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Vendavais - Ping-pong político latino-americano e europeu

Passaram quase duas décadas desde que a esquerda avançou e tomou o poder na América Latina com a promessa de uma nova política para um novo século. A chamada "maré rosa" - por ser mais moderada do que os vermelhos comunistas revolucionários da Guerra Fria - alcançou 15 países, a começar pela Venezuela, com a eleição do falecido Hugo Chávez, em 1998.
Mas foi o Brasil que verdadeiramente tingiu de vermelho o contingente, com o carismático e popular Lula da Silva e Dilma Rousseff, quando o PT chegou ao poder em 2010.
Lula - um metalúrgico e ex-líder sindical - e Dilma - uma ex-guerrilheira que foi presa e torturada durante o regime militar (1964-1985) - mudaram e revitalizaram a imagem da velha esquerda latino-americana e o seu modelo foi admirado em muitos países.
Através de uma aplicação de políticas ortodoxas e harmoniosas ao mercado com programas sociais revolucionários, Lula sonhou com um Brasil de classe média impulsionado pelo consumo. Teve a sorte de chegar ao poder com o 'boom' dos mercados emergentes nos anos 2000, quando a procura voraz da China impulsionou os preços das matérias-primas, diminuindo a dependência do crédito externo. Este sonho, no entanto, foi frustrado.
Quando passou o poder a Dilma após dois mandatos, o Brasil registava um crescimento de 7,5% e mais de 40 milhões de brasileiros tinham saído da pobreza.
Em toda a América Latina, mais de 75 milhões de pobres superaram, numa década, o limiar da pobreza. Gerou-se a sensação de que a América Latina estava finalmente a emergir.
Mas tudo desmoronou, não só para o Brasil, como para toda a região, que vive agora o seu segundo ano de recessão. Obviamente a dependência das matérias-primas é maior do que alguns pensavam.
Mas o certo é que as más notícias foram-se acumulando para a esquerda latino-americana.
Na Venezuela, a oposição obteve maioria parlamentar nas eleições legislativas de dezembro. Rico em petróleo, o país está à beira do colapso económico.
Na Bolívia, o líder indígena Evo Morales perdeu em fevereiro uma consulta sobre a possibilidade de se candidatar a um quarto mandato na Presidência, enquanto no Equador, o economista de esquerda Rafael Correa desistiu da ideia de um terceiro mandato perante sondagens nada favoráveis.
A maior parte destes governos afirmaram-se porque deram ênfase à redistribuição, mas faltou-lhes fomentar a criação de riqueza e o investimento. Se não se produz, não se pode repartir.
Além disso, uma série de escândalos de corrupção alimentaram o mal-estar da população.
A saída do poder do PT de Lula e agora a destituição de Dilma mudam definitivamente os ventos na região. Alguns dos seus seguidores consideram que o Partido dos Trabalhadores ficou muito rosa, coligando-se a partidos que só queriam acesso aos fundos públicos para benefício próprio. O PT foi isolando lentamente as suas bases, interrompeu a formação de novos líderes, e foi-se aliando a partidos de centro e direita para garantir a governabilidade.
Se a chegada ao século XXI foi um novo começo para a esquerda - após um século XX que a condenou à marginalização com golpes de Estado, a América Latina pode estar agora a viver o surgimento de uma nova direita, mais pragmática, comprometida com a democracia e com uma agenda social muito diferente do habitual.
A boa notícia para a esquerda, é que a direita nunca provou ser muito melhor na gestão das crises económicas. No entanto, não nos podemos esquecer que os partidos de centro-direita e de direita que estão a beneficiar do colapso da esquerda em toda a América Latina sofreram, eles mesmos, um colapso semelhante há uma década.
Do outro lado da mesa política, está a Europa, onde se está a manifestar um jogo político idêntico. A democracia afirma-se com uma esquerda cada vez mais titubeante e com partidos de centro-direita a percorrerem o caminho que há décadas já percorreram. No meio estão os Estados Unidos que teve impacto mundial com uma ligeira viragem política e com sorrisos de boa convivência mas que está a esgotar os seus trunfos, agora ameaçados por um lunático que a todos ameaça, inclusive a América Latina e a Europa. E é nesta Europa que se vai jogar o grande jogo de ping-pong. Numa mesa nada plana e onde a rede central está muito mal esticada, é natural que a bola política não faça o seu percurso normal em todas as jogadas. A Espanha não tem governo e está à beira das terceiras eleições, por teimosia de partido socialista que quer governar sem ter ganho as eleições, tal como sucedeu em Portugal; a França onde o regresso de Sarkozy é uma hipótese e onde Marie Le Pen avança de espada em riste; uma Inglaterra que se afasta da União por interesses ancestrais e é governada por quem até defendia a manutenção e ainda uma Turquia que, não querendo mais do que ajudas externas da Europa, não quer deixar de ser o que sempre foi, criando problemas internacionais gravíssimos.
Com um cenário destes, não sei como acabará o jogo, mas que não está fácil, não está certamente.

Que é que faz correr Assunção Cristas ?

Antiga Ministra, surge agora na pele de líder partidário com um dinamismo invejável. Seja o deslumbramento que o novo cargo lhe empresta seja a falta de autoconfiança, o que é um facto é que algo a faz apresentar propostas políticas em catadupa. E dessa exuberância legislativa destaquemos apenas duas propostas: uma prende-se com a baixa taxa de natalidade em Portugal e outra com a proteção aos idosos. A razão do destaque é que estas duas propostas geram largo consenso, são politicamente corretas, não tem ninguém contra e, por isso, causa estupefação que sendo assim, tão bem aceites, só agora a Dra Cristas tenha sido tocada por esses constrangimentos sociais. Claro que não é assim. A Dra Cristas conhece bem estas questões sociais e sabe ainda melhor o custo das política de intervenção nessas áreas. Daí que, durante quatro anos que esteve no Governo e apesar de contar com apoios maioritários na Assembleia, nunca aflorou a mínima preocupação com essas matérias. Achou agora chegada a hora de jogar o desconforto de muitos como trunfo político seguindo o raciocínio: ou PS e seus apoiantes votam contra e são acusados de insensibilidade social ou votam a favor e tem um embaraço orçamental. Resumindo: substantivamente as propostas não têm nada de inovador e politicamente … bem, politicamente, Maquiavel não faria melhor.
No que toca à taxa de natalidade e mesmo pondo de parte o oportunismo político, até a simples oportunidade do tema, vindo de quem vem, não me parece ter escolhido os melhores dias. Se é verdade que temos uma relação de 1,4 filhos por mulher, muito longe dos 2,1 necessários à reposição do efectivo, também é verdade que o ano passado, e depois de muitos anos, o número de nascimentos aumentou. E este ano parece ir pelo mesmo caminho. Convinha esperar para ver.
Por outro, a Dra Cristas foi ministra de um governo que pulverizou todos os recordes conhecidos no tocante ao desemprego. Para quê, então, fomentar a natalidade? Para quê sermos mais? Para aumentar ainda mais o desemprego?
Mas não é, só, por estas razões circunstanciais que estou contra a abordagem do tema mas mais pela própria abordagem. Só o facto de pensar que a oferta de umas regalias pecuniárias levam a alterar o conceito que temos do enquadramento familiar parece-me uma abordagem péssima. Uma coisa é ver essas benesses como avanços civilizacionais outra é vê-los como prémio à procriação. Ver num filho um projecto de vida ou vê-lo como um expediente para ganhar uns tostões é uma dicotomia pouco menos que nojenta. Tratar a Demografia, fenómeno sociológico de múltiplas variáveis, muitas delas desconhecidas, como se se tratasse de reacções mundanas sensíveis ao marketing promocional para sexo produtivo é coisa que me parece quase obscena.
Demografia, disciplina da Geografia Humana que estuda as dinâmicas populacionais em várias vertentes, foi, possivelmente, abordada pela 1ª vez por Thomas Malthus, economista do inicio do Século XIX. E foi-o por motivos opostos aos da Dra Cristas. Malthus tinha pavor à sobrepopulação. Isso levou-o a criar uma conjectura que resumo assim: se a quantidade de alimentos crescer em progressão aritmética e a população crescer em progressão geométrica um dia haverá colapso no abastecimento (como é sabido, os termos de uma progressão geométrica crescem muito mais rapidamente que os da progressão aritmética). Daí que tenha proposto uma série de medidas que iam desde a abstinência sexual até à penalização por filhos fora do casamento ou pelo n.º de filhos acima do razoável (?). Isto aliado às guerras, epidemias e catástrofes que, candidamente, dizia serem uma bênção do Céu para conter o avanço populacional (curiosamente também ele era contra o aborto). O tempo encarregou-se de reprovar a conjectura mas antes disso já a sociedade Inglesa tinha rejeitado liminarmente esta tentativa de controle. Também na China foi um fiasco a limitação a um filho por casal, apesar das sansões. Em contrapartida, depois de uma guerra verifica-se, sempre, uma explosão de nascimentos (baby boom) dispensando qualquer incentivo (há um filme que relata a vida de um cowboy que se apaixona por uma Índia e vai viver com ela para a sua tribo. Esta tribo envolve-se em guerra com uma tribo vizinha e sai dela fortemente castigada com a morte de muitos guerreiros. Passados uns meses e com o pó da guerra já assente, a Índia pergunta ao marido, o cowboy, se não se importa de fazer sexo com as amigas pois os maridos delas tinham morrido na guerra. ( desconcertante, não ?)). E também as filhas de Ló, depois de fugirem de Sodoma com o pai deixando lá a mãe em estátua de sal, embriagaram o pai e fizeram sexo com ele por pensarem serem as únicas no mundo. É isto o pulsar criativo que se prende com a defesa e manutenção da espécie cujas razões, muitas vezes, a razão desconhece e que não é manipulável excepto pela “mão que governa o Mundo”. Senão como explicar que em Portugal há menos de 50 anos em condições péssimas as famílias serem numerosas (taxa de natalidade de 20 por mil) e hoje com todas as condições melhoradas haja tão poucos nascimentos (8,3 por mil). Ou então o facto de países altamente desenvolvidos como o Japão e a Alemanha terem os mais baixas taxas de natalidade (menos de 8,2 por mil) e países como o Afeganistão tenha 40 por mil ou o Niger 100. Claro que, nestes 2 últimos, há as doenças, a mortalidade infantil e a guerra. E estas são as grandes condicionantes
É verdade que esta diminuição tão grande na natalidade provocou alterações na orgânica do País. Além dos constrangimentos provocados em sectores socio-profissionais, designadamente nos professores, acarretou a desertificação do meio rural. As aldeias, com a perda da Escola, única instituição que tinham depois de desaparecer o Padre, passaram a ser um grupo de poucas pessoas. Mas isto só pode surpreender os que não viram o que aconteceu em toda a Europa. Porque Portugal foi o último País da Europa onde isso aconteceu. E neste quadro pareceria fazer sentido a proposta da Dra. Cristas se a origem desta questão estivesse em causas Nacionais. Mas não, as causas são gerais. Repare-se que não há nenhum país Europeu que tenha uma taxa de fertilidade de 2,1 nascimentos por mulher apesar desta taxa ser ,só, de manutenção do efectivo. E todos os países desenvolvidos do Mundo seguem este figurino. Além disso, se, inexplicavelmente, a proposta tivesse sucesso, o ganho populacional nunca reverteria a favor das aldeias. , Para a aldeia nunca mais, é um pensamento por todos interiorizado. Sendo assim para quê sermos mais? Os políticos devem preocupar-se não com a quantidade de governados mas sim com a sua qualidade de vida: condições de trabalho, condições de vida, acesso às coisas básicas e também àquelas que são o “sal da terra”. Começar a pensar menos em Produto Interno Bruto e mais em Felicidade Interna Bruta.
Natalidade!? Querendo, acontece sem querer.

Por Manuel Vaz Pires

“Politiquíadas” lusitanas.

Esta crónica não pretende ser cómica, nem ridícula, ainda que possa ser de rir ou de chorar conforme o leitor melhor entender.
Os nossos governantes têm demonstrado a rara competência de sempre qualificarem Portugal nos últimos lugares em tudo que é escala económica, social, cultural, e mesmo desportiva.
Este mérito, porém, não deve ser apenas assacado ao actual primeiro-ministro, já que o fenómeno se arrasta há décadas.
De facto, sempre que os mais credíveis organismos internacionais, sobretudo dentro da União Europeia, elaboram as listas dos países mais pobres e endividados, dos que possuem maior défice ou maior taxa de analfabetismo, etcétera, Portugal surge, por regra, no topo da tabela, em disputa cerrada com países do chamado “terceiro mundo”.
Não é de estranhar, portanto, que o frustrante desempenho dos atletas portugueses nos últimos jogos olímpicos se tenha saldado por uma única medalha, de cobre, quando se almejavam muitas mais, e de oiro, até.
Não são justas, todavia, com as críticas disparatadas que foram feitas aos nossos atletas, por mais significativo que tenha sido o investimento realizado pelo Estado e por mais avantajados que sejam os subsídios atribuídos. O problema não é de agora nem dos atletas. É antigo, estrutural, político e cultural.
Os nossos olímpicos são rapazes e raparigas que se dedicam às modalidades de corpo e alma, que treinam arduamente dia a dia, e que só ganham o privilégio de representar Portugal se cumprirem os “mínimos olímpicos” estabelecidos.
Durante anos a fio o Estado esbanjou dinheiro com os clubes de futebol, que foram sustentados pelos governos e câmaras municipais sem lei nem regra, embora não seja o futebol, por mais adeptos que mobilize aos fins-de-semana, que dá o toque da sanidade, do desportivismo e do talento atlético do nosso povo. Contrariamente as modalidades ditas amadoras têm sobrevivido graças ao talento e à carolice dos seus praticantes.
Sabemos bem que o desporto escolar é um fracasso, e que do desporto universitário em particular nem se fala. Os futebolistas Luís Figo, Cristiano Ronaldo ou mesmo Éder nada dizem da vocação desportiva dos portugueses. Carlos Lopes, Rosa Mota ou Aurora Cunha esses sim são a verdadeira alma do povo.
A mensagem com que o primeiro-ministro felicitou os atletas que actuaram nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro dizendo que “todos subiram ao pódio de Portugal”, não é, portanto, assim tão tola e ridícula quanto se disse.
Deverá ter-se em conta, todavia, que os nossos políticos são atletas de olimpíadas diferentes. Disputam as suas próprias “politiquíadas” que reúnem modalidades bem interessantes e criativas, como sejam assalto a bancos, partir pedra, rachar lenha, tiro aos patos, sacudir a água do capote, ou mugir a vaca dos impostos. O presidente da República, por exemplo, é medalha de oiro no lançamento do “marcelo”, o primeiro-ministro medalha de prata no triplo assalto ao poder e o líder da oposição medalha de cobre em cantigas ao desafio. Já o secretário-geral do PCP sobe ao pódio na modalidade de serrar presunto, a coordenadora do Bloco de Esquerda em “karaoke” e danças de salão e a presidente do CDS em jogos de capoeira.
O leitor melhor fará a sua própria seleção dos políticos mais aptos a subir ao “pódio de Portugal” nas diferentes modalidades
Sendo certo que o povo português é campeão olímpico da paciência e do humor.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

O Regresso às aulas

O Agosto destemperado já passou. Dos abraços das chegadas e das partidas ficaram as saudades e a promessa de voltar em brave. A cidade serenou sem estranheza como quem repete o fadário doloroso da ausência de pessoas, do abandono das aldeias, desta morte anunciada de silêncios e ruas desertas.
Os estudantes regressam sempre por setembro e a cidade rejuvenesce timidamente, o comércio anima um pouco, e algumas ruas e locais ganham vida.
Os agrupamentos de escolas vão-nos dando a ilusão que há muitos alunos, quando na verdade são poucos, fazendo o somatório de todas as escolas do 1º Ciclo que fecharam. No distrito de Bragança mais de 240 escolas não resistiram à precaridade de alunos. Muitas delas sucumbiram com a dramática realidade de um, ou dois alunos e o professor constituírem a comunidade escolar.
Fecharam as escolas, “mataram” as aldeias. Dizem alguns. Mais foi precisamente ao contrário. “Mataram” as aldeias e fecharam as escolas. O problema da desertificação mantem-se incontrolável. Embora de vez em quando o poder central dê um ar de graça com a reabertura de mais um serviço, a inauguração duma infraestrutura, a vinda dum governante que a propaganda divulga até à exaustão. Mas a política do “fontanário” não chega. É preciso um plano de descentralização dos serviços, uma verdadeira vontade social e política de dinamizar fenómenos e estratégias que incentivem a frágil económica da região.
No ensino secundário a cidade continua galhardamente a exibir três estabelecimentos de ensino, na doce ilusão de haver alunos, conhecimento, progresso. A soma de alunos das três escolas secundárias não chega ao número que o Liceu Nacional de Bragança, ou Escola Secundária Emídio Garcia, já teve numa data recente. Mas o tempo e a implacável contagem dos 4500 alunos que existem no 1º Ciclo, em todo o distrito, vai-nos confrontar com uma realidade que idilicamente tentamos esconder.
Felizmente o Instituto Politécnico continua a atrair estudantes, fruto de programas e protocolos nacionais e internacionais. A cidade está a tornar-se cosmopolita. Desejamos, que esse número avantajado de alunos traga consigo emprego e desenvolvimento sustentado, numa dinâmica de colaboração técnica e científica com as empresas e com os cidadãos.
Na verdade perdeu-se o sentir romântico dos estudantes de Bragança. Há muito que Bragança deixou de ser “Coimbra em miniatura”, no dizer de Santa Rita Xisto. Há muito que se perdeu a galhardia dos alunos do 5º, ou 7º ano do Liceu que de capa e batina ombreavam com os estudantes universitários de Coimbra. Mas nesse tempo, ser estudante do Liceu, ou da Escola Industrial era sinónimo de mobilidade social e de emprego garantido como prémio dum estudo aturado durante cinco, ou sete anos.
Dolorosamente as nossas escolas estão a formar para o desemprego, para a desmotivação, para um caminho sem futuro, salvo raras e honrosas exceções.
O professor perdeu a autoridade perante a enormidade de alunos por turma que não veem um sinal de esperança no final do percurso escolar. A família, em muitos casos, também não está a ajudar, protegendo até ao infinito os filhos, em detrimento do estatuto do professor. Enquanto a família e a escola não fizerem as “pazes” não haverá educação.
Parece que ainda estamos a ouvir Trindade Coelho contar quando a velha criada Helena o entregou ao austero professor primário:  “Muito bons-dias. Lá de casa mandam dizer que aqui está a encomendinha. Oh! Oh! A encomendinha era eu, que ia pela primeira vez à escola. Ali estava a encomendinha! – Está bem, que fica entregue.”
Não queremos encomendinhas nas nossas escolas, mas também não queremos filhos que não respeitam a autoridade democrática do professor e confundem liberdade com libertinagem a coberto de alguns pais que estranhamente entendem que os seus filhos só têm direitos e não têm deveres. Educar para a cidadania só é possível se a escola e a família colaborarem na função maior de educar no presente para garantir um futuro harmonioso e civilizado dentro dos princípios democráticos em que todos temos direitos, mas também temos deveres.

Andar a ver estrelas

Ora boas tardes, como estão, que não vos faltem sombras frescas para melhor fruírem das tardes de verão. E esses dias e noites de festa, aldeias, vilas e cidades cheias de movimento, animação, comida, bom convívio. Uma alegria. Eu que estou numa terra sub-tropical, onde a humidade anda meses a fio acima dos 80, muitas vezes nos 97, 98%, e o calor se mistura com uma massa de ar húmido onde não há sombra que lhe faça frente. Sol ou sombra, o mesmo sufoco, só o ar condicionado para nos trazer redenção. A minha vida pela sombra bem fresca de uma árvore ou de um pátio de xisto. E se não for demais que venha acompanhada de uma manta onde me possa estirar para uma boa sesta. Mas atenção que também por aí estive. E desfrutei de tudo isso um pouco. Pouco tempo, mas preciosíssimo. Encontrar quem não se via há muito, ver como é que os castanheiros estão de ouriços, ir à lenha, até javali regado a vinho caseiro e concertinas com toda a aldeia sentada à mesa. Não tem preço. Mas o que mais guardo e do que mais sinto falta sabem do que é? Pois sim, do céu. Do céu trasmontano. De manhã à noite é de uma pessoa andar sempre de cabeça no ar. Esse céu de verão de um azul sempre vivo, com um fulgor laranja quase fogo ao amanhecer, com os vários tons roseados ao fim da tarde, é indescritível. E a estrela boieira ou do pastor a iniciar as hostes ainda antes do dia findar e depois todo aquele espectro de estrelas ali mesmo por cima de nós, as constelações todas definidas, desde as ursas à cassiopeia… É deslumbrante. E o luar, claro, a iluminar as noites. Não há luar como o de Janeiro mas o de Agosto dá-lhe pelo rosto. Enfim, desculpem a maçada, são coisas de quem só tem disso uma vez por ano, de outra forma, nem damos tanta importância a esses sublimes pormenores sob os quais vivemos todos os dias. Outra coisa de que gostei particularmente nesta época estival em que o tempo pede para isso foram as caminhadas. Ainda aqui há meses falava de serões e sedentarismo. Qual quê. No Verão acaba a janta, dá-se uma lavadela à loiça e é ver toda a gente a sair para caminhar. Juntam-se os grupos, às vezes por bairros, os que se despacham primeiro vão chamar os outros à porta, uns mais novos outros mais velhos e aí vão eles. Um dia seguem ladeira acima o outro dia mudam o percurso e vão costanilha abaixo, uns mais rápido em ritmo acelerado - uma espécie de profissionais da caminhada que levam os tempos e as distâncias muito a sério, são os que normalmente vão muito adiantados, depois param, viram-se para trás e dizem “Oh, eles andam sempre tão devagar”. Depois esperam um nadinha pelos outros mas ainda antes deles se juntarem “oupa” voltam a arrancar para diante. E os detrás mais pelo convívio, por norma mais velhos, com as pernas e as articulações mais pesadas e o passo mais demorado pelas conversas, a contarem uma história que se lhes passou na juventude a cada um dos locais por onde passam, com o casaquito pelas costas. Às vezes cruzam-se uns grupos com os outros em direcções opostas. Muito bom! Aproveitar enquanto não vem o frio e toda a gente se torna a fechar em casa. E apanhando esta onda das caminhadas têm-se organizado muita coisa, são voltas, percursos, desde passeios matinais com o pretexto de visitar montes e moinhos a rotas nocturnas a recriar os passos dos contrabandistas mas sem os fardos às costas nem os carabineiros à perna. Há os que disparam e só querem saber de chegar ao fim o mais ligeiro que conseguem e há os que vão apreciando o passeio e a companhia dos parceiros. Profissionais e amadores das caminhadas e dos caminhos. E tudo isto, por norma, a culminar num belo repasto no ponto de chegada e numa camioneta que traz todos de volta à casa de partida. Saúde, convívio, cultura… e barriga cheia. Que mais podem querer. Sim senhor, são iniciativas bonitas de se ver. Pessoalmente prefiro as da noite pela fresca, na desportiva, porque andar a ver estrelas, essas estrelas, é coisa que não tem igual. Um abraço!

NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS Francisco Henriques Nunes, o Raba (1686-10.06 – 1742-08-13)

Domingo, 13 de Dezembro de 1637, terá sido o dia mais agitado da história de Quintela de Lampaças. Nesse dia, na igreja, à hora da missa paroquial, foram ali presas e algemadas 14 pessoas, por guardas vindos de Bragança, sob as ordens do comissário do santo ofício, Lucas Freire de Andrade. Trazia ainda mais 6 mandatos de prisão, emanados da inquisição de Coimbra, mas os citados tinham fugido nos dias anteriores. Eram todos acusados de ter participado na celebração de uma missa judaica. (1)
Um dos prisioneiros chamava-se António Rodrigues, o Raba, de alcunha. Nascera em Bragança e tinha o ofício de sapateiro. Fora casar em Quintela de Lampaças, com Maria Pereira, também filha de um sapateiro, a qual foi levada para as masmorras de Coimbra, na mesma ocasião, contando 36 anos. Ali permaneceram quase um ano, saindo ambos condenados em confisco de bens, cárcere e hábito penitencial perpétuo.
Sapateiro era também o seu pai, Francisco Rodrigues, o primeiro que encontramos com a alcunha de Raba. Morava em Bragança e era casado com uma Florença de Carrião. Também ela sofreu nos cárceres da inquisição de Coimbra, saindo condenada nas mesmas penas.
E antes dela, ali penaram os pais de Florença: João Fernandes e Ana Furtado. Aquele havia já conhecido as celas da inquisição de Valladolid, onde foi preso em 1580. Ambos se foram apresentar espontaneamente na inquisição de Coimbra, naquele movimento de centenas de cristãos-novos brigantinos que, ao findar do século de 500, “entupiram” e quase paralisaram o mesmo tribunal, em consequência de uma vaga de prisões nunca antes vista e “que redundou na grande farsa dos falsários de Bragança”. (2) Depois de apresentada (em 17.10.1595) e registadas as suas declarações, Ana foi mandada para sua casa e nela veio a falecer em 11 de Abril de 1599. O processo, porém continuou e ela foi sentenciada no auto de fé de 6 de Maio de 1601.
Pelas mesmas horríveis celas passaram então 5 irmãos de Ana Furtado e um deles saiu no auto de fé com “hábito penitencial perpétuo, diferenciado com insígnias de fogo, sem remissão, carocha com rótulo de falsário na cabeça, açoitado publicamente e degredo para as galés”. Outro dos irmãos (Cristóvão da Paz Furtado) faleceu no cárcere. (3) E o mesmo aconteceu também ao pai de Ana, chamado Henrique Afonso cuja morte ocorreu em 3.4.1593, sendo a sua sentença lida no auto público da fé celebrado em 27 de Junho daquele ano, na forma seguinte:
- Excomunhão maior, confisco de bens, os seus ossos desenterrados e feitos em pó e cinza, relaxada a sua estátua à justiça secular.
Florença Carrião, mulher deste e mãe de Ana, também ali hospedada, suicidou-se em 18-07-1598. Os seus ossos foram também desenterrados, metidos em um caixão, levados ao auto da fé, juntamente com a sua “estátua” para serem queimados. Resulta assim que a história dos ascendentes da família Raba é um encadear de prisões e mortes nas cadeias da inquisição. Resta acrescentar que os patriarcas, os pais de Henrique Afonso terão sido batizados em pé recebendo os nomes cristãos de Pedro Afonso e Catarina Gonçalves.
Voltemos a Quintela de Lampaças. Já ali não moram o António Raba e a Maria Pereira. Depois que regressaram das cadeias de Coimbra. Foram estabelecer casa em Bragança onde a multidão de sambenitados não os tornaria tão estranhos. E foi em Bragança que lhe nasceram os filhos: 2 machos e 3 fêmeas. Um deles foi batizado com o nome de Francisco Nunes. E é este ramo da família Raba que vamos seguir. Desde logo, digamos que Francisco Nunes era sapateiro, como seu pai e seu avô. E também ele foi preso pela inquisição de Coimbra, e também ele acabou por ali falecer, em 24 de Julho de 1662. Não completou sequer um mês de vida naquelas húmidas e abafadas masmorras. E agora, vejam o estranho facto, bem significativo da metódica atuação inquisitorial: o processo de Francisco só foi encerrado mais de 22 anos após a sua morte, sendo a sentença a lida no auto da fé de 4 de Fevereiro de 1685! Francisco era casado com Isabel Rodrigues, filha de Mateus da Costa e Ana Furtado. Também ela penou nos mesmos cárceres por quase dois anos.
O mesmo aconteceu ao filho destes, José Henriques Nunes, tendeiro de profissão, que foi preso aos 48 anos, em 4 de Dezembro de 1705, saindo penitenciado em Julho do ano seguinte. Surgiram depois mais acusações contra ele e voltou a ser preso, por ter feito confissão diminuta, sendo condenado em cárcere e hábito no auto de fé de 21 de Junho de 1711.
José Nunes Raba era casado com uma prima direita chamada Maria Antónia, filha de Maria da Costa e José Rodrigues, casualmente nascida em Monforte de Lemos, Castela, por onde seus pais andariam fugidos da inquisição. Tal como o marido, Maria Antónia foi alvo de um primeiro processo, instaurado em 1705, no qual acabou condenada em 7 anos de degredo para Angola. Tentando certamente esquivar-se a cumprir o degredo, foi novamente encarcerada e instaurado um segundo processo. Saiu penitenciada em “cárcere e hábito diferenciado com insígnias de fogo, perpétuo, sem remissão e cumprirá o degredo a que estava condenada no primeiro processo”.
Em 6 de Outubro de 1686, em Bragança, nasceu um filho de José Henriques e Maria Antónia que foi batizado com o nome de Francisco Henriques Nunes. Seguiu a profissão do pai e, aos 23 anos, sendo ainda solteiro, foi preso pela inquisição. De regresso a Bragança, casaria com Inês da Costa, da qual ficou viúvo. Andava já nos 42 anos quando, em 9 de Fevereiro de 1728, casou com Luísa Maria Bernarda, 26 anos mais nova do que ele. E estes foram os pais da ilustre geração dos Raba que, fugidos de Portugal, perseguidos pela inquisição, construíram em França um verdadeiro império, cuja cabeça era o famoso palácio que eles construíram em Talence, nos arredores de Bordéus. Nele se albergaram o imperador Napoleão e Josephine, na véspera das invasões francesas. Nele se instalou o kommandatur nazi na segunda guerra mundial e ainda hoje funciona como Hotel Raba, classificado com 4 estrelas.
Francisco Nunes, porém, não acompanhou a mulher e os filhos nesta epopeia. Faleceu em Bragança em 1742 e foi sepultado na igreja de Santa Maria. (4)

NOTAS e BIBLIOGRAFIA.
1-ANDRADE e GUIMARÃES – Nas Rotas dos Marranos de Trás-os-Montes, Âncora Editora, Lisboa, 2013.
2- MEA, Elvira Cunha de Azevedo – O Judaísmo no Século XX, A Fénix renascida em Trás-os-Montes, in: Actas do Congresso Histórico dos 450 anos da Fundação da Diocese de Bragança, p.715. Da mesma autora ver: A Inquisição de Coimbra no Século XVI. A Instituição, os Homens e a Sociedade. Porto, 1997.
3-IDEM, pº 830, de Francisco Rodrigues; pº 6101, de Cristóvão da Paz Furtado.
5. Registos paroquiais de Bragança - Livro de Óbitos  da Igreja Sana Maria 1742: - Aos 13 Agosto  de 1742 faleceu Francisco Henriques , mercador, natural e morador em Bragança na  Rua Direita  de 56 anos,  com todos os sacramentos necessários para a sua salvação  . Não fez testamento, está sepultado nesta Colegiada  Igreja de Santa Maria  onde era freguês . O padre Francisco Xavier da Silva.

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

No regresso às aulas, a Direção-Geral do Consumidor recomenda...

Mochila
Escolha uma mochila adequada à estatura da criança e que não seja demasiado pesada quando vazia (quando vazia não deve pesar mais do que meio kg).

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Sete senhoras e sete irmãs

Ter, 06/09/2016 - 10:10


Entrámos no mês de Setembro e já estamos a caminho do dia maior para as grandes romarias deste mês. Dia 8 celebra-se o nascimento de Nossa Senhora, ou a Natividade de Maria, uma festa litúrgica das Igrejas Católica e Anglicana.
A Senhora é a mesma, mas festejada com nomes diferentes:
Nossa Senhora da Serra, do Naso, dos Remédios, das Necessidades, são apenas alguns que aqui mencionamos. Por isso achei oportuno “puxar”, no programa, pelas lendas das sete Senhoras e das sete irmãs.
Foram muitos os que responderam ao nosso desafio, mas chegámos à conclusão que as senhoras e as sete irmãs diferem de lugar para lugar.
Vou compartilhar convosco a Lenda das Sete Irmãs, ou em mirandês, Las Sîete Armanas, do saudoso padre Dr. António Mourinho em «Nossa Alma I Nossa Tierra – Las Sîete Armanas». Ele que participou tantas vezes no nosso programa.Também  o tio Casimiro Oliveira  de Vale da Madre – Mogadouro, que Deus já chamou há muitos anos. Em 1991 falou-nos das sete Senhoras muito veneradas no nosso distrito.
Aqui ficam as duas versões fantásticas.

 

A ver os aviões

Ter, 06/09/2016 - 09:46


A festa foi grande no aeródromo de Bragança, no domingo. Milhares estiveram de nariz no ar, seguindo evoluções, acrobacias e até ousadias de pilotos e máquinas, num dia em que o sol mordia a pele, mesmo dos mais favorecidos pela melanina.

“Não deve ser o produto a mostra-se fora, mas arranjar forma de cativar as pessoas a virem à região”

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Qua, 31/08/2016 - 15:39


O chef de cozinha Manuel Bóia, natural de Santulhão, Vimioso, trabalha há três anos no “Bica do Sapato”. O conceituado restaurante foi o local onde realizou o seu estágio de formação, depois de ter frequentado o curso de cozinha na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. O regresso aconteceu em 2013, tendo trabalhado com Alexandre Silva e assumido o lugar de chef executivo após a sua saída, sendo actualmente responsável por três cozinhas. Na terra natal, falámos com o cozinheiro de 33 anos.