O Juízo do Ano

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Não esqueço o Seringador no fluir dos dias, menos ainda no final de cada ano. O Seringador cirandava o ano inteiro entre a cozinha e a sala, além das facécias educadas, do quadro com os movimentos da lua, informações úteis num conspecto de sociedade rural, urbana e citadina, o frágil almanaque folheava-se rapidamente, no entanto, era lido vagarosamente e mastigado no gastar petróleo dos longos serões invernais. As candeias alumiavam os soturnos espaços, quando bruxuleavam, os ouvintes pediam explicações ao soletrador, mormente no comentário ao balanço do ano; o artigo de fundo, o dito Juízo do Ano. Enquanto li de fio a pavio o homem das seringadelas empenhava-me em na descoberta dos alçapões contendo subtilezas até políticas. Ao fixar-me no Ribatejo tomei contacto com o Borda d`Água similar nos intentos, porém sem o tempero gracioso do irmão nortenho. Pode parecer anacrónico trazer à liça um Almanaque marcado pelo tempo em época de vertiginosa volatilidade, quando se reveste da maior importância robustecer a memória do bom e do péssimo de maior saliência ocorridos nos anos passados dos quais a História regista em primeiro ligar e os feitos dos vencedores, dos vencidos pouco rezam as crónicas e cronicões. Por exemplo: o principal feito (na minha opinião) acontecido no Nordeste em matéria cultural foi a atribuição do galardão de Património Imaterial da Humanidade aos Caretos e Chocalheiros de Podence, no entanto, uma badalada e baldada anterior candidatura bem mais ambiciosa territorialmente e de conteúdos borregou (termo ribatejano) estrepitosamente. Os Caretos ganharam e ganharam bem. Porque nunca o invejoso medrou nem quem ao pé dele morou, já se anunciam novas candidaturas, a exemplo do crescimento de cogumelos em estação chuvosa, ou então das Confrarias gastronómicas do furgalho e das cascas de amêndoa, sem valimento para lá da festança de encher a pança. A pulsão da inveja ganhou rotundidade e continuará a ganhar trazendo no bornal denúncias, relatos escabrosos e afins. O juízo do ano da minha lavra, rótula de erro profundo a intenção de a delação ser premiada, a Senhora ministra, certamente, nunca leu um processo da Inquisição iniciado através de uma denúncia, se tivesse lido talvez tivesse evitado cair na tentação de premiar os bufos imitando a sinistra PIDE. A nossa prática de denunciantes do torto e do direito iniciou-se há séculos, judeus e cristãos-novos, republicanos e monárquicos opositores a Salazar, são reluzentes exemplos da danação da bufaria, documentos depositados na Torre do Tombo atestam a infâmia da denúncia premiada a todos os níveis, desde os lusitos, a Mocidade Portuguesa a gente de variadas proveniências e funções enodoaram seus semelhantes utilizando nefandas vilezas. De modo interesseiro mas justo, desejo a concretização de efectivas medidas de apoio à imprensa em geral e à regional em particular. Os jornais em papel desaparecem a olhos de visão curtíssima, escrevo em dois digitais porque os custos assim exigiram o fenecimento do papel, o panorama é um buraco negro, impera o efémero, o jornal em cima da mesa da casa de cada um praticamente desapareceu, urge consciencializarmos (a sério) do seu papel instrumental na formação cultural nas comunidades, por essa e as outras razões latentes todos quantos persistem na defesa da imprensa palpável merecem hossanas e louvores traduzidos nos anunciados apoios, só palavras não sustentam ninguém. O tema da regionalização reapareceu na agenda mercê das aspirações de políticos do Norte e de Trás-os-Montes soprados inviamente, enquanto Marcelo for fonte de poder pouca água tentará a sede de mando dos adeptos do inútil costuramento do território português, de qualquer modo todos quantos a rejeitam têm de continuar atentos e prontos a entrarem no combate esgrimindo argumentos a concederem ânimo e fortalecer a desconfiança dos eleitores acerca dos aspirantes a reis de bazófias num reino pobre, periférico e pequeno. O povo é quem mais ordena, ordenará melhor, imitando os homens bons de outrora se estiver correctamente informado relativamente às verdadeiras consequências da regionalização de maneira a conscienciosamente votar no referendo. A golpada concebida por Moreira e Medina abortou. Espero que seja sem efeitos retroactivos. Votos de novo Ano repleto de prosperidades.

Armando Fernandes