entregaram nas mãos do depositário 974 030 réis, montante superior ao que este levou para Coimbra. O facto explica-se pelo que foi preciso pagar a diversos intervenientes na execução do sequestro, a começar pelos próprios caminheiros. Mas sobre estas despesas haveremos de falar em próximo texto. Por agora diremos que, para além do dinheiro recebido por Madureira destes dois sequestros, estão registados no Livro que vimos analisando mais 5 dezenas de inventários de bens executados e está registada uma outra entrega de dinheiro em Coimbra, no montante de um conto, 375 mil, 778 réis, pelo mesmo depositário/tesoureiro António Mendes Madureira. De referir que neste livro apenas se apresentam os nomes das pessoas e os dinheiros. Quando muito especifica-se o que renderam os bens móveis e os de raiz. Em uma ou outra ocasião fala- -se de uma vinha ou de “um quinto de uma casa”. Há, no entanto, um pormenor interessante referente ao sequestro dos bens de Maria do Couto, que encontrámos em um dos primeiros textos desse trabalho. Do seu inventário somente aparece registada a venda de “uma pouca de pedra” que rendeu 1 920 réis. É bom exemplo do empenho dos “olheiros” da inquisição nos bens dos presos. Outro pormenor que julgamos de algum interesse respeita ao inventário de Gabriel Henriques de Sá, tecelão que entregou ao tesoureiro Madureira “de um inoque  que se lhe não sabe o dono, só que era do fisco – 10 tostões”, ou seja 1 000 réis. Terminamos copiando o registo da entrada de uns dinheiros entregues ao depositário Madureira, a título de exemplo, registo feito pelo escrivão do fisco, Francisco Correia. Vejam: - Dos inventários de José Rodrigues Gabriel e sua mulher, Luísa Maria, entrando todos os móveis sequestrados dos dois inventários- 172 000 réis. E de raiz – 42 977 réis. Sem embargo de os arrematar em – 160 000 réis. E os rendimentos da fazenda era, enquanto à sua parte importa em – 9 250 réis. Que importa tudo em – 169 750 réis. E desta quantia se abateram 120 000 réis, de seus alimentos no santo ofício, de que deram conhecimentos em forma e bem assim se abateram mais – 6 783 réis – da “façam” dos ditos inventários.