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O rei vem nu

Ao contrário do que se tem dito, o governo não vai acabar com os chumbos no ensino básico. É impossível acabar com o que não existe, e como é bem sabido nesse grau de ensino já há muito que passar por atacado é uma prática corrente, chumbar um fenómeno residual. O que parece que se vai fazer é deixar de fingir. Se pensarmos que a avaliação de si, dos outros e do meio facilita a sobrevivência de todos os seres vivos e permeia toda a vida em sociedade, ela só pode ser encarada como um assunto sério. Mas não o é para nós, que estamos sob a batuta de ideias que há décadas operam tanto a partir de dentro como de fora e distorcem a realidade para a meter à força dentro delas. Do ponto de vista dessas ideias o sucesso não é algo que se deseje ou conquiste com mérito ou esforço, antes uma obrigação com que se nasce. E fiéis a esse princípio indiscutível, a nossa distorção tem consistido em registar em papeis números forjados e chamar-lhes sucesso, sabendo que grande parte dos alunos não o pode ou mesmo não o quer ter. É verdade que não faz muito sentido encerrá-los contra sua vontade das oito e meia da manhã às cinco da tarde durante nove anos e depois dizer-lhes que não fizeram as aprendizagens que deviam ter feito, até mesmo por grande parte deles não estar para aí virada. Também não é muito racional reprová-los a partir do momento em que se sabe que não aprendem mais por reprovar e repetir anos. Mas o ponto não é esse. O ponto reside numa coisa que vamos buscar à psicologia da aprendizagem chamada reforço, com a qual se deve contar quando se educa. O reforço é o sinal dado à criança de que o que ela faz está ou não de acordo o que queremos que aprenda. Se está, deve ser sancionada com uma recompensa. Se não, recebe uma penalização. Mesmo que penalizações e recompensas possam assumir diversas formas, o reforço é obrigatório quando tencionamos educar para valores, aquilo que implícita ou explicitamente se faz sempre. Mas como disse o nosso ensino público é gerido ideológica e não cientificamente, e visto como uma instituição de caridade cuja função é oferecer sucesso a todos. Como a realidade nunca poderia sustentar tal pretensão, temo-nos saído comodamente do enrascanço simulando que grande parte das crianças aprende o que não aprende e adquire valores que não adquire. E é assim que nele trabalho e cabulice, empenho e deixa-andar, bom e mau comportamento, civismo e desrespeito, contenção e violência são todos igualmente reforçados com recompensas. À primeira vista até pode parecer generoso, solidário, igualitário, mas uma avaliação divorciada do que as crianças de facto fazem incute-lhes crenças que estão em flagrante conflito com a realidade e deforma-as para toda a vida. É que este caldo de cultura é pouco propício a que se desenvolvam intelectualmente. Não precisam. Não sendo estúpidas, sabendo à partida que o que querem lhes vai ser oferecido mesmo que decidam dormir à sombra da bananeira, depressa constatam não haver motivos para grandes dores de cabeça. O sucesso está-lhes à partida assegurado, mas se de alguma forma isso não acontecer sentir-se-ão revoltadas e vítimas de quem, espezinhando os seus direitos, lho devia trazer à mão e não o faz. Porque o panorama piora em termos éticos, dada a dificuldade que nesse meio têm em adquirir a noção do seu valor, em estabelecer ligações entre aquilo que são e aquilo que acontece com elas e à volta delas, em saber o que é responsabilidade, encarada geralmente como coisa alheia. Acreditando que os atos não têm consequências, sem noção dos limites, o mundo é todo deles e tudo é permitido, inclusive mais tarde, talvez, espancar os jogadores do clube do coração porque se atrevem a não ganhar os jogos que deviam. Grave, como se pode imaginar, mas a gravidade é sempre relativa: passar sistematicamente de uns anos para os outros fazendo pouco ou nada por isso também as convence de que a viciação da verdade, principalmente por quem as anda a ensinar, é uma conduta normal e aceitável. O ensino básico chama-se assim porque o seu objetivo, reafirmado em centenas de textos, é formar a base da personalidade dos futuros adultos. E muito por intermédio desta avaliação tem-no feito, embora produzindo grandemente o contrário do que diz. Por isso seria mesmo mais honesto acabar de vez com ela, ementes não se arranja algo mais ajuizado para fazer.

O Juízo do Ano

Não esqueço o Seringador no fluir dos dias, menos ainda no final de cada ano. O Seringador cirandava o ano inteiro entre a cozinha e a sala, além das facécias educadas, do quadro com os movimentos da lua, informações úteis num conspecto de sociedade rural, urbana e citadina, o frágil almanaque folheava-se rapidamente, no entanto, era lido vagarosamente e mastigado no gastar petróleo dos longos serões invernais. As candeias alumiavam os soturnos espaços, quando bruxuleavam, os ouvintes pediam explicações ao soletrador, mormente no comentário ao balanço do ano; o artigo de fundo, o dito Juízo do Ano. Enquanto li de fio a pavio o homem das seringadelas empenhava-me em na descoberta dos alçapões contendo subtilezas até políticas. Ao fixar-me no Ribatejo tomei contacto com o Borda d`Água similar nos intentos, porém sem o tempero gracioso do irmão nortenho. Pode parecer anacrónico trazer à liça um Almanaque marcado pelo tempo em época de vertiginosa volatilidade, quando se reveste da maior importância robustecer a memória do bom e do péssimo de maior saliência ocorridos nos anos passados dos quais a História regista em primeiro ligar e os feitos dos vencedores, dos vencidos pouco rezam as crónicas e cronicões. Por exemplo: o principal feito (na minha opinião) acontecido no Nordeste em matéria cultural foi a atribuição do galardão de Património Imaterial da Humanidade aos Caretos e Chocalheiros de Podence, no entanto, uma badalada e baldada anterior candidatura bem mais ambiciosa territorialmente e de conteúdos borregou (termo ribatejano) estrepitosamente. Os Caretos ganharam e ganharam bem. Porque nunca o invejoso medrou nem quem ao pé dele morou, já se anunciam novas candidaturas, a exemplo do crescimento de cogumelos em estação chuvosa, ou então das Confrarias gastronómicas do furgalho e das cascas de amêndoa, sem valimento para lá da festança de encher a pança. A pulsão da inveja ganhou rotundidade e continuará a ganhar trazendo no bornal denúncias, relatos escabrosos e afins. O juízo do ano da minha lavra, rótula de erro profundo a intenção de a delação ser premiada, a Senhora ministra, certamente, nunca leu um processo da Inquisição iniciado através de uma denúncia, se tivesse lido talvez tivesse evitado cair na tentação de premiar os bufos imitando a sinistra PIDE. A nossa prática de denunciantes do torto e do direito iniciou-se há séculos, judeus e cristãos-novos, republicanos e monárquicos opositores a Salazar, são reluzentes exemplos da danação da bufaria, documentos depositados na Torre do Tombo atestam a infâmia da denúncia premiada a todos os níveis, desde os lusitos, a Mocidade Portuguesa a gente de variadas proveniências e funções enodoaram seus semelhantes utilizando nefandas vilezas. De modo interesseiro mas justo, desejo a concretização de efectivas medidas de apoio à imprensa em geral e à regional em particular. Os jornais em papel desaparecem a olhos de visão curtíssima, escrevo em dois digitais porque os custos assim exigiram o fenecimento do papel, o panorama é um buraco negro, impera o efémero, o jornal em cima da mesa da casa de cada um praticamente desapareceu, urge consciencializarmos (a sério) do seu papel instrumental na formação cultural nas comunidades, por essa e as outras razões latentes todos quantos persistem na defesa da imprensa palpável merecem hossanas e louvores traduzidos nos anunciados apoios, só palavras não sustentam ninguém. O tema da regionalização reapareceu na agenda mercê das aspirações de políticos do Norte e de Trás-os-Montes soprados inviamente, enquanto Marcelo for fonte de poder pouca água tentará a sede de mando dos adeptos do inútil costuramento do território português, de qualquer modo todos quantos a rejeitam têm de continuar atentos e prontos a entrarem no combate esgrimindo argumentos a concederem ânimo e fortalecer a desconfiança dos eleitores acerca dos aspirantes a reis de bazófias num reino pobre, periférico e pequeno. O povo é quem mais ordena, ordenará melhor, imitando os homens bons de outrora se estiver correctamente informado relativamente às verdadeiras consequências da regionalização de maneira a conscienciosamente votar no referendo. A golpada concebida por Moreira e Medina abortou. Espero que seja sem efeitos retroactivos. Votos de novo Ano repleto de prosperidades.

Vendavais: As sombras que ficam

Está chegar ao fim mais uma década. A segunda do século XXI. Para a Europa, para Portugal e para o Mundo, ficam para trás momentos maus, muito maus e poucos bons. Esta década foi marcada essencialmente por uma crise que se estendeu ao mundo inteiro. Foi um “recado” dos EUA para todo o mundo. A sobrevivência trouxe à tona os males de que enfermam muitas das economias e o agrilhoamento a que ficaram sujeitas nas próximas décadas. É conveniente não esquecer isto. É uma realidade amarga, mas que se não pode descartar. Os vários países europeus, especialmente a França, viveu momentos bárbaros com o terrorismo demonstrado na discoteca Bataclain e o ataque ao periódico Charlie Hebdo. No primeiro, 129 mortos e 350 feridos. No segundo, entre 7 e 9 de Janeiro de 2015, mais dezanove mortos e uma série de feridos. Enfim. A Europa a servir de caixa de ressonância de uma barbárie imensa pertencente a espíritos menos esclarecidos, cujo som atingiu mesmo os que não gostavam de música! A caminho do fim da década, a Inglaterra desafia a união desta Europa atribulada e muito preocupada, não só com o terrorismo, mas com uma economia titubeante e com uma política de extrema-direita a assumir patamares incalculáveis, desafiando a democracia à qual teimam em pertencer. O Brexit levantou ondas de contestação e revolta, mas acabou por vencer depois de mais um ato eleitoral. A Inglaterra vai separar-se de uma União a que nunca quis pertencer “de facto”, mas com a qual contava para resolver alguns problemas, ou talvez não. Até quando? A violência contra a produtora brasileira “Porta dos Fundos” é censurável, como se pode imaginar, mas não basta ficar por aqui. É necessário dizer que o humorismo envolvendo personagens bíblicas é ofensivo para qualquer cristão. E apresentar um sketch onde Jesus aparece como homossexual, envolto numa charada insultuosa e ultrajante é simplesmente execrável. A liberdade de expressão não permite injuriar seja quem for, muito menos quando referenciando figuras bíblicas, se vai atingir quem tem a Fé como intrínseca e algo de seu. O humor também tem limites, tal como a liberdade. A Austrália despede-se da década em chamas. Milhões de hectares ardidos em mais de dois meses. A impotência do homem contra a força da Natureza! Famílias destruídas, casas desaparecidas no turbilhão das chamas imensas. O avanço formidável da ciência não chega para combater as chamas devastadoras. A sombra que fica depois de desaparecerem as árvores que a davam gratuitamente! Em Portugal, também as despedidas não são famosas. A política continua a mesma e o próximo orçamento não traz nada de novo. Críticas, ameaças, promessas e pouco mais. De um lado e do outro, o confronto verifica-se, mas nada adianta. Quem vai sofrer com esta guerra de palavras é o zé povinho, como sempre. E não será o SNS que vai curar as feridas. A realidade deste serviço é bem diferente do que se apregoa no governo. Os hospitais estão a rebentar pelas costuras. Não há médicos. Não há enfermeiros, mas há muitos doentes. Infelizmente. Rui Rio diz que a gestão do Serviço Nacional de Saúde foi catastrófica e possivelmente tem razão. O que o governo sabe arvorar como vitória é a gestão privada de alguns hospitais que tiveram algum lucro, mas quanto aos muitos outros, nada se diz. A luta dentro do PSD, é outra atividade ensombrada pelos próprios concorrentes. Todos querem ser presidentes, todos prometem ser diferentes, todos querem ser primeiros-ministros. Rui Rio vai recandidatar-se, obviamente. Nada teme. Como disse, se perder, sai da política e vai embora. Tem mais que fazer, claro. Em Janeiro logo se saberá. Até lá há sombras no ar. A Elsa e o Fabien, juntaram-se para fazer dançar o país, ao som de uma música inusitada e pouco frequente. De um momento para o outro, o centro e norte do país, viraram uma pista de dança imensa onde todos beberam demasiado. Depois de uma quase seca, o Douro pulou veredas e barreiras e o Mondego caiu para o lado e encharcou tudo na queda descontrolada. Coimbra quase se afundou no meio da ameaça. Foi o resmungar do rio depois da ressaca. Agora vem o governo dizer que algumas das aldeias atingidas, deverão ser mudadas de sítio. Mudadas de sítio? Sempre estiveram lá e nunca se queixaram. Que ameaça é esta? Ainda é pior que a que o próprio rio traz! Em nome de quê e de quem é que se pode dizer a um povo inteiro, “vão ter de siar daqui”? Erros de governos anteriores levaram a esta situação, erros onde o interesse económico esteve sempre em primeiro lugar e agora continua. E assim, vive ensombrada toda esta gente, à espera de uma mudança que não desejam de modo algum. Enfim! No meio de tudo isto, não podemos dizer que fosse improvável, o livro “As cem sombras de Grey”, ser o mais vendido nesta década! Tudo tem a sua razão de ser!

Haja saúde

Considera-se que o último mês do ano deva ser, em termos pessoais, um tempo de balanço e reflexão sobre o que foram os trezentos e muitos dias anteriores. Para o mundo empresarial e, também, para as associações, para além do cumprimento das obrigações fiscais, é altura de aprovar os planos de atividades e orçamentos previsionais do ano seguinte. Como os tempos não são de silêncio, pouco se irá refletir sobre o que se fez, e como a maioria não tem empresas nem associações também não necessita de se preocupar com o novo ano em termos orçamentais nem necessita de ver as atividades aprovadas por um punhado de associados, havendo tempo para ouvir falar do protagonismo de Greta Thunberg, em detrimento das conclusões da cimeira do clima, e da análise que o líder do PSD irá fazer do orçamento. Pelo meio, continuam a aparecer os problemas da área da saúde com a sobrelotação dos hospitais, a falta de enfermeiros e a carência de médicos. Sobre os últimos é de facto incompreensível para a opinião pública ouvir falar da falta de recursos em saúde, há mais de uma década, e não se conseguirem implementar políticas de fixação nas zonas de maior carência. Em consequência, já não se permite pensar em não haver vontade política, mas fica-se com a sensação de que há forças dentro da própria classe que pretendem não ver resolvida esta situação, independentemente das consequências que possa ter para milhares de portugueses. Por isso, não só não se compreende porque não aumenta o número de vagas nas universidades, como é possível questionar o chumbo ao novo curso de medicina que a católica queria abrir já no próximo ano letivo, sendo este (o chumbo) fundamentado no facto do sistema de saúde não possuir capacidade de absorção do número de alunos que concluem os cursos e o risco que instituições e ofertas formativas já acreditadas correm dada a proximidade entre a católica e tais institutos ou faculdades. Também o modelo de gestão hospitalar que vigora, desde a década de noventa, não conseguiu corresponder às expectativas, acentuando as assimetrias e prolongando os tempos de espera, seja da primeira consulta ou das seguintes, seja dos exames de diagnóstico ou terapêuticos. Com efeito, o modelo de gestão empresarial aplicado à saúde apresenta tão bons resultados quantos os que se verificam no sector da educação quando se discute o custo do aluno bem como o preço da reprovação ou do sucesso refletido nas estatísticas. Também o modelo de gestão integrada ficou aquém das expectativas e, ao que parece, o que melhores condições oferecia os utentes seria a concessão a entidades privadas o que, por questões ideológicas, não mereceu aprovação da maioria dos partidos de esquerda que continuam a ver neste modelo uma forma de financiar os interesses dos grandes grupos económicos. O modelo de gestão empresarial parece ser o que, em termos políticos, mais consensos agrega. Todavia, é também aquele que mais falácias apresenta desde a sua concepção face aos propósitos para que foi criado. Com efeito, se há um conselho de administração ao qual se atribuiu um presidente com funções claramente definidas e responsável pelas dinâmicas implementadas, desde os cuidados de saúde primários, não é menos verdade que a inexistência de autonomia financeira impede a concretização de todas as medidas que se pretendam implementar em cada região de acordo com as suas especificidades. Por outro lado, as cativações que têm sido feitas apenas têm contribuído para a degradação dos serviços e a desmotivação dos recursos humanos que não veem as suas reivindicações satisfeitas, os horários de trabalho alargados e as equipas cada vez mais reduzidas. Por isso, e quando se afirma que o próximo orçamento de estado vai apresentar um reforço de oitocentos milhões de euros para o sector da saúde, dando um primeiro passo para acabar com a suborçamentação nesta área, não poderemos olhar para esta rubrica como uma medida positiva que irá, finalmente, colocar o SNS no caminho da modernização e da qualidade. Quando muito, este valor irá reduzir em algumas décimas o valor percentual da dívida, já que no momento em que for alocado a cada uma das áreas irá verificar-se que resta apenas uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.