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Olá. Tudo bem?

Olá. Tudo bem?

Já há muitos meses que não estava convosco. Meses. É muito tempo. Por exemplo, este ano ainda não tínhamos estado juntos. Há amizades que acabam por isso mesmo, porque há meses que não sabemos nada desses incautos amigos que deixam de dar notícias. E a nossa vidinha continua, sem que tenhamos muito tempo para perseguir o desaparecido. Agora com as redes sociais, sabemos que o tal que não diz nada continua a gozar de boa saúde, o que nos permite ignorar o facto de não nos falar com outra naturalidade e menos preocupação. Simplesmente, deduzimos (e bem, na maior parte das vezes) que deixamos de lhe nutrir interesse.

No meu caso, neste em específico, não foi o que aconteceu. Eu queria estar convosco, fiz alguns esforços, mas não consegui.

Há uns dias, falava do ‘síndrome da folha em branco. Jurei que nunca o tive. Mas, em reflexão, vejo que é mentira. Comecei a escrever crónicas em 2013. Já lá vão alguns anos. Cheguei a acumular várias publicações, online e em papel. E as coisas pareciam fáceis. Tinha sempre assuntos. Era como que se bastasse olhar para uma pedra no chão e visse logo ali brotar um tema super interessante. Agora já não sou assim. Em 2013 era mais nova e tinha mais tempo livre para observar os outros e a vida em geral. Agora acho que tenho menos amigos, o que logo à cabeça reduz as inspirações, porque tenho menos vidas para dissecar.

Há seis anos tinha menos peso e mais paciência. Paciência para pensar também. Agora gosto mais do mastigado, para poupar alguns minutos. Antes também me preocupava menos com um possível impacto das barbaridades que debitava - até porque a finalidade era, e continua a ser, entreter, e não mudar mentalidades.

Reparo que, tal como eu, a maioria anda sem tempo nem paciência. Até queriam falar, mas não têm assunto. E para abrir a boca, ou, neste caso, dar ao dedo no teclado, é preciso ter algo mesmo muito importante para dizer. Ou assim achamos. Se não for de vida ou morte, se não for gigantesco, ficamos calados, que poupamos uns minutos a todos. E esses minutos podem ser usados para algo tão importante como, por exemplo, ver as redes sociais para sabermos daqueles amigos com os quais não falamos há meses, por não termos nada de jeito para lhes dizermos.

Pergunto-me se a vida na internet é tão emocionante como a vida real. Se o que vemos e lemos é mesmo assim. Mesmo quando se partilha que se está num grande dilema, numa luta pelo bem sem precedentes, numa saga para salvar a nossa idoneidade. Se calhar, só queremos que nos passem a mão na cabeça e que nos digam ‘já passou’.

Por norma, só encontramos um chorrilho de comentários a dizer: ‘És grande! vais conseguir!’, ‘força! mantém-te como sempre foste!’, ‘És um exemplo, pá. Orgulho.’. Mas, se calhar, o que fazia falta era um ‘olá, tudo bem? vamos tomar um café’ mais amiúde. ‘Já há muitos meses que não falamos. Vamos viver na vida real mais próximos?’. Se calhar - e só se calhar - o que nos falta é mesmo viver mais tempo junto aos que gostamos e menos tempo no mundo apressado onde achámos que o virtual pode atenuar a falta reiterada da presença física.

Plano Nacional de Investimentos 2030: convergência e coesão regional

O Plano Nacional de Investimentos 2030 (PNI 2030) visa a concretização de investimentos estruturantes de iniciativa pública a realizar na próxima década em Portugal Continental, o Plano estará alinhado com os objetivos estratégicos do Portugal 2030. Tem sido referido que se pretende um amplo consenso social, económico e político, relativo às opções políticas e de priorização dos investimentos que deverão contribuir para o aumento da competitividade da economia nacional, da coesão territorial e da correção de assimetrias regionais.

Decidir sobre políticas de investimento público de médio e longo prazo, alinhadas com prioridades e estratégias nacionais para o desenvolvimento, feito com justiça e equidade, exige um esforço inteligente e partilhado, aberto ao território. O Plano, nas suas prioridades de investimento, tem que incluir objetivos de coesão e de correção de assimetrias territoriais, dada a importância que o investimento público tem no desenvolvimento das regiões. Decidir é escolher, não incluir projetos de investimento prioritários para o Interior é em parte “matar” a esperança de territórios que sofrem, é dar sinais contraditórios relativos à boa vontade a favor de políticas de combate ao despovoamento e de fixação de mão-de-obra no Interior pela via do investimento, público e privado.  

As ajudas da União Europeia dirigidas às regiões mais pobres, devem apoiar orientações políticas para a competitividade e a coesão social, económica e territorial respeitando prioridades específicas de cada região ou sub-região, coordenadas com políticas territoriais do país. O PNI 2030 deve contribuir para que o país mobilize o melhor de cada um dos seus territórios para assegurar o crescimento da economia, a redução das assimetrias regionais, o combate ao despovoamento e aos problemas da Interioridade. O investimento público em infraestruturas é essencial para o Interior, é um fator decisivo que adiciona e potencia outras políticas públicas para a competitividade e a coesão.

Nos anos mais recente, os problemas da interioridade tem sido destacados no discurso político, tem ganho maior compreensão pelos portugueses no sentido de que, todas as parcelas do território nacional, com os seus recursos diferenciadores e todos os seus habitantes são necessários para a construção de um futuro melhor para todos os portugueses. A situação dramática de muitas aldeias e concelhos do país em que, o intenso despovoamento e envelhecimento da população leva ao abandono do território, à desqualificação ambiental e paisagística pela redução da atividade humana de interação com a natureza, e à perda de biodiversidade, não pode persistir, atacar os problemas da Interioridade é um ato de inteligência e de futuro, um desafio das políticas públicas, um dever de soberania. 

É preciso garantir que o que tem corrido bem nos 40 anos após a Revolução de Abril, em áreas como a saúde, o ensino, as infraestruturas de mobilidade e de transportes, de ambiente, na área social, na construção de instituições democráticas, seja robustecido e lembrar que o despovoamento do Interior emerge como um grave problema que coloca cidadãos e territórios em situação de desigualdade extrema, minando a confiança e a esperança num futuro melhor para todos e por isso, também a democracia é fragilizada. 

Há uma fratura na coesão nacional criada por um ciclo vicioso de investimento e de concentração da população, que tem expressão na concentração do poder político económico e administrativo em Lisboa, e uma marca negativa ligada ao intenso despovoamento e envelhecimento da população do Interior, que a estatística e a decisão centralista, converte no encerramento de escolas, de extensões de saúde, de seções de finanças, de tribunais, de serviços regionais ligados ao ambiente e à agricultura, no encerramento de postos de correios e da EDP, de agências bancários, de linhas ferroviárias e de linhas de serviço público de transporte rodoviário. Tem acontecido muitas coisas boas no Interior, apesar disso, o ritmo de despovoamento e de envelhecimento da população está a ser triste e fatal para muitas localidades.   

O Plano Nacional de Investimentos 2030, versão atualizada do PETI3+, tem como desígnios estratégicos a coesão, a competitividade e inovação, a sustentabilidade e ação climática, irá concretizar os investimentos infraestruturais estratégicos durante a próxima década, com apoios financeiros da União Europeia no âmbito do Programa PT 2030. Em termos setoriais vai incluir a mobilidade e transportes, o ambiente, a energia e os regadios.

Na arquitetura do Plano, há duas dimensões que não favorecem a coesão intrarregional, o facto de abranger infraestruturas de nível nacional e de se estruturar por projetos ou programas com investimentos superiores a 75 milhões de euros. Se o contributo da Região Norte para o PNI 2030 pudesse ter sido negociado por um Governo Regional, outros investimentos estariam incluídos, visando o território da região no seu todo, assegurando princípios de coesão e de competitividade territorial.

Uma análise mais cuidada à proposta de Plano exigiria informação mais desagregada dos projetos ou programas inscritos no Plano. No Setor dos Transportes e Mobilidade, envolve: a mobilidade e transportes públicos; a rodovia; a ferrovia; a rodovia e ferrovia; marítimo e portuário e aeroportuário, estão identificados 42 projetos com investimento total de 12765 milhões de euros, representando 62% do investimento total previsto.

Identifica para a rodovia 8 projetos e programas, estando o projeto ou programa da coesão territorial dotado com 80 milhões de euros (5,12%), dos 1564 milhões previstos. O valor previsto para a coesão territorial, para todo o país, para um período de 10 anos, parece estar muito aquém das necessidades de conetividade internas e transfronteiriça.

Não identifica alguns projetos de pequena e média dimensão para a região norte, essenciais à competitividade e à redução das desigualdades territoriais, são exemplo: pequenas ligações fronteiriças como a conclusão do IP2 e do IC5; ligeiras melhorias na ligação entre concelhos; a construção do IC26 para desencravar alguns concelhos do Douro, ou do IC35 para desencravar ligações nos concelhos do Tâmega e Sousa.

Identifica para o setor da ferrovia 13 programas e projetos, com investimento total de 4010 milhões de euros. Não prevê para o médio longo prazo a expansão da rede ferroviária para o Interior Norte, com ligação à rede ferroviária de Espanha, abrindo um novo corredor de ligação do Norte de Portugal à rede ferroviária europeia, através da linha do Douro, com ligação desde o Pocinho a Bragança e à Linha de Alta Velocidade na Puebla de Sanábria ou de Barca de Alva a Salamanca, alternativas sempre presentes já desde o final do século XIX.

Identifica para o setor aeroportuário 3 programas e projetos, representando 3,9% do investimento total do PNI 2030, concentrados em Lisboa, não contemplando investimentos na rede secundária, necessários à coesão e à competitividade territorial, sendo exemplo as infraestruturas aeroportuárias de Bragança e Vila Real, necessários para dar impulso à coesão e à competitividade, na atratividade de investimentos e do turismo para Trás-os-Montes e Douro. Identifica para o setor marítimo e portuário 8 programas e projetos, contemplando o Porto de Leixões e a Via navegável do Douro com 18,5% do investimento.

No setor da Ação Climática e Ambiente, identifica 15 projetos para um investimento de 3270 milhões de euros, 16% do investimento total, distribuídos pelo ciclo urbano da água, a gestão de resíduos, a proteção do litoral, passivos ambientais e gestão de recursos hídricos. É previsível, face à dimensão territorial e populacional, à natureza dos problemas a resolver, dos ativos a reabilitar, da sustentabilidade dos recursos e da vulnerabilidade dos territórios face aos riscos associados às alterações climáticas, que o investimento seja transversal ao território.

A frequência e intensidade de secas extremas agravam a desertificação, são muito preocupantes para algumas regiões do interior, o projeto de adaptação das regiões hidrográficas aos fenómenos da seca, com a dotação de 90 milhões de euros, 0,44% da dotação do PNI 2030, é um valor muito baixo face às adversidades crescentes com que os agricultores do interior se vão confrontando na atividade pecuária, agrícola e florestal.

No setor da energia, são contemplados três eixos estratégicos: neutralidade carbónica; infraestruturas e equipamentos resilientes e sistemas inteligentes. O investimento previsto é de 18% do investimento total do PNI 2030, contribui para a redução da fatura energética do país, a diminuição da forte dependência nas importações de energia e apoia a transição para um modelo de economia verde e do conhecimento. Os investimentos incidem sobre o reforço da produção de energia de fontes renováveis, a eficiência energética, as redes inteligentes e interligadas.

Trata-se de investimentos que servem a coesão e a competitividade do país no seu todo. Seria justo que os territórios que mais contribuem para a produção de energia renovável, nomeadamente hídrica e eólica, em particular no Norte, fossem compensados pelo contributo nacional e pela perda de ativos ambientais nos seus territórios. Os municípios deveriam ser compensados financeiramente, tendo por base a receita da produção, para execução de investimentos agroambientais e sociais e de infraestruturas para a coesão e competitividade. A solidariedade nacional não pode ter um só sentido, desde há muitas décadas tem funcionado mais do Interior para Lisboa.   

Em outros investimentos estruturantes está contemplado o Regadio, investimento essencial para o desenvolvimento do setor agrícola e florestal e para aumentar a resiliência do território às alterações climáticas. Construir novas barragens, ampliar as áreas de regadio, melhorar os sistemas de gestão e a eficiência no uso da água, aumentar a produtividade das culturas é importante para diminuir a dependência de importações, aumentar a capacidade interna de produção para exportação e consumo interno. 

O investimento total previsto é de 750 milhões de euros, 4% do investimento do PNI 2030 distribuído por dois projetos. A não desagregação territorial do investimento coloca de forma clara o problema do investimento nas regiões de minifúndio, caso da região norte onde predominam as pequenas explorações familiares, que representam 40% das explorações agrícolas do país e nelas trabalham 42% do emprego do setor.

Face à realidade regional é indispensável que o PNI 2030 contemple para o Norte muitos pequenos e médios investimentos na construção de pequenas e médias barragens e regadios, para assegurar a modernização e competitividade das pequenas explorações familiares cuja atividade é essencial para assegurar o povoamento do território.

A região necessita modernizar a economia agrícola e florestal, aumentar a produtividade das culturas, fixar mais emprego na terra, combater o despovoamento do território e sem água e modernas infraestruturas agrícolas e associativas, esses objetivos não são viáveis. 

O setor primário é importante para a economia e o emprego, também para a preservação e valorização dos ecossistemas naturais, ambientais e patrimoniais, legado de gerações que só as atividades do mundo rural podem assegurar, como parte importante da identidade e cultura do povo português.

Planear para o médio longo prazo, é decidir sobre o futuro, sobre o legado às próximas gerações. A estratégia regional tem que integrar a política florestal e agrícola, identificar apoios para a viabilidade económica e a sustentabilidade das pequenas explorações familiares, decidir sobre o ordenamento das manchas agrícolas e florestais, sobre a prioridade a dar ao uso do solo, à reorganização e dimensão da propriedade, sobre a construção de infraestruturas ligadas à produção, à transformação e comercialização, ao sistema de inovação e transferência de conhecimento, às estruturas associativas e cooperativas.

O PNI 2030 prevê poucos investimentos para o Norte de Portugal. Seria desejável que algumas melhorias ao Plano fossem consideradas de modo a não discriminar negativamente alguns territórios e durante mais uma década condená-los a um futuro de incerteza e de abandono. Investimentos no setor dos transportes e mobilidade, essenciais à coesão e competitividade deveriam ser incluídos: a finalização de ligações fronteiriças como o IP2 e o IC5; a beneficiação de algumas ligações de concelhos ainda encravados; vias estruturantes como o IC 26 e o IC35, para desencravar concelhos no Douro e Tâmega e Sousa; apostar na expansão da rede ferroviária para o Interior Norte e ligação à rede espanhola, abrindo um novo corredor ferroviário de ligação à rede europeia; incluir investimentos na rede secundária aeroportuária regional, nomeadamente Bragança e Vila Real; incluir investimentos para enfrentar os efeitos de secas extremas que afetam a agricultura em particular no Interior Norte; contemplar um plano de pequenas barragens e de regadios eficazmente estruturados para servir a viabilidade e sustentabilidade das explorações familiares que predominam na região, 

Um contributo adequadamente estruturado exige que a Região Norte se prepare, que disponha nomeadamente de uma agenda de transportes e mobilidade para a próxima década, identifique os investimentos previstos na atual versão do PNI 2030 e outros investimentos a incluir, prioridades de âmbito regional ou das sub-regiões e que podem ser agregados em programas de investimento para a coesão e a competitividade, assim como, outros investimentos que pudessem vir a ser apoiados com fundos da União Europeia no programa regional para a próxima década, programa que deveria ser substancialmente reforçado. A região no seu todo e cada uma das regiões NUT III deveriam decidir sobre as prioridades de investimento para a próxima década, num exercício solidário e inteligente, visando a convergência, a competitividade, a redução das assimetrias regionais e o reforço do investimento estruturante na Região Norte.

 

Vendavais - Aliança em terras improváveis

Há países onde proliferam os partidos políticos como se fossem cogumelos silvestres. Não entendo se acontece por vontade própria, por apetência política ou por sede de poder. Seja qual for a razão, é certo que ao acontecer esse alfobre político, todos se deparam com uma parafernália de escolhas que podem confundir o mais comum dos mortais que têm intensão de descarregar o seu voto no dia em que são chamados a fazer a escolha democrática a que os gregos nos ensinaram há muitos séculos.

Portugal não foge á regra. Habituados que estamos a referir somente os partidos que têm assento na Assembleia da República, quase nos esquecemos dos que não têm votos suficientes para eleger um único deputado. E por isso mesmo, perdem-se muitas centenas ou milhares de votos. Nós não somos muitos votantes e talvez por isso mesmo, não devêssemos desperdiçar os votos que pomos nas urnas com as melhores das intenções. Enfim.

Se o cenário que se apresenta cada vez que há eleições, em termos de partidos políticos, é já desconcertante, não se entende por que razão os partidos que mais votos conseguem, acabam por se fraccionar, dividindo os votos que seriam muito úteis no apuramento final, para os principais partidos. Exemplos desta atitude são vários se nos lembrarmos da cisão do PS há uns anos, do aparecimento do partido de Eanes, da cisão da ala esquerda do PS e do aparecimento do BE, enfim, uma série de divisões que em nada deram além do seu próprio desaparecimento.

Pois, agora, Santana resolveu desligar-se do PSD que ajudou a fundar, e formar um novo cujo nome é bem significativo: Aliança. Só e sem nada mais. Simplesmente Aliança. Tivemos neste fim-de-semana o seu primeiro Congresso. Aconteceu. Em Évora.

Évora! Não sei qual a razão subjacente à escolha desta cidade, mas seja qual for, o certo é que assistimos a um Congresso com muitos congressistas. Um plenário repleto de interessados em saber as linhas gerais com que têm de se governar daqui para a frente e saber o que é que o líder tinha para dizer neste arranque mais a sério para chegar às eleições legislativas deste ano.

Independentemente do peso político que queiramos dar às terras onde esperamos os votos, o certo é que em terras alentejanas, os votos são mais à esquerda do que ao centro ou à direita. Então por que razão Santana escolheu Évora? Pois se quer uma Aliança, terá de contar com todos e o que ele acabou por dizer no Congresso foi isso mesmo, ou quase, já excluiu qualquer aliança com Costa. Mas se com Costa não faz aliança, também não a fará com os comunistas ou com os bloquistas. Conta com quem? Com o antigo partido, cama dos seus votos, e com os centristas, a almofada dos seus interesses. De Évora e dos comunistas é muito improvável um resultado de tal modo satisfatório que agrade a Santana.

Vamos a ver o que daqui sai, mas de uma coisa eu tenho a certeza. Os votos que forem depositados nas urnas direccionados à Aliança, serão votos que irão fazer uma diferença imensa ao PSD no apuramento final. Não vejo vantagem nenhuma na criação de mais um partido, primogénito do social-democrata e cujo fim será o seu desaparecimento a curto prazo tal como aconteceu aos outros. Voltarão os filhos pródigos?

Neste Congresso duas coisas ressaltaram: uma foi a apresentação do programa e das linhas de atuação feita por dois jovens, uma advogada e um professor universitário, a quem falta ainda o traquejo destas andanças, mas que Santana quis afirmar como seus peões de brega e a outra foi a enorme quantidade de congressistas mais velhos, alguns com idade para se reformarem das lides políticas. Foi um Congresso às avessas! Mas como poderia ser de outra forma? A verdade é que Portugal é um país envelhecido e a juventude está desiludida com a política e com os políticos, para não dizer, mais drasticamente que já quase não há juventude neste país. É verdade, embora nos custe admitir isso. O interior está desertificado e as principais cidades viram muita da sua juventude sair à procura de melhores oportunidades pelos quatro cantos deste mundo global.

Claro que assim não poderia Santana ter um pavilhão cheio de juventude, aliás, juventude que não se identificaria nem com ele nem com a sua política que nada mais é do que um costilo bem armado à espera que o tralhão caia. Cairá? Penso que não, mas há sempre quem seja enganado ou se deixe enganar pela formiga de asa!

A verdade é que se deve dizer que foi preciso muita coragem para fazer um Congresso deste partido em terras comunistas, improváveis para uma Aliança, mas onde Santana espera certamente conseguir elos para reforçar a mesma Aliança. Não será fácil, mas afinal não isso que ele espera? Uma Aliança! Seja com quem for, mas que dure e magoe os que o fizeram afastar-se do tronco materno.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Tu Bishvat – o ano novo das árvores o Tu BiShvat / וט טבשב de Ana Doce

Tu Bishvat é nome hebraico de uma festa que os judeus celebram no dia 15 do mês de shevat que, no calendário gregoriano, varia entre meados de janeiro e meados de fevereiro. Neste ano calhou a 21 de janeiro, começando, naturalmente, ao anoitecer do dia anterior.

É a festa das árvores, simbolizando o renascer da natureza, o dia em que o Criador decide sobre a floração e os frutos que as árvores vão dar. Geralmente aparece simbolizada por uma amendoeira, certamente por ser a árvore que, no mundo mediterrânico, mais cedo rejuvenesce e se veste de flores.

Era uma festa menor, se assim podemos dizer, para os judeus, mas, nos últimos anos, certamente devido a uma maior consciencialização ambiental, vem ganhando importância crescente. Falamos em festa mas devemos acrescentar: de oração e louvor ao Criador, celebrada com jejum “de estrela a estrela” e com promessas de renascimento do próprio homem.

Percorremos mais de mil processos da inquisição para saber se os marranos de Trás-os-Montes celebravam o Tu Bishvat. Apenas encontrámos uma referência, no processo de Afonso Garcia, cristão-novo, no qual vem inserto um “feito crime” contra sua mulher, Ana Fernandes, mulher de uma sensibilidade incrível e que nem direito a processo próprio teve.(1)

Uma das acusações que lhe fizeram foi a de celebrar festas judaicas e fazer os respetivos jejuns, entre eles o jejum do Tu Bishvat. Essa acusação foi feita pelo Dr. António de Valença, o mais célebre Mestre e divulgador das ideias e práticas judaicas entre os cristãos-novos de Trás-os-Montes, também ele preso pela inquisição e que se tornou o maior dos denunciantes de seus pares.(2) Vejam-se as próprias palavras do processo:

— A dita Ana Doce nunca o deixava senão que ele lhe declarasse as festas dos judeus quando vinham e isto com muitos rogos, para as guardar, disse o dito Mestre António que a dita Ana Doce lhe perguntou no dito tempo que jejuns da rainha Ester que se faz no mês de fevereiro que se chama festa do Purim e assim também lhe perguntou pelo jejum do Tu B´shevat e que aquilo lhe perguntava a dita Ana Doce para os jejuar e que lhe dizia a dita Ana Doce que jejuava aqueles jejuns dos judeus.(3)

Confrontada com esta acusação pelo inquisidor Pedro Álvares Paredes, Ana Doce negou, disse que não fazia jejuns judaicos e acrescentou “que não havia pessoa alguma que tal coisa lhe dissesse no rosto”.

Então, o inquisidor Paredes mandou chamar o Dr. Valença, que em outra cela estava preso, para a trazer à razão e a convencer a confessar seus erros.

Seguiu-se uma cena extraordinária, carregada de lirismo, encanto e desilusão daquela mulher. Apesar da sua frieza e da insensibilidade do funcionário da inquisição, nada mais realista do que o texto do processo, escrito pelo notário do santo ofício. Vejam a saborosa descrição:

— Em Évora aos 21 dias do mês de agosto de 1545, na casa do despacho da santa inquisição, depois que eu, notário li o libelo da justiça a Ana Fernandes Doce, mulher de Afonso Garcia, perante o senhor licenciado Pedro Álvares Paredes, que presente estava, e depois de a dita Ana Fernandes ter contestado o dito libelo por negação, disse ao dito senhor inquisidor que não havia pessoa alguma que tal coisa lhe dissesse a ela, ré, no rosto.

E logo o senhor inquisidor disse que para mais brevidade, para que a dita Ana Fernandes dissesse a verdade e confessasse as suas culpas, mandou chamar e aparecer diante de si o autor Mestre António de Valença, preso neste santo ofício, testemunha da justiça, para que, em sua presença, dissesse à dita Ana Doce que confessasse as suas culpas e pedisse misericórdia. E o dito António de Valença, em presença de mim, notário, em se chegando, tanto que viu a dita Ana Fernandes Doce a abraçou e ela o abraçou a ele, Mestre António, perguntando um ao outro como estava.

Ao qual Mestre António o senhor inquisidor lhe disse que lhe dissesse no rosto à dita Ana Fernandes o que dela sabia e contra ela tinha testemunhado neste santo ofício, de coisas tocantes à nossa santa fé católica.

E o dito Mestre António disse à dita Ana Doce que ele tinha confessado seus pecados e culpas e tinha pedido misericórdia, e que a admoestava, da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo e da sua, e lhe rogava que ela confessasse tudo aquilo que tinha feito contra a nossa santa fé católica, porque ele, Mestre António, tinha dito nesta inquisição o que ela sabia; e que ela fosse lembrada que havia 3 ou 4 anos, que ela, Ana Doce lhe perguntara por certos jejuns, quando caíam, para os jejuar. E principalmente pelo jejum do Tu B´Shevat, pelo Purim e por outros que ele Mestre António lhe dissera; e portanto ela olhasse o que lhe cumpria e confessasse a verdade.

E a dita Ana Fernandes disse ao mestre António que zombava e que ela não lhe perguntara tal coisa, e que jurasse ele Mestre António aos santos evangelhos, se era verdade o que dizia e que ela perguntara pelos jejuns e festas dos judeus e ele lhos dissera, e que ele jurasse que ela ouviria.

E o dito Mestre António tomou logo um livro dos santos evangelhos que estava na mesa ante o senhor inquisidor e jurou nos ditos santos evangelhos uma vez e duas que ela dita Ana Doce lhe perguntara pelos ditos jejuns e festas dos judeus e por outras coisas. E lhe dissera que as queria saber para as guardar e jejuar os ditos jejuns dos judeus, como em seu testemunho se continha. E que ele Mestre António lhos dissera.

Ao que ela, a dita Ana Fernandes respondeu que bem podia ela perguntar a ele Mestre António por alguma mezinha para algum dos seus filhos que tivesse doente com lombrigas, e não por aquilo que ele dizia.

E o dito Mestre António tomou outra vez o dito livro dos evangelhos e lhe tornou a jurar neles que dizia a verdade; e que era verdade que ela lhe perguntara pelos ditos jejuns e festas dos judeus, para ela haver de jejuar e guardar como em seu testemunho, e que ele lhos dissera. E que assim mesmo bem podia ser também que lhe perguntasse ela por alguma mezinha para algum dos sitos seus filhos que estivesse enfermo, por ele ser médico.

E logo o senhor inquisidor mandou ao carcereiro que levasse mestre António para o seu cárcere; e depois de levado, a dita Ana Doce disse a ele senhor inquisidor que olhasse sua mercê muito bem por sua justiça, porque ela nunca tal coisa perguntara ao dito Mestre António, como ele agora dissera; mas podia ser que o dito mestre António lhe quisesse mal, por alguma coisa; e que por tanto dizia dela o que ela nunca lhe perguntara.

E o senhor inquisidor a admoestou que dissesse a verdade porque isso era o que lhe cumpria para salvação de sua alma e que esta diligência de trazer o dito Mestre António fizera ele senhor inquisidor para que o dito Mestre António a aconselhasse, para que ela, Ana Doce dissesse a verdade e pedisse misericórdia…(4)

 

Notas:

1 - ANTT, inq. Évora, pº 4637. Afonso Garcia, era cristão-novo, natural de Fermoselhe, morador em Mogadouro onde casou com Ana Fernandes, a Doce, de alcunha. Ambos foram presos pela inquisição, em julho de 1544, acusados e judaísmo. Incerto do processo referido, encontra-se um “feito crime contra Ana Fernandes, mulher de Afonso Garcia, cristã-nova, presa nos cárceres”.

2 - Idem, pº 8232, de António de Valença.

3 - Idem, “feito crime contra Ana Fernandes…” fl. 18.

4 - Idem, fls. 21-23.

À beira do café… ou do vício

Levantam-se cedo e vêm ao café. Trazem nos olhos a longa noite bragançana. E falam dos filhos licenciados que a França e a Alemanha acolheram amorosamente. Os filhos regressam sempre pelo natal e de novo partem e somente ficam as infindas ausências. Os da política vendem os sonhos dum país próspero onde corre leite e mel. Os idosos cismam e amaciam solidões.

— A minha mulher era tão bonita! E de novo regressa ao rio Sabor a lavar a roupa. Os filhos aprendem a nadar e a água é tão azul repleta de peixes que brilham nos remansos. Olhos largos onde não cabem todas as memórias.

A nostalgia não adoça o café do desencanto da vida, da precariedade do emprego, da rotina do funcionário público, das infindas partidas da terra que morre à beira dos montes.

Amacia-se a vida no café. Lê-se o jornal. Fala-se da desilusão do futebol sem profundidade, ou da política sem objetivos. Cheira a gel de banho, a champô para a caspa e quase se adivinham os pensamentos em cada mesa, em cada gesto, onde se calam as saudades da aldeia, do toque para a missa dominical, do jogo do fito, da ida à taberna, ou à horta onde se espreita o renovo.

Comenta-se que um velho político foi para Lisboa, no fascínio da capital, tentando agarrar a vida que lhe foge por entre os dedos. Longe, muito longe ficam os montes. O mundo mudou, mas ele, na sua provecta idade, não deu por isso. Ainda ontem na antiga Grécia os idosos eram os sábios, os homens da polis. Mas na antiga Grécia havia os escravos que trabalhavam enquanto os homens livres se dedicavam ao ócio. A filosofia é filha do ócio, da paciência e do vagar de pensar. Os jovens aprendiam com os idosos, com os pais e não havia conflito de gerações. Só era preciso ter jeito para aprender e um dia o paciente aprendiz seria igual ao seu mestre. Hoje, tudo mudou e a escola rapidamente ensina a aprender, dá competências e ferramentas para a sabedoria e com frequência o jovem que pensa e rompe os paradigmas pode ver mais longe que o seu antigo mestre. E as sociedades mudam, as tecnologias mudam e os paradigmas mudam com a rapidez duma estrela cadente. E o jovem entende muito bem que talvez aquela estrela já tenha morrido há milhares de anos e só agora a sua luz chega à Terra e esta é a novidade da flexibilidade do pensamento. Se os “velhos do Restelo” se calarem e regressarem ao aconchego da casa o mundo será mais feliz e próspero! Os idosos com a sua experiência devem ser um incentivo, um apoio sólido para os mais novos e não um entrave, no desejo mórbido de querer persistir num tempo que já passou.

Admiro-me com a inteligência e lucidez dos nossos jovens que fazem dos sonhos certezas, estudam, leem, investigam, inventam, enquanto certos conservadores que sempre foram velhos e têm medo de arriscar, se refugiam no consolo das grandes ideologias, nas inquestionáveis crenças de Lisboa. Arriscar assusta.

O café está cheio. Uma idosa entra agarrada à esperança. É dia 10, recebeu a magra reforma. Disseram-lhe que sai muito dinheiro nas “raspadinhas”. 

— Talvez seja desta, talvez seja desta! Pague o café e dê-me uma “raspadinha”! Diz para o empregado.

A esperança resiste. Gastou o pouco dinheiro que se tinha. Talvez seja desta! Não foi.

A febre do jogo está a empobrecer mais os pobres e os aflitos!

Uma rapariga sorri: — Joguei um euro saíram-me dois! Já não estou a perder… Joga mais: — Não me saiu nada… paciência!

E joga-se compulsivamente, tentando a sorte. Os jogos imediatos como as “raspadinhas” são extremamente viciantes. Dinheiro fácil e rápido. E ninguém diz nada e ninguém faz nada, em nome da caridade. 

— Fica para a próxima! E quase todos empobrecem mais à beira da sorte e do azar. Mais do azar do que da sorte.

A febre do jogo arruína, a febre do jogo empobrece, a febre do jogo mata os sonhos. Haja misericórdia! Mas todos se calam.

Enfermeiros

Da meninice guardo gratas recordações do Sr. Xuco-polícia destro e bondoso enfermeiro daquela corporação, fumador empedernido, incapaz de prender quem quer que fosse, capaz de injectar na perfeição vacinas e outras curações/curativas, ligaduras e pensos. Também o pai da Geninha (da estrídula publicação de um livro alheio) foi competente enfermeiro na polícia. A Geninha trouxe o livro da casa do autor, o escritor Modesto Navarro, apresentou-o como seu, recebeu hossanas e louvores, depois cumpriu-se o sabido anexim: quem o alheio veste, na praça o despe.

Da adolescência retenho imagens dos sorrisos sinceros de freiras a trabalharem no Hospital da Misericórdia, da sua extraordinária caridade no paciente atendimento de exaltados e silenciosos feridos ou magoados no corpo e a denunciarem carência de afectos e encorajamentos. Não sei se o Senhor Francisco e as Irmãs em causa possuíam habilitações científicas, sei, isso sim, possuírem aptidões no auxílio aos enfermos, fossem eles dos vários estratos da hierarquizada sociedade salazarista. Não sei se a PSP alguma vez salientou o labor de agentes da estirpe do enfermeiro acima referido, estou convencido de o Eleutério Alves já ter homenageado aquelas devotadas Servas pois é grato timoneiro daquela secular Instituição.

Em 1967, embarquei na nau da diáspora, por onde tenho andado a generalidade dos profissionais de enfermagem escalados para me prodigalizarem cuidados tem sido cuidadosos, as excepções (num Hospital afamado) não ofuscam a regrada positividade. Por isso mesmo estranho o tom de farronca dos enfermeiros grevistas ao ribombarem o número de cirurgias desprogramadas deixando os pacientes em maus lençóis, quantas vezes sem cama quanto mais lençóis, angustiados e desesperados dado os seus males serem atirados ao vento indo cair na cova burocrata apressando a abertura do coval de acolhimento dos seus corpos. Mau demais para ser verdade. Mas, é!

O visto, o lido e ouvidos relativamente ao diferendo entre enfermeiros e o governo evidencia um diálogo de surdos fora de quaisquer limites imperando um infantil jogo se sustentação de pulsos, denunciando o aproveitamento da época eleitoral quer dos dirigentes sindicais, quer de António Costa e a ministra temerosa na perda de votos. O sustento dos enfermeiros vai ser averiguado, a sustentação governamental escora-se, em muito, na pouca popularidade deste género de greve muito animada pelo bastão da bastonária a qual manuseia o símbolo do poder profissional como se fosse a Maria da Fonte de corneta na mão a cavalo sem cair, a tocar a reunira. Estamos ante uma Patuleia comandada e sustentada através de plataformas digitais e redes sociais!

Perante a escassez de disposição para uma negociação serena, razoável, levando em linha de conta a situação social de activos profissionais e passivos (idosos e desempregados) num fundo populacional de doentes, incapacitados e indigentes, agride-me o desprezo dos decisores de um e outro lado manifestado aos enfermos pois esgrimem-se argumentos especiosos à vez prevalecendo aquilo que o povo toma como morte lenta.

A morte lenta provoca atitudes sem temperança, angústias de actos desesperados, a jugulação da probidade em negociações de qualquer natureza conduz a uma permanente desconfiança daí a débil vontade na resolução da fractura, não sendo de estranhar o mutismo ruidoso dos bloquistas e comunistas a obrigarem António Costa a designação de greve selvagem. A (a seguir ao 25 de Abril de 74, saiu à estampa elucidativa obra de um anarquista italiano sobre greves selvagens) cuja leitura recomendo.

Esta greve sai fora do cânone usual, a seu tempo vamos saber qual a origem do fundo de greve, para já são doadores abstractos, amanhã nominais, é natural mexidas na lei da greve, o comportamento da geringonça será em verificar, do PSD e CDS também, o Novo Mundo teorizado por Huxley aí está impante picando os miolos de todos quantos defendem normas comportamentais assentes no bom senso, na ética e na moral, relapsos à mesquinhez gulosa porque dá plena autenticidade à máxima “a ocasião, faz o ladrão.”

As “pelotas” do desespero

Os inícios de cada ano são sempre difíceis. Persiste tudo aquilo que o ano anterior não conseguiu “desembaranhar”, e todas as dificuldades, segredos, enigmas, desafios, que colocou na paisagem das nossas existências enroladas agora em cachecóis de nevoeiro. A minha mãe repete isto com alguma regularidade, a vida é complicada (eufemismo). No entanto, a sua vida está reduzida agora a uma infinidade de nadas que se repetem, quase transparentes como as suas mãos que ainda vão fazendo meias coloridas com pelotas da Rua Nova. Mas as nossas vidas são, até ao fim, o lugar frágil e precário destas lutas obstinadas, por vezes grandes mas a maior parte das vezes sombrias, e sem que tenhamos verdadeiramente a certeza nem de vencer nem de ter totalmente fracassado. Será que vamos sempre saber amar os outros? E dizê-lo? E nós mesmos, poderemos contar sempre com o seu amor? Como é que é possível conciliar os desejos, os deveres, as obrigações, as vontades? E onde encontrar a força para cada dia avançar alguns passos mais?

Guardei da minha infância a recordação de muitos serões densos, envencilhados como pelotas de fios, onde nenhum de nós – com um pai muito ausente – sabia como alegrar um pouco os outros nem desfazer os cordéis desta existência confusa que formava uma infinidade de minúsculos nós embaralhados.

Na pequena lojinha de cada vida humana, todos gostaríamos de ter tudo arrumado de forma impecável, todas as cores da alegria e da tristeza bem distintas, as dos sucessos e dos fracassos. Gostaríamos de encontrar, sem ter de procurar muito, uma solução para cada um dos nossos problemas, uma resposta simples para as nossas perguntas. Mas ficamos quase sempre confusos, embaralhados numa confusão de fios. Somos então obrigados a mergulhar nas traseiras da loja, mal iluminada, e na desordem, sem sabermos muito bem se isso nos irrita, nos assusta ou nos comove.

Espaços sentimentais, bazares da existência, mercearias desertas mantidas pelas mesmas velhas pessoas, as últimas que sabem onde se encontra o quê, em que gavetas sombrias e desordenadas. Ninguém, a menos de ser obrigado, pretende entrar nesses escuros e íntimos armazéns dos nossos corações e das nossas almas. Estas lojinhas de humanidade onde cada um tenta, desajeitadamente, puxar uma ponta do fio da sua vida e das suas inúmeras pelotas que se chamam desespero, desencorajamento, inveja, discussão, rancor ou tristeza… A ideia finalmente não é tanto encontrar o fim, mas sim conseguir a paciência de desfazer uma pouco mais cada dia estas temíveis pelotas. E ter a curiosidade de visitar o claro-escuro da nossa loja, procurar os sentimentos mal arrumados, as nossas emoções, os projectos perdidos, os nossos desejos vazios mas tenazes.

Aí pode-se cruzar uma senhora idosa e cansada, que se parece estranhamente com a minha mãe hoje. Deixa cair silenciosamente as suas mãos usadas, cansadas pelo insucesso dos seus esforços. Ou então uma filha que acaba de adquirir um belo vestido com o tecido e as cores do amor. Ou ainda uma amiga perdida nos seus pensamentos, com a sua pelota de lã escura que aperta contra o peito. Por vezes cruzam-se pessoas tranquilas e benevolentes que passam algum do seu tempo connosco, a desembaralhar todas as nossas desordens bem vivas. Muitas vezes desconhecidos. Alguém mais afável. Soldados anónimos na frente tenebrosa das nossas vidas. Alguns com aquelas tesouras enormes e bem afiadas. Assustam-nos. E compreendemos deste modo que algumas feridas são necessárias. Vamos descobrindo que o fio da vida é assim feito de nós, de cortes, de emendas, mal feitas e pouco sólidas. Dura o que durar, diz a minha mãe ao coser um botão ou tricotando o calcanhar das meias ou das roupas rotas ou rasgadas. Tantas coisas que estão presas por um fio, um fio usado em certos sítios, refeito com mil e um fios multicolores.

E o mais espantoso, é que continuemos a ter ainda a força e o desejo de continuar a remendar ou a redecorar tudo isto, a procurar todos os dias na parte mais recuada da loja para encontrar o fio que nos salvará. E nos desenrascará mais algum tempo. Na escuridão, na desordem, o mais reconfortante é fazer parte de toda essa gente, com os nossos fatos de arlequim, cosidos com diferentes pedaços de humanidade, com pedaços recuperados. Cuidado com as lojas demasiado iluminadas e ricamente decoradas, bem ordenadas, com as etiquetas bem visíveis sobre tantas coisas desejáveis. Continuemos a procurar nas traseiras das nossas lojas. Aí não encontraremos o segredo da felicidade nem as receitas do sucesso, mas enfrentaremos a possibilidade de continuar a coser os nossos segredos mais difíceis com doçura e indulgência.

É aqui, bem no fundo desta loja de humanidade que vimos encontrar o silêncio, a presença, sonhar, tentar, reparar as nossas vidas. Uma forma de ecologia, finalmente. Preservar o que deve ser preservado, nem que seja um bocadinho de fio sem pés nem cabeça. Ajudará a viver melhor mais um ano.

 

À boleia de camião pelas estradas da Europa

Ter, 12/02/2019 - 09:57


Como vai a nossa gente boa e amiga? Nós cá vamos acordando vivos todas as manhãs, pois é o melhor pleonasmo da vida.

Agora no Inverno temos a máxima de dizer “está um frio de rachar! Abre o coração, família, que nos queremos agasalhar”. E assim a nossa gente nos vai aquecendo com o seu calor humano, compartilhando o seu dia-a-dia, as suas preocupações, alegrias e tristezas. São muitos aqueles que nos entretêm com o seu talento no mundo do instrumentos musicais, onde o realejo e a concertina são os maiorais, embora também tenhamos acordeões, bandolins, cavaquinhos, órgãos e gaitas de foles, que desta forma ajudam a viver muita gente. A grande vitória da Família do Tio João é que ninguém vive em solidão.