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Nós trasmontanos, sefarditas e marranos: Manuel Almeida Castro (c. 1572 –?)

António Júlio Andrade
Maria Fernanda Guimarães
 
Nascido em Bragança e com morada estabelecida em Izeda, Manuel Almeida Castro era filho de António Lopes de Castro e Leonor Almeida, esta de uma família de Lisboa que se empregava em negócios de importação/exportação de mercadorias para o Brasil, o que exigia capitais avultados e acarretava elevados riscos. Em compensação, podiam obter-se ganhos extraordinários.
Os Almeida Castro formavam um verdadeiro potentado, ligando-se por laços matrimoniais a famílias das principais de Trás-os-Montes como eram os Lopes Ferro, de Lisboa, os Lopes Cortiços, de Bragança, os Henriques Julião, de Torre de Moncorvo, o Dr. Manuel Mendes, de Chaves, D. Fernando de Milfuentes de Villasante, um homem da nobreza de Castela… E o processo de engrandecimento continuou com os descendentes, nomeadamente com o casamento de uma filha (Serafina de Almeida) com Fernando Montesinho, o grande distribuidor de sal em Castela e que alcançou o monopólio da exploração e venda daquele produto em todo o país. O mesmo se diga dos Cortiços, que foram magnates na distribuição de tabaco e grandes banqueiros. No caso de Manuel Cortiços este distinguiu-se como “asentista y factor do rey” demonstrando especial aptidão para a administração das rendas aduaneiras e a sua firma acaba, de facto, por se transformar num estabelecimento bancário.(1)
Voltemos a Izeda aos anos de 1618. Manuel Almeida Castro estava casado com Filipa Henriques, filha de Henrique Lourenço e Isabel Pereira, e o casal tinha já vários filhos. Era então um homem muito rico, segundo informação enviada para a inquisição de Coimbra pelo comissário Francisco Luís, arcediago de Mirandela na Sé de Miranda do Douro.
Por essa altura a inquisição de Coimbra desencadeou uma onda de prisões até então nunca vista entre a classe dos grandes mercadores, rendeiros e assentistas de todo o norte de Portugal. Entre os prisioneiros contou-se um Pero Matos, de Freixo de Numão e um Álvaro Rodrigues,(2) da aldeia de Lagoa, próximo de Izeda. E como estes dois não deixariam de denunciar Manuel Almeida, que com eles se tinha declarado seguidor da lei de Moisés… este meteu-se a caminho de Castela onde tinha já larga parentela, fixando residência em Madrid.
Esqueceu-se, porém, que a inquisição tinha longos tentáculos e os depoimentos prestados em Coimbra pelos citados prisioneiros tinham já sido enviados para as inquisições de Cuenca e de Toledo. Assim, em outubro de 1619 foi metido nas masmorras da inquisição de Toledo, de onde saiu no dia 1 de fevereiro de 1620 “livre e sem ir a auto”.
Mesmo saindo livre, a estadia na inquisição trazia sempre custos acrescidos não apenas na honra e fama das pessoas mas também na fazenda. E ele terá perdido muito da sua fortuna, a crer na informação do comissário Francisco Luís. E foi também ele que informou os inquisidores de Coimbra que Almeida Castro era em Madrid “obrigado das carnicerias” ou seja: arrematou o fornecimento de carnes, o que lhe não terá rendido grandes lucros pois regressou a Izeda bem mais pobre do que partira. No entanto, apesar disso, ele continuou a ser um homem muito rico, conforme veremos adiante ao apresentar o inventário de seus bens.
Por agora refira-se que a inquisição de Cuenca continuava agarrada às informações recebidas de Coimbra em 1618 e, quase 20 anos depois, procurava ainda prender A. Castro. E escrevia para Coimbra solicitando que o prendessem e remetessem para Cuenca. Certamente que o cheiro do dinheiro deste homem “rico”, sogro do Fernando Montesinhos, que também acabara de ser preso, despertava o apetite dos inquisidores.
Efetivamente foi mandado prender, dando entrada na cadeia da inquisição de Coimbra em 6 de Maio de 1639, quando contava 67 anos.(3) E foi a vez de os inquisidores de Coimbra pedirem para Cuenca e Toledo as informações que ali tinham contra o prisioneiro. No fundo, tais informações resumiam-se às que o mesmo tribunal de Coimbra lhes enviara 20 anos antes e com base nas quais tinha já sido julgado em Toledo. Por isso, o seu processo correu com alguma celeridade e em 4 de Novembro seguinte por ordem do Conselho Geral “o réu foi solto e mandado em paz” não sendo presente a qualquer auto de fé. Mas, apesar de inocentado, ele teve de pagar as custas. E como tinha sido preso com sequestro de bens, ainda teve de dar largas voltas para recuperar o que era seu. E os bens recuperados do fisco obviamente tinham sofrido forte delapidação, como era de norma.
Não sabemos quanto mais tempo durou este homem que os inquisidores de Coimbra mandaram soltar, escrevendo no despacho que era “velho e muito doente”. Mas vejamos agora o inventário de seus bens, numa altura em que já era menos “rico”.
Identificado como “tratante” podemos também dizer que ele era também “rendeiro” e para recolha do pão das rendas ele possuía tulhas nas localidades de Calvelhe, Paradinha, Pombares e Morais. Das comendas que trouxe arrendadas citamos a de S. João da Corveira, na terra de Valpaços propriedade de D. Afonso Brito Mascarenhas, em cuja casa e por razão da mesma, tinha “empenhada” quantidade de prata sua e de pessoas da família, no valor calculado de mais de 120 mil réis. Contas por saldar tinha ainda com os herdeiros de Manuel de Vasconcelos, das comendas de Izeda e com o bispo D. João Mendes de Távora, da comenda de Castro Vicente.
De contrário, era credor do Conde de Faro, D. Dinis, em 172 mil réis que lhe emprestou em Madrid, do abade de Vale da Porca e outros mais…
Dos bens móveis, ressaltam as casas que possui em Izeda onde morava e que valiam 200 mil reis, para além de umas adegas avaliadas em 20 mil réis. E casas e terras ou adegas em localidades distantes como Bemposta, termo de Mogadouro, Lagoa e Morais, termo de Macedo de Cavaleiros.
Diremos também que ele era um razoável proprietário agrícola com lameiros, vinhas, oliveiras e terras de dar pão. Mas a menina de seus olhos seria a Quinta da Aveleira, que foi avaliada em 200 mil réis. E este aspeto deve ser referido já que existe uma ideia muito generalizada de que a gente da nação hebreia se não prendia à agricultura. De certo que não era o caso deste cristão-novo de Izeda.
Uma outra nota para dizer que a gente da nação se apresentava na vanguarda do progresso industrial, sendo exemplar o caso de Manuel Almeida. Com efeito ele era um verdadeiro empresário da indústria moageira, explorando dois moinhos de água: um situado na margem do rio Zebro, no limite do termo de Lagoa e outro na margem do rio Sabor, no termo da aldeia de Talhas.
Uma curiosidade interessante: tendo ele vários lameiros, era também criador de bois e vacas. Um criador a sério naqueles tempos. Tinha mais de 100 bois e vacas que trazia arrendados a várias pessoas de várias terras dos arredores. E desta prática ancestral em terras trasmontanas terá ficado no léxico popular a expressão: “boi de renda”.
Uma última nota reveladora de usos desta gente que, em qualquer circunstância se valia da família. Vejam o seu próprio testemunho:
— Disse que em casa dele declarante se acha um jarro com perfis dourados e 2 púcaros de prata e 2 salvas e um copo de pé alto dourado, as quais peças são de Manuel Henriques, morador na Torre de Moncorvo, cunhado dele declarante, e lhas emprestou para uns hóspedes que ele declarante teve e foi buscar as ditas peças um moço de Izeda que se chama Francisco, de alcunha o Cancela.
 
Notas e Bibliografia:
1 - Andrade, A. J. e Guimarães, Fernanda – Nas Rotas do Marranos de Trás-os-Montes – Âncora Editora 2014, p 45 e seguintes; SCHREIBER, Markus – Marranen in Madrid 1600-1670, Franz Steiner Verlag Stuttgart 
2 - ANTT, inq. Coimbra, pº 3099, de Pero Matos; pº 6945, de Álvaro Rodrigues.
3 - IDEM, pº 5496, de Manuel Almeida Castro.

 

Natal (re)decomposto

Da mesma forma que se fala hoje DAS família e não DA família, poder-se-á falar DOS Natais e não DO Natal. Há evidentemente uma correlação entre a composição das famílias e a decomposição do Natal. 
Para os filhos, as vantagens em termos de qualidade das prendas são evidentes: avós e pais, juntos ou separados, querendo todos passar o Natal com eles, é a reunião da família e a distribuição das prendas que se sobrepõe à data: alterada pelos que vão de viagem, no dia 24 à noite e 25 ao meio-dia não bastam para esgotar as configurações familiares. Porque se o Natal se festeja em família, as famílias – dever-se-ia falar de clãs ou tribos – misturam-se pouco. Vejamos um casal com filhos. Primeiro Natal em casa dos pais da Senhora, o segundo Natal em casa dos pais do Senhor. Este casal tendo irmãos e irmãs, o quebra-cabeças começa logo quando se trata de encontrar a data da irmandade que tem as mesmas obrigações que o casal para poder reunir-se. 
Se os pais estiverem separados, aquele que não tem a guarda na noite de consoada sentirá umas palpitações no peito apesar de ter previsto outra festa porque lhe parece incompreensível não festejar o Natal com o papa ou a mama: é preferível cortar o Natal e a criança em dois a ter de passar as festas juntos. Quanto a reunir todos os filhos duma família que vivem em guarda alternada, isso releva duma sincronização, duma plasticidade e duma diplomacia fora do comum. Aquele que inventar a aplicação que possa dar a fórmula mágica, a receita adequada e a prenda apropriada fará seguramente fortuna. 
Há um rito de passagem de que se fala pouco: é quando os pais convidam os avós para passar o Natal em casa. Momento crucial na vida de um adulto – e nem sempre coincidente dos dois lados – em que o indivíduo se torna furtiva e discretamente o pai dos seus pais. As duas famílias encontrar-se-ão finalmente reunidas? Nem sempre, o que fará ainda muitos mais Natais para organizar. Será mais fácil para os avós? Nem sempre quando têm vários filhos que querem todos convidá-los. Ir a casa de quem, sem que a preferência seja demasiado visível ou manifesta? Os juízes entregues aos assuntos familiares ainda não instauraram a guarda alternada dos avós em caso de conflito.
Estes constrangimentos de Natal cuja lista está longe de ser exaustiva dir-nos-ão algo sobre as famílias dos nossos dias? A criança continua a ser o centro do Natal para o melhor e para o pior o que implica raptá-la para as Festas de fim de ano. Sem filhos, pode ser triste, mas há menos problemas se tivermos em conta a excelente frequentação dos espectáculos no dia 24 de Dezembro. Os filhos dir-nos-ão mais tarde quais as recordações que guardam dos Natais divididos em função das tensões ou incompatibilidades familiares das quais são as principais apostas aparentes. Todos temos recordações da infância de Natal, mais raramente das prendas que recebemos. E todos os anos, encontrámo-nos confrontados com o dilema de reproduzir o que conhecemos e vivemos sabendo que tudo mudou ou simplesmente para nos demarcar estando consciente do peso das tradições, das famílias e… dos FILHOS! 

(In)constitucionalidades

Foram muitos os municípios que, por esse país fora, comemoraram os quarenta anos da realização das primeiras eleiçoes autárquicas. Alguns centraram as festividades e as homenagens à volta da Câmara Municipal, havendo outros que entenderam que o lugar adequado para celebrar a instalação do Poder Local Democrático seria a Assembleia Municipal. O vinte e cinco de Abril comemora-se na Assembleia da República e não na Sede do Conselho de Ministros. 
Qualquer uma das opções é válida e terá os seus defensores que, justamente, carrearão várias e válidas justificações para qualquer uma das opções.
Em Lisboa o dia doze de dezembro originou uma sessão solene no Fórum Lisboa, antigo cinema Roma e sede da Assembleia Municipal da Capital. De entre os vários oradores teve especial relevo a intervenção do Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da República, Jorge Lacão. Em resposta e por antecipação a algumas críticas sobre a eleição e o modo de funcionamento das assembleias municipais, fez um historial do processo e da legislação eleitoral, cuja possível alteração, aparentemente dada por todos como necessária e conveniente, necessita de consensos alargados por se tratar de matéria constitucional. Fez aliás um paralelo com o que se passa em termos nacionais com o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Uma das questões recorrentes, neste capítulo, passa pela formação de executivos resultantes de vitórias maioritárias ou de acordos pós-eleitorais, mas que sejam expurgados da oposição pois a co-habitação de todos os eleitos não faz sentido, enfraquece a forças opositoras e foi, segundo ele, um dos principais motivos da perpetuação de alguns autarcas. A limitação de mandatos, não sendo a mais adequada e eficaz foi o paleativo encontrado. O que faz sentido e é necessário é que, com reforço de poderes, a oposição fique na Assembleia e exerça aí o seu poder de fiscalização e controlo da atuação camarária. Igualmente anacrónica será a presença em total igualdade de condições e poderes, dos Presidentes de Junta, no Parlamento Local. À época em que foi criado, o modelo fazia sentido, pois havia a necessidade de unir, juntar, congregar esforços, a seguir à revolução do cravos, para consolidar a Democracia ainda jovem e com necessidade de amadurecer e crescer. Não o fará hoje. Foi lembrado que a intergração dos Presidentes de Junta distorce a vontade popular pois a composição da assembleia deixa de obedecer ao Método de Hondt. Que pode ter especial relevo num daqueles que é o principal ato de exercício do poder local legislativo: a discussão e aprovação do Plano e Orçamento. 
A propósito desta matéria o deputado foi muito claro. No seu entender a lei das Autarquias Locais tem uma disposição que, no seu entender, não respeita a Constituição. Trata-se do normativo que determina que o Plano e Orçamento é de elaboração exclusiva do Executivo, não podendo a Assembleia analisá-lo na especialidade e estando-lhe igualmente vedada a possibilidade de alteração. O documento aparece como um todo e é como um todo que é analisado e votado. Ora se atentarmos na Constituição Portuguesa, os artigos 161 (alínea g)) e 237 (n.º 2) que estabelecem respetivamente as competências de aprovação orçamental pela Assembleia da República e pelas Assembleias Municipais, respetivamente, não diferem entre si o suficiente para darem cobertura ao normativo da Lei da Autarquias Locais, nesta matéria. Portanto esta última estará ferida de inconstitucionalidade. 
Assim sendo, é necessário corrigir o erro. 
Sem mais!

O que faz falta é avisar a malta

A algazarra em torno da pretensa salvação, ou enterro definitivo, da Caixa Geral de Depósitos, é ainda descomunal e promete continuar. Os portugueses, porém, já anteriormente assistiram a outros concertos desafinados do Governo e das ruidosas bandas partidárias, a propósito do BPN, por exemplo, cujos acordes marciais ainda não esmoreceram por completo. Contudo, o ruído causado pela CGD ultrapassa tudo que imaginar se pode, porque ganhou a dimensão de um antipatriótico desconcerto regimental. 
A parafernália de violinos, címbalos, clarins, bombos, trombones, gargarejos e pandeiretas que os políticos e afins tocam a seu bel-prazer, ao mesmo tempo e sem maestro, só tem conseguido azucrinar o povo e desviar a sua atenção daquilo que verdadeiramente importa. Talvez seja isso mesmo que tais senhores pretendem. Até os acordes de piano que se fazem ouvir lá para os lados de Belém já sabem a papel de música.
O povo está mais que farto dos ruídos celestiais desta democracia cega, surda, viciosa e barulhenta, sobretudo porque ninguém lhe diz onde foi e vai parar tanto dinheiro e quanto mais lhe vão extorquir.
Povo que continua sem saber que descaminho levaram os muitos milhares de milhões de euros que a Administração Pública sonegou aos salários e às poupanças domésticas, e que não utilizou ou não acautelou devidamente. Milhões que os governantes malbarataram ou permitiram que fossem rapinados dos cofres do Estado, às escâncaras ou sorrateiramente.
Muitos milhões que faltam à Economia, à Educação, à Justiça, à Segurança Social, à Saúde e à Defesa Nacional. Milhões que escorreram para os cofres de bancos falidos, luvas, subornos, cambalachos, bolsos, chapéus e sobretudos.
Onde param tantos milhões, afinal? Os portugueses continuam sem saber e esse sagrado direito continua a ser-lhe sonegado. Embora haja governantes, altos funcionários, gestores de topo e líderes partidários que, pelos vistos, até sabem, porque quando se trata de atacar despudoradamente os adversários não se coíbem de lançar mão, a torto e a direito, dos argumentos do crédito malparado, dos paraísos fiscais, das contas suíças e da falta de controlo do Estado e das entidades reguladoras. 
E não deixa de ser muito estranho que políticos ditos de esquerda, que tão ciosos são da sua pretensa superioridade moral, avalizem a escandalosa desigualdade salarial da CGD e silenciem, ruidosamente, estas verdades a que o povo tem direito, acabando por despistar a luta eficaz contra a corrupção de Estado. Deixem-se de “hard rock” festivaleiro, portanto. 
O povo quer que o Governo, os partidos que o apoiam e a oposição, de uma vez por todas, toquem afinados e ao som do Hino Nacional, uma indispensável auditoria, ampla, independente e consequente à CGD, e não só. 
O que faz falta é avisar a malta. É dizer ao povo onde pára o dinheiro e quanto mais lhe vão extorquir. Tout court.
 
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico

Pessimismo realista

Ter, 27/12/2016 - 01:49


Bem pode Francisco apelar às lágrimas por Alepo e pelos milhões de deslocados, por cima de mais um Natal de luzes cintilantes, mesas fartas e planos para festarolas de fim de ano, que o mundo continuará no seu ritmo de desgraças, sem contemplações por piedosos lamentos ou simples alívios de consciência.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos: António (Jacob) de Morais (c. 1686 –?)

António Júlio Andrade  /  Maria Fernanda Guimarães

 Nasceu em Bragança por 1686 e foi batizado na igreja de Santa Maria com o nome de António de Morais. Filho de Manuel Lopes Carvalho e de Isabel de Morais, cedo ficou órfão de mãe, casando seu pai segunda vez com Branca Pereira, de Freixo de Espada à Cinta Tinha um irmão inteiro, que era soldado e se chamava Baltasar de Carvalho e 10 meios-irmãos. Quase todos os membros da sua família, incluindo os tios e os primos, foram hóspedes nas cadeias do santo ofício.(1) A sua profissão era a de torcedor de seda, tal como o seu pai. Casou com Francisca Rodrigues e o casal não teria filhos.

Andava nos 24 anos e, face à prisão de vários familiares e amigos, em mais uma ofensiva da inquisição na cidade de Bragança, António de Morais e Francisca Rodrigues meteram-se a caminho de França e foram ter à cidade de Bayonne, onde chegaram em Maio de 1711. À chegada foram acolhidos em casa de Brites de Sá, a galinha de alcunha, viúva, sua conhecida da cidade de Bragança e que ali morava com seus filhos. Ao outro dia, foram viver para casa de Luís Álvares Rodrigues e Branca Maria, irmã de Francisca, fugidos também de Trás-os-Montes, mais concretamente do lugar de Santavalha, termo de Monforte de Rio Livre. 15 dias depois, o casal arranjou morada própria e António de Morais começou governando a vida a trabalhar na sua profissão de sirgueiro, nomeadamente fazendo botões de seda.

Por 4 anos e alguns meses assistiram em Bayonne, vivendo como públicos judeus. Ao início de 1716 António decidiu regressar a Bragança, deixando a mulher em Bayonne, explicando que “não tinha posses para alugar uma besta para a trazer”. E por falta de dinheiro teve de fazer uma escala em La  Bañesa, Espanha, durante mais de 9 meses, ali trabalhando como botoeiro. Estranhamente entrou em Portugal pela raia de Chaves, mais distanciada que Bragança, dali seguindo diretamente para Coimbra para se apresentar no tribunal da inquisição, o que fez, em 26 do mês de Maio do dito ano de 1716. Certamente pensava que, depois de ouvirem sua espontânea confissão, o mandariam regressar a Bragança e ele poderia livremente andar pelo reino. Assim, com esse entendimento, terá mandado vir também a mulher, a qual chegou a Bragança por Maio de 1717.

Acontece que, entretanto, aberta a sua ficha na inquisição, ela se foi enchendo de denúncias feitas por outros prisioneiros. E ele não foi o único a dirigir-se a França (com o objetivo primeiro de se circuncidar?) e regressar a Portugal disposto a confessar suas culpas e ser bom cristão. De modo que, em 30 de dezembro de 1717, Sua Eminência o inquisidor geral ordenou a prisão de António Morais e recomendou algumas cautelas, conforme resulta da seguinte carta do conselho geral para a inquisição de Coimbra:

— No correio passado, depois de ter mandado a bolsa, me ordenou Sua Eminência escrevesse a V. Mercês e o fiz fora da dita bolsa para que mandassem prender os apresentados vindos de Bayonne de França que haviam sido circuncidados, e que o fizesse com grande cautela para que não soubesse um do outro e que cada um viesse separado para que se não pudessem ver nem comunicar pelo caminho, e que estando nesta inquisição, se observasse o mesmo e que avisassem para ordenar o que lhe parecesse.

O prisioneiro foi entregue em Lisboa no dia 14 de Janeiro. Decorreu o seu processo com alguma normalidade, se é que alguma havia nesta instituição. Acabou António por sair no auto de fé de 16 de junho de 1720, sentenciado em penas espirituais e cárcere a arbítrio dos inquisidores. O seu processo é, porém, muito interessante, a vários níveis.(2)

Em primeiro lugar porque nos faz uma descrição do itinerário seguido entre Bragança e Bayonne, com indicação das principais localidades por onde passou (Puebla, Rio Seco, Vitória, Irún, S. Jean de Luz) calculando a distância percorrida em 100 léguas. E esta seria a normal rota das fugas de Bragança e do alto Trás-os-Montes.

Depois apresenta-nos várias pessoas e famílias brigantinas e trasmontanas que ali viviam, com os respetivos nomes cristãos e judaicos e dá-nos informações preciosas sobre a vida da comunidade marrana/judia de Bayonne onde havia “umas 12 ou 13 sinagogas,” todas funcionando em casas particulares mas “públicas quanto a saberem disso todos os moradores”. A generalidade era sustentada pelos proprietários e os que as frequentavam não pagavam nada. Em outras, os donos das casas aceitavam ofertas, lembrando-se ele de, em uma ocasião ter oferecido duas patacas. Como eram essas sinagogas? Nada de especial, conforme seu testemunho:

— A sinagoga é uma casa em que não há mais que um lampadário aceso e um pergaminho metido em um armário em que está escrita em hebreu a Lei de Moisés e quando se juntam os judeus nas sinagogas, o praticante a que chamam Garção, lê por ela e os mais judeus que sabem hebraico respondem na língua e os outros que não sabem, como ele réu não sabia, respondem somente Amén.

Uma das sinagogas referidas funcionava em casa de Isaac Henriques Julião, originário de Torre de Moncorvo ou Vila Flor e nela Jacob de Morais se encontrou com o brigantino Francisco de Sá pilão que ali se chamava Abraham de Sá que era “circuncidado e judeu público”.

Outro de seus conterrâneos de Bragança que com ele judaizou em Bayonne foi Lopo da Mesquita, torcedor de seda, circuncidado com o nome de Abraham da Mesquita. E também o filho deste, Salvador da Mesquita, com o nome judeu de Isaac de Morais.

Porém, os seus companheiros mais assíduos na sinagoga eram os 3 filhos do barbeiro Francisco de Sá Carrança, fugido de Vila Flor, casado com Violante Rodrigues, de Bragança. A propósito, vejamos um pouco do seu testemunho:

— Por ocasião de os acompanhar na sinagoga, todos os dias, no decurso de 4 para 5 anos, indo a ela todos os dias, por 3 vezes, pela manhã às 7 horas e de tarde às 3 e à noite às 5 ou 6 horas, conforme os tempos, e ali ficava uma hora e era o tempo em que lia os Salmos de David em língua hebraica um judeu circuncidado chamado Abraham e ele respondia Amén e os mais lhe respondiam em língua hebraica.

A circuncisão de António Morais teve lugar dois meses depois da chegada a Bayonne e foi feita em sua casa por um “judeu francês por nome Abraham que foi seu padrinho, assistindo ao ato um outro judeu francês chamado Samuel Talavera.

Da leitura do processo de António Morais e outros mais de pessoas que foram e vieram uma questão fica no ar:

— O motivo principal da sua viagem e estadia temporária em França seria a procura da circuncisão? 

Cremos que sim. E nesse caso teremos de encarar estes marranos como verdadeiros judeus para quem a circuncisão é o sinal da aliança estabelecida entre Deus e Abraão. E temos de reconhecer que eles não eram os “analfabetos religiosos” que muitas vezes se diz, antes tinham conhecimento bastante profundo da lei e do calendário religioso judaico. António (Jacob) de Morais sabia perfeitamente quando caíam e como deviam ser guardados os dias festivos judaicos como o Kipur, o da Rainha Ester, do Pessah, do Rosh Hashaná (que ele chama das Rosas), o das Cabanas que “tem 8 dias festivos e no primeiro fazem umas cabanas, em qualquer pátio de alguns judeus aonde os mais vão comer e se lê a lei em hebraico”.

 
 
 
Notas:
 
1 - ANTT, inq. de Coimbra, pº 2131, de Manuel Lopes Carvalho; pº 784. De Branca Pereira; pº 8514, de Baltasar Carvalho.
2 - ANTT, inq. Lisboa, pº 1479, de António de Morais.
 
 
LAPSO – A árvore genealógica de Francisco Sá Mesquita publicada no último número era apenas um documento de trabalho e não a imagem que tínhamos preparado para sair. Do lapso pedimos desculpa aos leitores.

 

Incêndio destruiu casa em Quinta de Eiras Maiores (Vinhais) e terá feito uma vítima mortal

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Sex, 23/12/2016 - 11:49


Um incêndio consumiu uma habitação na passada sexta-feira, dia 16, e poderá ter vitimado a dona da casa, já que, de acordo com o testemunho de vizinhos e família, ela se encontraria no edifício.

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Sex, 23/12/2016 - 11:40


Mesmo não tendo as condições ideais para acolher os bebés e, apesar de muitos jovens casais continuarem a sair de Vimioso em busca de oportunidades de emprego, a autarquia continua a considerar fundamental o incentivo à natalidade.