Alojamento espera melhoria no Verão mas receia inconstância da pandemia

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Ter, 30/03/2021 - 11:25


Empresários do sector esperam que a ocupação venha a crescer nos próximos meses e que se mantenha a tendência do ano de 2020, em que o Interior passou a ser um destino de férias preferencial

No Verão passado, o Interior foi escolhido por muitos como destino de férias para poderem fugir aos aglomerados, ajudando a hotelaria da região a ter uma boa ocupação num ano muito difícil. Agora, que se começa a desconfinar, ainda que a conta gotas, vai ser possível começar a retomar a actividade, depois de a maior parte ter optado por encerrar mesmo as portas. É o caso do Hotel São Lázaro em Bragança que está fechado desde o dia 1 de Dezembro, tendo sido adiada sucessivamente a abertura. Pensaram reabrir a 20 de Abril, mas deverá ser adiada novamente para Junho, porque para já estão sem reservas. “No início do mês contactámos alguns clientes, confirmaram as reservas, mas passada uma semana começaram os cancelamentos em massa outra vez. Estamos sem reservas pelo menos até ao final de Agosto. Temos contactado agências e clientes, mas tem sido uma indecisão, algumas foram adiadas para Setembro”, conta Marcel Silveira, sócio gerente do hotel. Os 26 funcionários a tempo inteiro estão em lay-off, mas teve de dispensar os contratados a prazo. As medidas de desconfinamento podem sofrer alterações consoante a situação epidemiológica, o que dificulta a decisão dos turistas em comprometer-se com as reservas. “O turismo não vive só do hotel. Na primeira fase de confinamento tivemos o hotel aberto durante um mês, os clientes não tinham acesso ao restaurante, ao bar, às piscinas, ao ginásio, não podiam sair do quarto sem motivos urgentes e é complicado vender assim. Os clientes precisam que os restaurantes da cidade, cafés, lojas e museus estejam abertos, porque sem os atractivos as pessoas não viajam, nem para ficar dentro de um hotel trancado”, refere. A proibição de circular entre concelhos aos fins-de- -semana afasta muito as pessoas, nomeadamente os turistas, mas também os clientes corporate, de empresas, não têm viajado e o teletrabalho também retirou muitas pessoas que teriam normalmente necessidade de vir a Bragança. Com 272 quartos e capacidade para 600 pessoas, o hotel é o maior do distrito e um dos maiores do Norte, sendo essencial para a realização de muitos eventos. “Bragança precisa deste equipamento. Este ano não há eventos, mas sem o S. Lázaro não consegue ter volta a Portugal, festas da cidade, festival do butelo, nem conferências, qualquer evento com mais de 300 pessoas”, afirma. Para Marcel este é um dos motivos que lhe dá esperança no futuro e um dos factores que não o leva a ponderar a hipótese de fechar. “O cenário ser difícil, mas não é de destruição. A partir do momento que regressar a normalidade temos a certeza que Portugal é um destino seguro e Bragança é um destino de natureza, de gastronomia e temos esperança de voltar novamente à normalidade”, refere. Ainda assim admite que “tem sido complicado”, mas “a atitude e a esperança é de reabertura, porque houve um investimento brutal no hotel, de 6 milhões de euros, que é preciso recuperar, a ideia é sempre a de reabrir”.

Ocupação abaixo de anos anteriores, mas acima do esperado

Num ano normal o hotel tem perto de 40 mil pessoas, de todas as nacionalidades, ao passo que o ano passado passaram pelo hotel 18 mil pessoas, 50 por cento menos que o normal. O último Verão até foi até “muito acima das expectativas”, apesar de não ter compensado os meses de encerramento. “Fechámos em Abril e Maio de 2020 e reabriram em Junho. Os primeiros 15 dias foram assustadores, sem procura, mas depois foram aliviando as medidas. Foi abaixo do ano de 2019, com perdas de 50 por cento, mas na minha perspectiva foi o dobro do que estava à espera”, referiu Marcel. No ano passado foram mais os clientes nacionais a passar pelo hotel e a taxa média de dormida, que é de uma noite, subiu para duas ou três noites. Quanto às perspectivas para este Verão e para os próximos meses, a incerteza é o sentimento dominante para Marcel Silveira. “Não sei, sinceramente assusta-me um pouco o novo confinamento da Itália e de outros países, o encerramento das fronteiras de alguns países com Portugal, e isso afasta um pouco os nossos clientes porque trabalhamos muito com agências estrangeiras e com essa indefinição, sem saberem que podem vir, é difícil vender. Achava que nesta altura já estaria a começar a engrenar o novo ano e neste momento não consigo perceber se mesmo em Junho as coisas já estarão normalizadas”, sublinha. No entanto, mostra algum optimismo, pois acredita que mal as restrições de mobilidade sejam levantadas as “coisas vão voltar ao normal rapidamente”.

Investir em tempo de pandemia

Manuel Batista e a esposa abriram, em Julho de 2020, o alojamento de turismo rural Alformil, na aldeia de Formil, concelho de Bragança, em plena pandemia. “Foi uma altura complicada, porque era uma incógnita, não sabíamos o que iria acontecer”, afirma. Em relação ao que previam (esperavam que cerca de metade dos clientes chegassem de Espanha) receberam mais turistas nacionais. “80% das reservas que tivemos foram nacionais e apenas 20% estrangeiros”, sublinha, afirmando que foi “um Verão bom, para o primeiro ano de abertura. No mês de Agosto conseguimos 90% de taxa de ocupação, Setembro ainda foi um mês interessante e a partir de meados de Outubro caiu”. A partir desta altura decidiram fechar, até por precaução, já que o turismo rural se situa numa aldeia com população envelhecida. Desde que abriram tiveram assim apenas três meses de actividade. “Mas foi bom, para início de actividade, Alformil conseguiu ter um bom reconhecimento”, nomeadamente nas plataformas online. A actividade foi mantida apenas no projecto complementar, que é a enoteca, dedicada exclusivamente aos vinhos transmontanos. O acervo tem vindo a crescer já que começou com apenas 12 produtores e neste momento já são 21 e 120 referências de vinho das três sub-regiões de vinho transmontanas (Chaves, Valpaços e Planalto Mirandês). “Temos comercializado vinho on-line, através de email contactamos clientes que nos visitaram e outros, dando a conhecer o vinho transmontano. Aproveitamos alguns períodos festivos, Natal, passagem de ano, Carnaval, dia do pai, Páscoa, criamos alguns cabazes e conseguimos colocar este produto, que é um dos produtos bandeira de Trás-os-Montes, mas que tem pouco reconhecimento quer no mercado nacional quer fora de fronteiras”, sublinha. Os clientes não escolhem este alojamento devido ao vinho, mas acaba por ser um complemento. “As pessoas ficam admiradas com a quantidade e oferta de vinhos que acabam por conhecer, porque não sabiam da existência de tantos produtores e da qualidade deste produto”. A seu tempo, acredita que o vinho e a enoteca podem vir a ser um atractivo para que as pessoas escolham Alformil. “Estamos apostados em continuar a divulgar vinho transmontano, continuar com as parcerias com estes produtores e pretendemos inclusivamente ir um pouco além da comercialização dos vinhos, queremos dar a conhecer as vinhas, o projecto de cada um dos produtores, estabelecer parcerias, há quem procure conhecer a própria vindima, há projectos de enoturismo de alguns destes produtores”, aponta. As provas de vinhos podem vir a ser outra das iniciativas a atrair visitantes. Entretanto, já reabriram as reservas e acredita que depois da Páscoa espera começar a receber clientes. “Prevê-se que seja um ano bom, mas diferente do ano passado. Em 2020, não sabíamos bem em que é que estávamos inseridos. Acreditamos que, à imagem do ano passado, iremos receber bastantes turistas nacionais, maioritariamente, mas é todo um futuro desconhecido, vamos ver o que acontece na Páscoa”, afirma, dizendo que já tem reservas para Maio e Junho. O ano passado, muitos dos clientes que tiveram vieram de Lisboa e do mercado do sul do país que desconhecia o Nordeste Transmontano. “Pelas pessoas que recebemos, ficámos a saber que se criou de alguma forma vontade de procurar destinos mais calmos, um produto de natureza, turismo rural, com maior distanciamento social e mais segurança, acreditamos que este ano possa acontecer a mesma coisa, a maior procura será do mercado da região sul do país”, sustenta.

Ribeira House em Mirandela aposta em experiências

Também nesta altura dominada pela pandemia Cristina Gomes e o marido estão a investir no sector. O projecto de alojamento local Ribeira House, em Mirandela, já tinha sido pensado antes e iniciou-se em 2017, tendo sido concluído este ano e vai abrir no próximo mês. “Apesar de ser um ano de continuidade de Covid, acreditamos que será também um ano de oportunidades para o interior, pois reunimos condições para turismo em segurança, únicas. A baixa densidade populacional, alojamentos com poucos quartos, turismo de natureza e ao ar livre e opções de programas, são condições que irão permitir aos visitantes conhecer o interior do país que até agora era descurado em detrimento de grandes centros ou destinos de praia”, conta Cristina Gomes, que acredita que as viagens internas vão predominar e especificamente para o interior. “Temos áreas balneares, serra, natureza, muitas coisas que as pessoas podem visitar, as famílias podem passear e em segurança, podem deslocar-se de carro. Acreditamos ser a vantagem que podemos oferecer, o que nos vai marcar e elevar o interior para um mercado de turismo no futuro. Quando as pessoas conhecerem e começarem a vir, vão recomendar e teremos muito mais turistas”, afirma com algum optimismo. O Ribeira House destina- -se a quem viaja sozinho, a dois, em família ou em grupos, tendo disponível uma solução com áreas separadas para famílias maiores, em que os pais que viagem com os filhos podem ficar num quarto separado, mas na mesma área, em segurança.

Oferta de actividades turísticas

Uma das apostas deste alojamento é organizar programas para ter ao dispor dos clientes. “O hóspede pode escolher o que pode fazer quando está aqui. Queremos batalhar contra a ideia de que não há nada para fazer em Trás- -os-Montes ou em Mirandela. Há muito para fazer e vamos ter programas para uma ou duas pessoas ou para grupos e as pessoas terão a possibilidade de ser encaminhadas para actividades, locais a visitar, poderão ser acompanhados nesses programas. Queremos que a pessoa venha, descanse, conheça a região e viva experiências únicas, para que queiram voltar”, explica Cristina Gomes. Os programas serão sugeridos para irem ao encontro do que a pessoa pretende fazer. Algumas das sugestões podem passar por visitas à serra, a lagares de azeite, acompanhar a confecção de alheiras.

Montes do Azibo reabre em breve

Em Macedo de Cavaleiros, Eduarda Barroso abriu o turismo Montes do Azibo, em Podence, há sete anos. Diz que o último ano foi completamente atípico em termos de clientes e clientela. “Tive mais gente que o normal, foi o meu melhor Verão”, afirma, referindo que como habitual teve clientes nacionais. Encerrada desde Novembro, vai reabrir em breve e diz mesmo que a partir de Junho já tem bastantes reservas. Apesar de estar habituada à sazonalidade do negócio, nos últimos meses não teve algumas receitas importantes, nomeadamente no Carnaval e na Páscoa. “Temos de ser formigas e durante os meses que não temos trabalho temos de conseguir conciliar as receitas que fazemos no Verão. Este ano está um bocado pior, porque essas duas receitas não existiram, mas temos de perspectivar que isto vá melhorar novamente daqui para frente”, afirma. Eduarda, natural de Braga, que investiu na região, afirma que já fidelizou muitos clientes nos últimos anos, mas acredita que se houver renovação pode ser bom: “o que interessa é que venham”. Recebia normalmente hóspedes do Norte no Verão, de Coimbra e Lisboa no Carnaval e na Páscoa espanhóis. Em 2020, nas férias grandes, contrariamente à tendência, recebeu muitos visitantes do sul do país, até mesmo do Algarve. O atractivo principal deste turismo, com 10 bungalows, lugares de campismo e caravanismo, é a praia do Azibo para a qual tem uma vista privilegiada. “Com a pandemia, a tendência é procurar outro tipo de praias, como a fluvial, e não nas normais, com muita gente”, diz. A empresária da área turística acredita que a região poderia ser mais apelativa ao longo de todo o ano, defendendo que é necessária uma promoção turística conjunta das potencialidades por explorar e não apenas de alguns pontos turísticos e eventos pontuais. “Se os municípios conseguissem ter um entendimento e puxassem todos para o mesmo lado, e não cada um para si, isto tem realmente potencial, mas é um trabalho que terá de ser feito ao longo do tempo”, sublinha, considerando que é necessário dar esse passo para alavancar os investimentos feitos nos alojamentos turísticos e aumentar o tempo de estadia. O Hotel Ibis em Bragança encerrou no final de Fevereiro. Devido à situação pandémica, com as limitações à circulação e ao encerramento da restauração fizeram com que houvesse um decréscimo bastante elevado do número de pessoas que visitam a cidade, o que levou cadeia de hotéis a tomar a decisão. “Chegámos a um ponto em a situação pandémica não trazia pessoas a lado nenhum e foi a melhor solução para preservar os postos de trabalho”, afirma Gustavo Pinto, director do Ibis em Bragança. O ano passado optaram por não encerrar, até porque iam tendo funcionários do SEF que controlavam as fronteiras, nos meses de Março e Abril. Quanto ao último Verão “foi bom, tendo em conta o que vivemos no ano de 2020”, apesar de não ter sido excelente, mas houve quebra em relação aos anos anteriores. Da experiência que tem, reparou que “houve mais pessoas de Portugal a visitarem o interior, talvez para fugir às grandes cidades”. A unidade deverá reabrir em Junho ou em meados de Maio caso haja procura. Para este ano, não quer projectar cenários demasiado optimistas, porque pode haver mais restrições ao longo das próximas semanas, “mas se for igual ao do ano passado já não é mau”, apesar de nunca ser o suficiente para compensar as quebras que as unidades sofreram com os meses que estão encerrados ou com baixa ocupação. “Teríamos de facturar o triplo depois para poder ir buscar o dinheiro que não facturou”, afirma.

Jornalista: 
Olga Telo Cordeiro