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Criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, questão de justiça e de direito

O intenso abalo demográfico que atinge o Interior Norte de Portugal, está a conduzir-nos a uma situação de forte despovoamento, abandono de partes do território e ao aumento do empobrecimento. É necessário lembrar que Trás-os-Montes e Alto Douro, em pouco mais de meio século perdeu metade da população, representava 7,82% da população do país no ano de 1960 e que em 2021 representa 3,49%, apesar de representar cerca de 60% do território da Região Norte. Atualmente todos os concelhos desta sub-região perdem população, uma verdadeira ameaça ao seu futuro e do país. A rotura com algumas das políticas centralistas é essencial para inverter um ciclo vicioso, para reduzir as graves assimetrias territoriais, tanto no âmbito da região norte como do país. Serve esta breve introdução para regressar a uma das propostas que fiz no livro dos Congressos Transmontanos. O governo considera existirem algumas assimetrias na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a região mais rica de Portugal, e para as corrigir, decidiu garantir mais fundos europeus à parte menos desenvolvida, a Península de Setúbal. Para isso vai dividir a atual NUT II da AML em duas, criando a NUT II da Grande Lisboa na margem norte do rio Tejo e a NUT II da Península de Setúbal na margem sul. Fundamenta a decisão considerando que a Península de Setúbal tem perdido competitividade por estar distante do desenvolvimento da Grande Lisboa, tratando este território como uma realidade específica. Isso permitirá à Península de Setúbal ter um programa operacional regional próprio, com mais fundos da União Europeia e com taxas de cofinanciamento mais elevadas, ou seja, assegurar mais dinheiro de fundos da EU, e maior intensidade de financiamento do investimento. Note-se que o litoral, historicamente, através das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, absorve por via direta ou indireta a esmagadora maioria dos apoios, sejam da União Europeia ou do orçamento do Estado, dividindo ainda mais o país, acentuando as desigualdades sociais e territoriais. Se na Área Metropolitana de Lisboa, o governo regista assimetrias, o que dizer se a comparação se fizer, por exemplo, com o Interior Norte? A Área Metropolitana de Lisboa é a região mais rica de Portugal, tem um rendimento per capita quase 40% superior ao da Região Norte, agrava-se a situação se comparada com as NUT III de Terras de Trás-os-Montes, Douro, Alto Tâmega, que representam outra realidade dentro da região, e se encontram em rota de divergência com a média regional, com um PIB per capita muito inferior ao da Área Metropolitana do Porto, sendo que parte do pouco crescimento do Interior Norte é alcançado à custa da perda de população, não só pela economia. No Interior Norte, a produtividade é baixa, o rendimento das famílias é dos mais baixas do país, cerca de 40% inferior ao do distrito de Lisboa. O despovoamento e envelhecimento populacional tende a agravar a situação já por si um pouco dramática, destacando o despovoamento e abandono de muitas das aldeias, não fugindo a generalidade das Vilas, mesmo a que são sede de concelho, a esta dura realidade. Os governos nas últimas décadas têm lidado com os problemas do Interior com medidas pontuais e avulsas. Olhando algumas décadas atrás, vemos o ciclo dramático do Interior, com a perda de serviços do governo central, de infraestruturas como a ferrovia, de perda de voz no parlamento, nos partidos, no governo. As lideranças locais e associativas estão mais enfraquecidas. O centralismo tem vindo a esgotar a energia dos cidadãos, da economia, a enfraquecer as instituições e a cidadania. Os apoios da União Europeia são essenciais ao investimento nacional, vitais para o Interior esquecido. Não aceitando que se continue a concentrar apoios nas regiões de maior dinamismo na economia, no conhecimento e populacional, em particular em Lisboa e Porto, é necessário, é justo, que os fundos da coesão sejam partilhados, sirvam também e prioritariamente para corrigir assimetrias, gerar coesão social e territorial. Não pondo em causa a criação da NUT II Península de Setúbal, pretendo afirmar, ser de muito maior fundamento e justiça devida ao longo de séculos, que o governo crie a NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, dividindo a NUT II da Região Norte em duas, respetivamente: NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e NUT II Entre Douro e Minho, divisão territorial histórica que prevaleceu ao longo de séculos. A ideia é a de que, também na Região Norte, se tente corrigir as profundas assimetrias, evitando que as sub-regiões mais pobres sejam prejudicadas pelas mais ricas, em concreto no justo acesso aos apoios da União Europeia dirigidos à coesão regional. De na região de Trás-os-Montes e Alto Douro se poder construir e gerir um programa operacional regional próprio, com mais fundos da União Europeia, de executar os projetos correspondentes às prioridades de desenvolvimento de cada uma das sub-regiões, dos seus projetos estruturantes, capazes de fazer a mudança, apoiando a economia, o conhecimento, a qualificação dos recursos humanos, os serviços de proximidade, com metas e escrutínio dos resultados bem definidos, numa visão alinhada com as exigências de combate às alterações climáticas, a prioridade da humanidade e das sociedades com futuro, assente no bom e responsável governo das instituições . Falando-se agora da revisão da Constituição da República, é altura de: tratar a Interioridade em termos de conceito, como foi tratada a Insularidade; aumentar o número de deputados dos distritos do interior, assegurando representatividade populacional e territorial, reduzindo e transferindo lugares de deputados das Áreas Metropolitanas, bem como criar círculos de eleição uninominal; dividir a NUT II Norte nas NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e NUT II Entre Douro e Minho. Espero que, nesta oportunidade, o Interior não seja esquecido, que esta breve reflexão chegue ao Senhor Presidente da República, ao Senhor primeiro-ministro, líderes partidários e outros, nomeadamente os autarcas, e que decidam, não deixando para trás os que têm sido mais esquecidos ao longo de séculos, de forma mais evidente nas últimas décadas.

Gal Costa e…

Foi no alfacinha Porão da Nau/Convés que ouvi a voz quente, sensual, arrebatadora de Gal Costa. A partir daí procurei engordar a colecção de discos com as suas admiráveis criações das quais destaco Índia e a banda sonora da famosa telenovela Gabriela Cravo e Canela. Se a voz cálida, coleante, num fundo do tempo a escorrer entre os dedos, tal qual a areia escorre quando enterramos os pés nos areais finos das praias é perenidade para lá da finitude. A baiana musa maior do tropicalismo emparceirava com Caetano Veloso e a sua irmã Maria Betânia feia como os trovões a intonar no estilo da mexicana Chavela Vargas, contribuíram de modo decisivo para a mundialização da música brasileira sem esquecer, antes pelo contrário, a Bossa Nova, Nara Leão e a portuguesa de nascença Carmem Miranda. Ainda adolescente, comecei a trautear canções de cantores brasileiros muito em voga no defunto Rádio Clube Português, a par da oficiosa Emissora Nacional que as difundiam e eu ouvia vibrando das tabernas quando passava nas ruas tal como escutava as notas altissonantes do Pardal sem Rabo a comandar o Terço de corneteiros do Batalhão de Caçadores Nº 3. Cantores do outro lado do Atlântico, as apresentavam nas verbenas estivais, principalmente durante as Festas da cidade no mês de Agosto. Lembro-me do Odir Odilon, da Mara Abrantes a qual ficou e morreu em Portugal. Já de Luís Gonzaga (onde estás coração?) e Caubi Peixoto restam-me fiapos de êxitos seus. A Gal Costa manteve a voz entonação/intonação sem quebras a cimentar a sua aura de cantora até ao fim abrupto dos seus 77 anos, não se sabendo quais foram as causas do desaparecimento do nosso convívio. Resta-me reunir os seus discos em vinil e compactos, escutá-los repetidamente aumentando a saudade como tenho do Marânus (Teixeira de Pascoaes), Montesinho e Nogueira berças do meu orgulho de ser transmontano de raiz telúrica regada com água ribatejana.

Outras realidades

Vivemos constantemente ao som da música que nos querem dar, seja nas televisões ou em outras plataformas de informação. Chegamos a ser bombardeados diariamente com o desenrolar de uma só notícia, que sendo primordial, abafa inquestionavelmente todas as que deveriam ser veiculadas de igual forma e não são. É facto assumido. Desabafamos frequentemente que as notícias são sempre as mesmas ou que só dão notícias tristes e muito negativas e que as coisas boas ninguém as chama a terreiro. Também é verdade, mas porque será? O que interessa é informar e de preferência o que mais pode chamar a atenção das pessoas. O tema quanto mais horrível, mais sugestionável e mais impressiona os ouvintes ou leitores. Curioso é uma notícia boa não interessar tanto à opinião pública. Mas mesmo dentro das notícias más, há as que são menos más e por isso passam para um segundo plano ou porque não interessa que se saiba ou porque iam desviar a atenção das que são efetivamente chamativas e vendem. No fundo o que interessa é vender. Triste, é que se tenha de vender o que é mau. E há quem compre, aliás compramos todos. Há quase nove meses que não se fala senão na guerra da Ucrânia e nas patifarias que Putin tem feito a que ele chama danos colaterais da guerra. Hipócrita. Não que os ucranianos também não façam das suas, mas têm de se defender. Enquanto a guerra durar, as outras notícias passam para segundo plano, a não ser que entretanto surjam outras dignas de primeira página. Pois foi isso que aconteceu com o Mundial de Futebol. Todo o mundo foi chamado a participar e o coração das seleções bateu mais forte. Deixou de haver guerra? Não. Mas passou para um plano inferior embora continuem a ser divulgadas as peripécias diárias que por lá se vivem. Portugal viveu numa ansiedade terrível até ao dia da estreia. Elogiou-se a seleção e o plantel e aventou-se a hipótese de sonhar, não se sabe bem o quê, se em passar à próxima fase, se chegar aos quartos ou até à final. O que interessa é sonhar. E enquanto sonhamos, o mundo avança em toda a sua plenitude. E as outras seleções igualmente. Durante a espera verificaram-se algumas surpresas neste campeonato. Seleções aparentemente fracas, ganharam às mais fortes e todos abriram a boca de espanto. A Laranja Mecânica empatou com a do Equador, a Argentina perdeu com a Arábia Saudita e até a seleção do Irão de Carlos Queirós ganhou à do País de Gales. Portugal, confiante e com todo o apoio possível, entrou em campo com a confiança de que o Gana era fácil e que ganhar era verdadeiramente o que interessava. Se olharmos para os últimos campeonatos, nunca entrámos a ganhar e andamos sempre a contar com os erros dos outros, ou seja, andámos sempre com as calças na mão. Desta vez a confiança era maior, mas nem por isso jogaram melhor. Tiveram sorte e não se diga o contrário. O penálti de Ronaldo foi forçado, mas ajudou a subir um pouco a confiança que estava a ficar em baixo. Enfim, o segundo golo veio melhorar tudo e o terceiro era quase a certeza de que tudo estava resolvido. Mentira. O descuido de Diogo Costa ia custando caro à seleção. Terminámos aflitos. De um momento ao outro tudo ia mudando, e a realidade do jogo ia sendo completamente diferente e lá íamos nós para o rol dos aflitos novamente. De tudo o que se falou e disse sobre a nossa seleção e o plantel extraordinário que temos, ia engasgando as gargantas nacionais e causando ataques cardíacos a muita gente. Até ao fim, ainda temos um longo caminho a percorrer. Acreditemos na seleção, mas deixemos de elogiar muito os craques pois eles falham como todos os outros. Ronaldo não falhou. Mas atentemos na hipótese de isso ter acontecido. Todo o mundo o trucidava e o treinador do Manchester bateria palmas de contente e diria que tinha toda a razão. Claro. Enganou-se, felizmente. Pois e cá estamos nós a tentar esquecer as outras notícias que poderiam ser mais importantes. Nada disso. A discussão e votação do Orçamento de Estado passou para segundo plano, até porque a maioria sempre o aprovaria, e as propostas dos outros partidos só algumas foram aprovadas porque nada traziam de alteração às previsões do Governo. Era mais um jeito do que outra coisa. Coisas vulgares, diriam uns, moedas de troca diriam outros. Enfim. À opinião pública pouco interessava porque já se sabia o resultado. Era uma notícia menor. E a guerra da Ucrânia? Bom, essa não acabou nem Putin deixou de bombardear e matar as pessoas onde as bombas caíam. Se a Rússia estivesse no campeonato do Mundo, talvez a história se escrevesse de outra for- ma, mas não está, tal como a Ucrânia. É pena, porque se assim fosse, haveria certamente outro tipo de notícias e de realidades.

Uma carta!

Há trinta anos, não tinha endereço email, nem caixa do correio tampouco, nem computador; tinha uma morada onde podia receber cartas. Para escrever uma carta, pegava numa folha que comprara numa livraria, às vezes folhas de diferentes cores, com a minha parker oferecida num aniversário, e que carregava com tinta preta ou azul, mais tarde com as recargas pelikan que são estandardizadas. Seguidamente escrevia, querido tio, estimado amigo, queridos pais, estimado vizinho … Era preciso um certo tempo para escrever uma carta. Não era uma obra, era menos do que isso e era mais do que isso, porque colocava no papel algo de sentimental, num gesto ao mesmo tempo íntimo e universal, importante ou superficial, fosse ela curta ou longa. Através duma mensagem, contava uma história. Por vezes apagava, por vezes reescrevia a fim de melhorar um pouco o estilo, tornar o pensamento mais preciso, formular de forma mais concisa. E também para evitar demasiadas rasuras, rasgava e recomeçava. Depois pegava num envelope, colocava a morada, colava um selo que havia tido o cuidado de comprar antes. E levava- -a aos correios, a uma caixa de correio onde estava inscrita a última hora de levantamento, ou a um marco no exterior. A carta partia, chegava, mais ou menos depressa, para um país estrangeiro, podia levar algumas semanas. Ah. no seminário, em Cucujães, tínhamos todos um amigo virtual em Moçambique ou Angola com quem corrrespondíamos, o meu correspondente tinha uma caligrafia perfeita e invejável. Talvez por essa razão ainda tenha hoje uma pequena paixão pela caligrafia. Não sabíamos quando é que o destinatário a recebia. O processo completo (compra, escrita, envio) levava algumas horas. Nessas cartas, falava da minha vida, dava notícias, talvez banais, também as solicitava, falava dos meus sentimentos, era capaz de descrever as minhas atividades dum dia completo, quando os dias ainda eram longos, contar tudo o que fazia. Escrevia a amigos que tinham emigrado, a alguns que se mantinham na aldeia. Escrevia ao meu pai em França, à família ou timidamente a alguma rapariga que me despertava interesse. E lembro-me da alegria de receber uma carta, quando ela é assim bem pesada, inchada dentro do envelope e onde há leitura. A excitação no momento de a abrir, sem a rasgar, e lê-la, e relê-la, dobrá-la, desdobrá- -la, guardá-la, olhar para ela ou queimá-la. Algumas cartas dizem o amor. É um prazer lê- -las e relê-las. Há este tipo de cartas que só se recebe uma vez na vida. Há-as que são sinceras, apaixonadas e sedutoras. Outras recheadas de repreensões e azedume. Outras ainda, anunciadoras de algo novo. Há- -as visionárias e algo loucas. Há aquelas que nos derretem. Através duma carta, duas pessoas singularizam-se numa forma de introspeção, para manter uma relação, para se manter em contacto, para dizer que pensam uma na outra, que precisam uma da outra, e esta ausência materializa-se pela carta. Quantas cartas eram lidas às esposas dos emigrantes, quantos casamentos aconteciam a partir dessa correspondência epistolar. Isto é muito forte. O papel estala, e ao abri-la, é como se se espreguiçasse, feliz pela felicidade de ser desdobrada. Alguns anos mais tarde, quando as relemos continuamos intrigados, surpreendidos e emocionados. O papel, espesso, resistiu, a escrita da caneta permanente com as letras bem ligadas e um pouco inclinadas mantem-se legível; denunciam o tempo que passa, a tinta que se apaga, as letras rodadas soltas e desvanecidas. Adivinham- -se certas palavras que se vão tornando quase invisíveis e se tornarão pouco a pouco uma espécie de palimpsesto só meu. Acaricio o papel já algo amarelado, vejo-o de forma transparente, cheiro-o, respiro-o, e é toda uma vida que regressa; à imagem da madalena de Proust. Uma carta é verdadeira, é autêntica, é real. Agora, a minha caneta dorme no seu estojo, e espera que lhe pegue e a acaricie novamente. Mas, para quê enviar cartas? Nem sei já muito bem o que contava nelas: passo bocados a responder aos emails. Não tenho muito tempo, nem vontade de escrever uma carta, não sei a quem escrever, não tenho força para ir buscar um selo, um envelope, nem ficar na fila nos correios. Até estes se fazem raros e distantes. Para quê sair à rua para enviar a minha missiva, quando posso escrever um email, e num pequeno clique enviar a mensagem para outro endereço email, instantaneamente? Hoje, não vou escrever nenhuma carta, contudo, gostaria tanto de as receber.