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Esboço falado

 A última crónica deixou-me um sabor a pouco: quem gaste o seu rico tempo e se enfade a ler-nos merece satisfações sobre a razão de ser de algumas coisas que se vão dizendo. “Água mole”, o título da coluna, poderia sugerir que me comparo a esse líquido cujo bater paciente desfaz com o tempo as pedras mais duras, como diz o provérbio. Nessa leitura, eu seria uma espécie de voz racional (que a limpidez da água simboliza) a tentar encarreirar os desviados. Sem contar que tal postura me colocaria num patamar moral pedante e ridículo que não adoto de modo algum, nada haveria mais enganador, por várias razões.

Mesmo admitindo que uns quantos leiam e entendam os alvitres de quem escreve, a gente só se convence do que já está convencida. Tirando o caso dos mais jovens, mudar de ideias, assumir outros pontos de vista, adquirir novas visões do mundo é algo que se procura, nada que possa ser incutido por alguém. De modo geral, por conforto e segurança, buscamos a informação que possa confirmar aquilo que já pensamos, rejeitando a que arrisque pô-lo em causa. Não vemos a realidade, filtramos dela o que nos interessa. Quem algum dia foi facho ressabiado, comuna-bota-abaixo, beato-bolorento, incréu empedernido, coça-esquinas, gata-borralheira, cusca metediço, estou-me-nas-tintas, mãos-rotas, unhas-de-fome, burro-chapado, esperto como um rato, besta-quadrada, bom-serás, múmia-songamonga, arrota-postas, bicho-do-monte, maria-vai-com-as-outras, lampião grunho, andrade troglodita, lagarto malfeitor ou seja o que for, dificilmente virá a ser outra coisa.

Assim sendo, o parecer avulso debitado numa folha de jornal, como outro qualquer, é coisa inócua, o mesmo que dar cães de meias, para usar uma saborosa expressão popular. E percebê-lo até me descontrai, por isentar de encargos que deus me livre querer assumir. Por isso esta “água” refere algo que se evapora sem rasto e “mole”, pouca consistência e menos valor ainda. Por vezes, mas isso se calhar é paranoia minha, receio que a opinião aqui deixada possa mesmo ter efeitos adversos: após os reparos que há tempos expressei quanto aos jardins e zonas verdes (esse reino da arbitrariedade, como deve ser quase tudo o resto), neste inverno abateu-se sobre eles uma sanha destruidora digna de nota.

Daí resulta interrogar-me a toda a hora sobre o sentido que possa ter esta mania de pregar sermões que ninguém encomenda. Tomar a palavra em público quando não é pedida já implica alguma ousadia e embaraço quanto baste. Eu vejo-me ainda consumido pela contradição de ter o anonimato e a discrição como bênçãos e ao mesmo tempo pôr-me a nu, já para não dizer que não é certo que o mundo fosse um lugar melhor se todos pensassem como eu. Assim, a luta entre escrever ou estar mas é quieto é constante e as razões para uma ou outra opção bastante equilibradas. Então por que cargas de água acabo por ceder, apesar de tudo?

Bom, dizer-me alguém na rua que partilha comigo certo ponto de vista não deixa de tocar a corda da pequena vaidade: embora saiba que não me hão de faltar antipatias, se pretendesse ser alheio a algum desejo de reconhecimento, que todos temos, estaria a mentir. Não excluindo tal fraqueza, o impulso de escrever não passa só por aí. Em certos momentos gosto de pensar que é uma singela forma de ação cívica, ou melhor, descargo de consciência, já que em mim mora sempre uma difusa culpa por achar que pouco contribuo para o bem comum. Mas as reservas que referi da dificuldade em comunicar a sério contrariam e muito esse desejo.

Por estranho que pareça dizê-lo, escrevo sobretudo para mim, para arrumar melhor aquilo que penso. No fundo, em qualquer circunstância, falamos mais para nós próprios do que para os outros, é esse o principal papel da linguagem, o de, bem ou mal, nos ajudar a organizar as ideias. Mas ainda nem é bem isso. Talvez a maior utilidade deste gatafunhar consista no seu caráter infantil e lúdico: em recrear-me um pouco com aquilo que vou vendo à minha volta e desfrutar de forma estética dessas experiências radicalmente subjetivas (o meu desporto radical…), por meio das palavras. Simples exercícios de estilo, jogos de que, por me darem grande gozo, não gostaria de abdicar. E por fim, é mais que provável, uma compensação pelas frustrações da vida, sublimação do sofrimento nela acumulado.

Sócrates e eu

José Sócrates, Eng.º Civil, Deputado, Secretário de Estado, Ministro e por último Primeiro Minis-

tro. Firme, determina­do, de uma assertividade que, por vezes, raiava a agressividade, não deixou, por isso, ninguém indiferente à sua governação. Está, hoje em dia, a braços com a acusação de ilícitos criminais que vão desde o tráfico de influências ao alcance de dinheiros públicos passando pelo branqueamento de capitais.

E eu. Eu não conheço José Sócrates. Não tenho para com ele qualquer dívida de gratidão nem tão pouco de lealdade pois nunca fui seu subalterno nem fui, alguma vez, filiado no Partido Socialista. Por outro lado, também é verdade que não me move qualquer animosidade contra o ex-Governante. Este relacionamento, feito de parcelas zero, confere-me isenção bastante para poder apreciar o “caso Sócrates” sem suspeitas de ser tendencioso. E mais insuspeito me torno por não ter intenção nenhuma de o fazer porque apesar dos diferentes níveis de leitura que o caso pode suscitar, como sejam a leitura política, a judicial ou a ética, todos me parecem ou redundantes ou extemporâneos ou descabidos.

Politicamente, o “caso Sócrates”, é um caso encerrado sendo, pois, redundante qualquer análise. O homem foi julgado na Praça Pública, condenadíssimo, a ponto de nem os seus “compagnons de route” se quererem ver ao lado de ele. Sócrates está, politicamente, morto. A tal ponto que chega a gerar algumas empatias (empatias, aqui, no sentido de simpatias suscitadas não pela pessoa mas pela sua situação. Não a empatia na acepção de Prado Coelho). Nem o Partido Socialista está em condições de o propor para qualquer cargo político nem ele está em condições de fazer disputas eleitorais. Mas se politicamente este caso está morto, o seu aproveitamento politico, não.

Judicialmente não se me oferece dizer nada por duas razões: se por um lado não tenho as competências exigidas para fazer qualquer apreciação, por outro não tenho a informação necessária. Tudo quanto sei é das fugas de informação publicadas nos jornais (quem faz fugas de informação, um ilícito criminal, também pode fazer outros ilícitos como difamação) e do “diz que” dos tabloides. Seria extemporâneo e arriscado fazer qualquer conjectura.

Eticamente não tem grande interesse analisar este caso ou outro qualquer pois se o caso estiver de mal com a justiça está automaticamente de mal com a ética. Mas pode estar mal para a ética e não estar mal para a lei. E se a Lei não acompanha a ética, esta não passa de uma mera opinião. Veja-se o caso da pensão de Jardim Gonçalves: 167 mil euros por mês mais uma quantidade infindável de mordomias. E tudo certo, tudo legal, foi o Tribunal que decidiu. Mas eticamente estará certo? Ou o caso dos deputados que davam moradas falsas para terem direito a um subsídio qualquer. Parece que sempre se fez assim, que era a prática corrente e que era aceite logo tudo mais ou menos legal. E a ética? É nesta óptica que aqui dou a minha opinião sobre ética. Não a ética nos comportamentos dos arguidos do “caso Sócrates” , mas a ética em comportamentos que têm o “caso Sócrates” como pano de fundo como sejam os comportamentos do PS, de Fernanda Câncio e de Maria Luís Albuquerque.

O PS, até agora remetido à defesa, escudando-se, e bem, no argumento que só depois de a sentença transitar em julgado é que saberemos a verdade, refugiava-se no silêncio. Mas o surgimento do “caso Manuel Pinho” precipitou as coisas. Os partidos, que querem “sangue” e a humilhação pública dos adversários, chegaram ao ponto de questionarem Ministros actuais por terem pertencido ao Governo de Sócrates como se, por esse facto, inquinados estivessem. O PS não aguentou e então vimos vários dirigentes multiplicarem-se em declarações de tal forma que pareceu um processo de catarse, de esconjuro ou de exorcismo como se o PS tivesse estado possuído no tempo de governação Sócrates. Não ficou bem. Um partido político é como uma família, política, mas ainda assim uma família. E quando um membro de uma família prevarica, a família repreende-o, violentamente até, mas no seu seio que isso não é assunto de rua. Não gostamos que falem dos nossos na praça pública e muito menos dar “achas para essa fogueira”. Bem basta quando tem que ser.

Fernanda Câncio, antiga namorada de Sócrates, que até agora sempre tinha o defendido, de repente mudou a agulha e renegou-o sem se entender bem a oportunidade pois o galo há muito que tinha cantado três vezes. E num jeito muito caro a Filomena Mónica, de levar para a Lota o que se passou debaixo dos lençóis, toca a revelar pormenores íntimos que nós não temos de saber nem queremos saber. Só caracteriza quem o faz.

Maria Luís Albuquerque, armada em estratega eleitoral, declarou que o PSD não pode, de forma alguma, largar o “caso Sócrates” antes das eleições. O PSD não tem culpa do que diz Maria Luís Albuquerque. Aliás, que partido seria aquele que eleitoralmente se afirmasse pelas misérias humanas dos seus adversários? Maria Luís Albuquerque já foi Ministro (às vezes vão buscar cada um…) e no entanto não tem qualquer pejo em brandir dramas humanos como arma de arremesso político. Não olhar a meios para atingir fins é pouco menos que nojento. Resumindo: Maria Luís Albuquerque é aquilo que, a mim, me dá orgulho não ser.

Turismo Sustentável e Coesão Territorial Caso das Terras de Trás-os-Montes - Parte I

Nos anos mais recentes, a atratividade de Portugal conjugada com fatores externos tem permitido um forte crescimento do turismo no país, não de forma homogénea, crescendo muito nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e cidades próximas do litoral, no corredor fluvial do Douro, menos no Interior. Debruçando-nos sobre os dados relativos aos municípios de Terras de Trás-os-Montes, constatamos que assim é.

Da análise da informação estatística constata-se que a taxa líquida de ocupação por cama no país tem vindo a subir, de forma mais expressiva no período e 2014 a 2016, evoluindo de 43,6% para 46,4%. No mesmo período, nos municípios de Terras de Trás-os-Montes, a taxa líquida de ocupação evoluiu de 14,5% para 16,3%. Sendo quase três vezes inferior à média nacional. O município de Bragança é o que apresenta a taxa mais elevada (23,7%), inferior à média nacional (46,4%) e à média regional (37,6%).

A capacidade de alojamento cresceu na Região Norte, no período de 2002 a 2016 à taxa média anual de 6,14% e em Terras de Trás-os-Montes a 5,8% enquanto no período de 2013 a 2016 cresceu 8,7%, ligeiramente acima da média regional. Já no que respeita ao crescimento médio anual do número de hóspedes, foi de 15,1% na Região Norte e em Terras de Trás-os-Montes de 8,7%, cerca de metade da média regional.

É forte o crescimento da capacidade hoteleira e da procura turística no país, de forma concentrada no litoral. A Região Norte representa 15,3% da capacidade de alojamento do país, bastante abaixo do seu peso na economia nacional (29,5%). Nos municípios de Terras de Trás-os-Montes a capacidade de alojamento tem crescido, acompanhando a tendência no país, representa uma proporção equivalente à do PIB pc, tem em termos gerais uma boa capacidade de alojamento é uma baixa taxa de ocupação. A procura é insuficiente para uma melhor rentabilização dos investimentos, por outro a taxa média de crescimento do número de hóspedes, fica bastante abaixo da média regional.

Para que a situação melhore em termos relativos e absolutos é necessário que a taxa média anual cresça, de forma continuada e significativa acima da média nacional e assim, contrariar a tendência atual que corresponde a uma concentração de 93% das dormidas no litoral.

Terras de Trás-os-Montes tem que captar mais turismo interno e criar condições para que alguns dos muitos turistas estrangeiros que chegam ao Porto, sobem o Rio Douro, ou adquirem programas para visitar cidades na Região Norte, mais focados em cidades como Braga, Guimarães, Viana do Castelo, Aveiro etc. ou até em Espanha, caso de Salamanca, cheguem ao Nordeste Transmontano. Deve dar muita atenção à realidade da Região de Castela e Leão que em 2017 recebeu 8,15 milhões de turistas, o que deu origem a 13,57 milhões de dormidas, bastante acima da Região Norte.

Se olharmos para as três cidades espanholas mais próximas de Bragança, com as quais existem relações seculares, projetos de cooperação transfronteiriça que tem vindo a ser executados com êxito, constatamos que estas cidades, Zamora, Salamanca e León, no ano de 2017 foram visitadas por 3,22 milhões de turistas que representaram 5,43 milhões de dormidas. A Província de Zamora, o território nosso vizinho, tem três vezes mais dormidas do que o conjunto dos municípios das Terras de Trás-os-Montes.

A presente reflexão pretende contribuir para a identificação de oportunidades visando o aumento de fluxos turísticos nos concelho de Terras de Trás-os-Montes, com no sentido de promover a economia e a sustentabilidade dos investimentos no setor de hotelaria e restauração, visando a criação de emprego, a fixação de novas competências e o crescimento da economia. Temos recursos patrimoniais e naturais de excelência, cidades atrativas, capacidade hoteleira, é preciso que a política regional seja capaz de promover o território de forma integrada, o que não tem sido feito de forma capaz, que ao nível sub-regional exista estratégia e cooperação intensa e um plano específico de promoção dos recursos turísticos do território, de aproximação a agentes turísticos relevantes e à imprensa da especialidade, esforço que deveria ser apoiado por um plano estratégico nacional para a promoção do turismo no Interior.

A Comunidade Intermunicipal poderá ter que agir em parceria com operadores turísticos, agências de viagens, imprensa especializada e outras entidades privadas e públicas, no sentido de assegurar integração e organização da oferta, a melhoria da formação na área da hotelaria e restauração, a construção de uma estratégia integrada de promoção do território, no mercado interno, dar primazia à ação de cooperação com as cidades fronteiriças de Zamora, Salamanca, León, no sentido de trazer turistas para o Nordeste Transmontano, dos muitos que se dirigem à Península Ibérica, o primeiro destino turístico mundial. 

Abrir novas portas de entrada, com alguma expressão é necessário, como é importante assegurar boas ligações entre concelhos ainda em falta. Há duas portas essenciais a abrir, uma nova ligação entre Bragança e Puebla de Sanábria, em substituição das duas existentes, que é estratégica, permite a saída para norte em várias direções, León, Astúrias, Santander, Galiza e norte da Europa. É o ponto mais próximo de dois importantes corredores europeus de transporte de mercadorias (A4 e A52), ligação que não concorre com o corredor rodoviário da A11/E82 entre Quintanilha e Zamora, via prioritária para todo o Norte de Portugal. Este último troço do IP2 que percorre todo o Interior do País fará a ligação necessária a norte às autoestradas A52, A6 e A66 em território espanhol e também à linha ferroviária de alta velocidade que liga Madrid à Corunha e a Vigo. Também a conclusão do IC5 é importante.

A execução daa ligação fronteiriça entre Bragança e Puebla de Sanábria permitirá estruturar um nó de intermodalidade na Rede Transeuropeia de Transportes (RTE), envolvendo três modos de transporte, o rodoviário, o ferroviário e o aéreo, elimina um bloqueio na fronteira, dando expressão à política de coesão e mobilidade territorial da União Europeia;

Esta ligação é ainda mais relevante face à construção na Puebla de Sanábria da Estação de Alta Velocidade (AVE) da ligação Madrid/Corunha e representa para o Trás-os-Montes e Douro uma oportunidade de desenvolvimento económico em termos industriais e de turismo. Coloca o Interior Norte a um passo da rede ferroviária europeia de alta velocidade, com todas as vantagens económicas associadas. Para isso, a fronteira tem que ser rasgada, no sentido de unir e de permitir o desenvolvimento contra a atual situação de divisão e de isolamento. 

O facto de existir uma infraestrutura aeroportuária é uma razão adicional que fundamenta a importância de se derrubar a barreira da fronteira, para garantir a intermodalidade dos diversos meios de transportes. Iniciado no ano de 1962, o aeródromo municipal, a partir do ano de 2004, passou a dispor de condições de operação noturna, de sistema de segurança de informação e apoio à navegação aérea, possui a quarta maior pista de aviação civil do continente. Dispõe de instalações e serviços certificados e de projetos aprovados pela Autoridade Aeronáutica para melhorias que, com um baixo investimento, permitirão um salto enorme, como porta de entrada e de oportunidade para o desenvolvimento de Trás-os-Montes e Província de Zamora, com ganhos para a economia, melhoria da logística transfronteiriça e da mobilidade de pessoas e bens nos modos de transporte rodoviário, ferroviário e aéreo.

Esta infraestrutura aeroportuária tem como aeroportos mais próximos o do Porto e o de Valladolid a pouco mais de 200 Km, está vocacionada para voos regionais no espaço europeu, deve assegurar complementaridade ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro em particular na perspetiva da rentabilização turística da Bacia do Douro. A articulação com o TGV é uma mais-valia significativa.

A construção da ligação rodoviária entre Bragança e Puebla de Sanábria e o desenvolvimento do aeroporto de Bragança, nas perspetivas de entrada e saída de turistas, da indústria e serviços aeronáuticos é essencial para o futuro de Trás-os-Montes. Sem esta evolução, o turismo continuará a ser pouco expressivo, aqui poderão chegar mais autocarros com turistas, mas o seu número será sempre pouco significativo face ao que é necessário, assegurando plena sustentabilidade no seu crescimento. Entendo que só o transporte aéreo direto a Bragança poderá ajudar Trás-os-Montes a acelerar o crescimento turístico, a rentabilizar investimentos feitos, a promover novos investimentos, a contribuir para contrariar o ciclo de despovoamento, de redução do emprego e da atividade económica, o principal problema da região.  

Fica o alerta, em particular para a Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes e das principais Instituições regionais, no sentido de que a revisão do Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território (PNPOT), atualmente em discussão pública, não poderá omitir de entre outros investimentos, as duas infraestruturas referidas – ligação de Bragança a Puebla de Sanábria e Aeroporto Regional de Bragança - como prioritárias à coesão e à criação de um sistema urbano mais equilibrado, sob pena de todo o empenho e vontade política ao mais alto nível, para resolução dos problemas da interioridade e da coesão territorial, não terem qualquer expressão futura.

Acredito que nos próximos cinco a dez anos, se poderá chegar ou partir de Bragança, para destinos europeus, em voos feitos a partir do Aeroporto Regional de Bragança, viajar de automóvel, de Bragança até à estação do TGV na Puebla de Sanábria, por uma via nova com características de Itinerário Principal, e a partir daí para qualquer destino europeu, viajando em comboio de Alta velocidade. Nessa altura a centralidade geográfica de Bragança no contexto ibérico estará bem evidenciada através do sistema de intermodalidade de transportes, verdadeira alavanca para afirmar uma nova centralidade económica regional.

Desejo que o Plano Nacional de Políticas de Ordenamento do Território, agora em discussão pública, documento indicativo de grandes linhas de estratégia de políticas públicas, no domínio das políticas territoriais, sociais, económicas, de conectividade e do sistema urbano, Plano que deverá apoiar a definição da estratégia regional para a utilização das ajudas da União Europeia, venha a incluir no sistema de conectividade, o aeroporto regional de Bragança e a ligação à Puebla de Sanábria, o que não acontece na versão em discussão. Se assim não for, o risco de o “Plano Nacional de Investimentos” não os vir a incluir é elevado, e nessa altura estaremos a agravar os problemas da interioridade, a não ser capazes de vencer os problemas da coesão territorial, a ficar ainda mais para trás na política urbana e na política rural.

Aristóteles referiu, “ A Esperança é o sonho do homem acordado”. Nenhum português, nenhum cidadão que viva no Interior, pode perder a Esperança de viver num país mais igual em termos sociais e do território, de valorizar o potencial do todo nacional, de assumir, mesmo com os graves problemas demográficos, que o território de fronteira é a interface de desenvolvimento das relações com o país vizinho e que o Interior não são as costas do litoral.

Maio de 2018

 

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Pero Henriques Julião (Torre de Moncorvo, 1565-1634)

Pero Henriques Julião nasceu em Torre de Moncorvo cerca de 1565. Seu pai, Julião Henriques, era médico e, por 1570, vivia em Castela, na localidade de Vilvestre, sendo acusado perante o inquisidor Jerónimo de Sousa de ter participado numa celebração judaica em Freixo de Espada à Cinta.(1) A mãe, nascida em Vila Flor, chamou-se Branca Coutinho e vinha de uma família principal da burguesia local hebreia, sendo neta materna de Manuel Coutinho, certamente batizado em pé, que foi criado de Álvaro Pires de Távora. Mas isso não impediu que a filha (Brites Coutinho) e o genro (Leonel Fernandes),(2) pais de Branca Coutinho, avós de Pedro Henriques Julião, fossem presos pela inquisição de Coimbra em 1568, acabando ela queimada na fogueira do auto da fé de Lisboa de 20.8.1570.

Não menos importante era a família de Francisca Vaz, a mulher com quem casou Pedro Henriques Julião, neta materna de Pedro Henriques, o Cavaleiro que acompanhou el-rei nas campanhas pelo norte de África.

O casal fixou residência em Torre de Moncorvo, na Rua dos Sapateiros, em uma casa de sobrado avaliada em 80 mil réis, que confrontava com a do boticário Álvaro Nunes.(3) Pedro Julião pertencia à classe aristocrática dos rendeiros e, por isso, andava constantemente fora de casa na cobrança das rendas. E viajava com regularidade, sobretudo para Braga, onde ia arrematar as rendas arcebispais.

Para além disso, ele era “depositário geral das obras públicas deste reino”, cargo de nomeação régia, sob proposta conjunta do corregedor e do provedor da comarca e cujas funções poderíamos, numa comparação grosseira comparar nos dias de hoje às de “banqueiro” e, em simultâneo, “diretor regional de finanças”. O cargo exigia uma grande capacidade financeira,(4) a qual justifica também que Pedro Julião fosse nomeado repartidor e cobrador, na área da comarca, da finta lançada entre os cristãos-novos portugueses, como “serviço a el-rei Filipe”, para obtenção do perdão.

Para além de rendeiro, Pero Henriques, era um verdadeiro empresário agrícola, explorando um olival à Fonte do Concelho, outro ao Vimieiro, outro ao Prado e um na freguesia de Horta da Vilariça. Porém, o maior de todos era o das Porreiras que valia mais de 500 mil réis. Era ainda proprietário da Quinta do Montesinho, que começava ao fundo da Rua dos Sapateiros. Tinha um pedaço de vinha à Pipa e um sumagral no Vimieiro. O sumagre recolhia-o em dois palheiros e o moía, para o que dispunha de uma atafona, cuja localização não conseguimos apurar.

Em 1618, a inquisição lançou uma grande operação sobre a classe mercantil portuense, prendendo, nomeadamente, alguns que eram originários de Vila Flor e Torre de Moncorvo,(5) que, por sua vez denunciaram Pero Julião e outros, originando o seguinte despacho dos inquisidores de Coimbra:

— Mandamos a João da Costa, familiar da inquisição, morador nesta cidade, que vades à vila de T. Moncorvo e Vila Flor e ali vos encarregareis das pessoas que vos derem presas…(6)

Dois dos prisioneiros levados de Torre de Moncorvo foram Pero Henriques Julião e Manuel Rodrigues Isidro,(7) possivelmente os dois homens mais endinheirados da terra e as duas maiores referências daquela geração de gente da nação de Torre de Moncorvo.

Olhando o processo de Julião, diremos que, em sua defesa, indicou testemunhas da mais alta nobreza e do clero, a começar por Diogo de Sampaio, cavaleiro fidalgo do hábito de Cristo, pelo arcediago da sé de Braga, Pedro da Fonseca e pelo reitor da igreja matriz de Torre de Moncorvo, padre João Lopes. Todos as testemunhas ouvidas o consideravam cristão exemplar, irmão da Misericórdia, membro das confrarias de Santo António e da Senhora do Rosário. E referiram que, quando se tratou de fazer o retábulo do altar da Senhora do Rosário, na igreja matriz, Pero Henriques Julião, se responsabilizou pelo pagamento de um painel do mesmo retábulo.(8)

De referir também que as duas denúncias registadas no processo, uma de Tomé Vaz, negociante do Porto e outra de Pedro de Matos, morador em Lagoa, Macedo de Cavaleiros, foram feitas depois de Pedro Julião estar preso em Coimbra, significando isto que os inquisidores de Coimbra mostravam então pouco respeito pelo regimento da inquisição.

Concluiu-se o processo dois anos depois, com o réu a abjurar de leve suspeito no auto da fé de 29.11.1621, regressando a casa onde o esperava sua mulher, 3 filhos e 3 filhas, então todos solteiros. Apesar de tudo o que a inquisição lhe comeu, a sua casa continuaria a crescer, acrescentada nomeadamente com 3 moinhos na ribeira de Santa Marinha, no termo da aldeia de Felgueiras, conforme conta do processo de sua mulher, geridos pelo moleiro, seu criado, Francisco Brás. Pedro H. Julião viria a falecer por 1634, contando 69 anos de idade e deixando casadas as 3 filhas(9) e os filhos solteiros. Um deles faleceu logo de seguida, outro andava pelas Índias de Castela e o terceiro assistindo em Vigo, de onde abalaria mais tarde, “não sabe para onde”, conforme testemunho de sua mãe.

Francisca Vaz, sua mulher, viria a ser também presa pela inquisição em Julho de 1641. Requerendo a prisão de Francisca Vaz, suas filhas Filipa e Branca e seu genro Manuel Henriques Pereira, o promotor justificava:

— Lembro a vossas mercês que a Torre é terra nova em que importa ao serviço de Deus entrar a inquisição que fez muito fruto entrando também por testemunhos de cerimónias em Quintela (de Lampaças) e em Sambade.(10)

O processo de Francisca foi iniciado em Torre de Moncorvo pelo vigário-geral do arcebispo de Braga e comissário da inquisição, o Dr. Paulo Castelino de Freitas que viria a ser inquisidor do tribunal de Goa. A vida desta mulher no cárcere foi verdadeiramente dramática, sendo-lhe dados “três tratos corridos” que a deixaram à beira da morte. Com efeito, nem sequer compareceu no auto da fé de 12.7.1644, em que seria lida a sua sentença. “Estava para morrer, sem sentidos”, conforme ficou escrito no processo.

 

Notas:

1 - Inq. Coimbra, livro 662, visitação do inquisidor Jerónimo de Sousa em Torre de Moncorvo: — Bartolomeu Fernandes (…) disse que haverá 11 anos, morando ele com Álvaro Vaz, cristão-novo, mercador nesta vila e agora está casado com uma irmã de Julião Henriques (…) e indo uma vez a Castela com panos, passaram a barca de Vilvestre de noite e se vieram agasalhar a Freixo de Espada à Cinta, em casa de uma viúva, Francisca Rodrigues (…) estalajadeira e ali veio ter com o dito seu amo Julião Henriques, físico, que então morava em Vilvestre e agora mora em Vila Flor (…) depois de se deitar, fez que dormia e o dito seu amo, com os mais cristãos-novos, a estalajadeira e duas filhas suas mulheres se juntaram junto do fogo e mandaram pôr uma mesa com um alambel por cima, e puseram duas velas em dois castiçais, acesas na dita mesa e entre estas velas puseram um livro de quarto que poderia ter duas mãos de papel e o abriram e cada um deles lia pelo dito livro e o primeiro que começou a ler foi Julião Henriques…

2 - Inq. Lisboa, pº 2182, de Leonel Fernandes; pº 807, de Brites Coutinho.

3 - Tinha também casas que trazia arrendadas, uma delas no Prado de Cima, junto “à cruz de Bragança”, outra defronte da casa de Diogo Sampaio, outra que partia com os herdeiros de Pedro da Mesquita, além de duas que serviam de armazéns, ao fundo da Rua dos Sapateiros…

4 - O depositário que o antecedeu foi Domingos Henriques, filho de Pero H. Cavaleiro.

5 - O nome de Feliciana Henriques, natural de T. Moncorvo, casada com o ourives Álvaro Rodrigues Preto, integrava a primeira lista de pessoas a prender na cidade do Porto. Tal como o de Tomé Vaz, advogado, que tinha “algum parentesco” com Pedro Julião e o primeiro a denunciá-lo.

6 - Inq. Coimbra, pº 5814, de Pedro Henriques Julião.

7 - Inq. Coimbra, pº 448. ANDRADE e GUIMARÃES, Os Isidros a Epopeia de uma Família de Cristãos-Novos de Torre de Moncorvo, Lema d´Origem, Porto, 2012.

8 - O altar da Senhora do Rosário foi posteriormente substituído. Dele resta um painel da Senhora do Rosário que foi metido no retábulo que hoje ornamenta a sacristia da igreja matriz, segundo informação do falecido sacristão, Sr. Júlio Dias.

9 - Catarina Henriques, nascida por 1600, casou em S. João da Pesqueira, com Manuel Francisco da Mesquita, que faleceu por 1656, morando o casal na cidade do Porto e ela, ficando viúva, foi presa pela inquisição, terminando queimada na fogueira do auto da fé de 3.5.1660; Filipa Henriques, casou em Vila Flor, com António Henriques Alvim, rendeiro e sendo já viúva em 1641, foi presa pela inquisição, saindo penitenciada em cárcere e hábito; Branca Coutinho casou em Torre de Moncorvo com Manuel Henriques Pereira, também rendeiro e, como as irmãs, também ela foi prisioneira da inquisição.

10 - Inq. Lisboa, pº 5022, de Francisca Vaz.

Dieta do Paleolítico – A realidade

Em linhas gerais, os criadores desta dieta asseguram-nos que a alimentação praticada pelo Homem do Paleolítico, ou seja, há cerca de 2,5 milhões de anos, se mantém a mais saudável para os dias de hoje. Garantem que o nosso organismo não evoluiu, desde então, o suficiente para processar o novo estilo alimentar que foi adotado após o surgimento da agricultura e da domesticação dos animais (há cerca de 10 mil anos).

Requiem por Trás-os-Montes

Ter, 26/06/2018 - 11:51


A cada novo dia parece estarmos destinados a acordar para o sobressalto, para a angústia que rói o ânimo e segreda a resignação, para a canseira de teimar que o país poderia encontrar outro rumo de ocupação equilibrada do território, com vantagem para os cidadãos do presente e do futuro.