class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-frontpage">

            

PUB.

Graça Morais

A notícia de a Universidade de Trás-os- -Montes e Alto Douro ir atribuir à pintora Graça Morais o grau de Doctor Honoris Causa provocou-me e continua a provocar-me intensa alegria não só devido ao facto de ser justo exame dada a sua obra pictórica a revolver as entranhas seculares da alma Nordestina expressa no húmus telúrico daquele território e das suas gentes, mulheres viúvas de vivos porque os homens na sua esmagadora maioria até aos alvores do 25 de Abril de 1974 moíam o corpo derramando o suor dos seus rostos nos sertões africanos, na estiva dos portos do Norte da Europa, na construção civil em França e Espanha e, para outras diásporas mais longínquas, mas também porque causa imenso júbilo aos seus amigos, não é assim Maria do Loreto? A pintora sentiu na carne as agruras da separação do pai emigrante, valendo-lhe a todo o tempo e em todos os transes a sua progenitora que é fonte de inspiração tutelar qual Mãe-Coragem figura central de muitos dos seus quadros. Neste tropel do turismo massificado os museus e Centros de Arte recebem visitantes apressados fazendo relampejar os instrumentos de fotografia dando azo a importantes obras de reflexão sobre o «miolo» escondido da criação artística, por isso relembro o pertinente ensaio do poeta, romancista e ensaísta José Régio – Em torno da expressão artística, 1940 -, na qual defende o primado da liberdade de conceber como quem concebe um filho e não atanazado por uma qualquer rede ideológica, na altura a ortodoxia de Cunhal pugnava pela doutrina inserida na vulgata de Gregory Lukacs, castradora, mais tarde dita engajada (termo em voga nos anos idos do Maio de 68, do século passado e dogmaticamente utilizada pelo transmontano nascido na raiana Moimenta, o sociólogo Alfredo Margarido). Ora, Graça Morais crente assumida e expansiva das virtudes da democracia tem demonstrado quão vital continuam a ser as considerações do poeta de Vila do Conde enamorado de Portalegre onde durante algum tempo deu/davam grandes passeios aos Domingos, com, entre outros David Mourão-Ferreira o qual foi admirador e amigo da pintora que viveu na vetusta Casa do Arco na cidade brigantina. Se a Casa do Arco motivou um grácil estudo publicado há umas boas dezenas de anos, o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais além de ter suturado uma lacuna na Região, estando consagrado à pintora é a prova/provada de os santos (a santa) da casa também fazerem milagres porque a dimensão da Artista por mérito próprio – estúdio e exercício – levaram a um decisor que entendo não nomear (deixo esse encargo aos leitores) a dedicar tempo e o modo da Autarquia honrar a ilustrada menina dos cabelos loiros a esvoaçarem nas ruas da urbe do bravo Braganção. Devemos considerar o doutoramento motivo desta crónica como coroamento da obra da Pintora, claro que sim, mas podemos e devemos pedir-lhe a continuação do seu labor, ao exemplo de larga e fecunda plêiade de Mestres e Mestras do seu timbre e escalão. Parabéns!

Abril, Maio e outros meses

Simples, mas profundo, o 25 de Abril marcou a transição global da sociedade portuguesa, em termos políticos, sociais e mesmo culturais, implementando-lhe um cunho próprio, que somente pecou pela pressa que lhe estava associada. Era a pressa de vencer, de chegar ao fim ou de começar. Para trás ficava um regime ultrapassado, gasto pelo tempo, indesejável pelas pessoas e pela Europa. Depauperado pelas suas próprias premissas, o sistema caía às mãos de meia dúzia de capitães que, serenamente fizeram a mudança e escolheram os novos governantes. Não era necessário possuir qualquer arte de ictiomancia para adivinhar o que se iria seguir. Anisómera, a revolução para uns, significava nem mais um soldado para o Ultramar, para outros o fim da ditadura, para outros o caminho para a liberdade e democracia. E em vez de o galo cantar três vezes, cantou o Paulo de Carvalho, dizendo adeus. E depois cantaram outros. Uns de galo, outros nem por isso! Crucificados foram alguns, outros ficaram para mais tarde. Alguns nem crucificados foram! Uns morreram... de verdade. Outros... nem morreram. Alguns... ressuscitaram, ou... quase! As anisometrias existentes eram por demais evidentes. Valeu a aquiescência do povo que, com a sua anódina paciência, soube esperar. A sociedade portuguesa vivia momentos ímpares da sua História. Libertava-se de algumas amarras, velhas de anos e de propósitos e caminhava rapidamente para uma plataforma libertadora, ânsia de décadas, desejos de sempre. O ónus de cada revolução está no seu âmago e também no seu objectivo primário. E só o seu êxito justifica o seu aparecimento. Só a consecução de todos os planos, justificará a sua existência. Foi mais uma revolução pacífica nesta história de homens e do mundo. Algumas são tão semelhantes, que conseguimos encontrar pontos comuns e semelhanças tão fortes que nos interrogamos se não acontecerão por acaso, por vontade dos homens ou por obra divina!? Efetivamente, Abril será sempre um marco e continuamos a celebrá-lo quarenta e oito anos depois, mas o tempo vai esmorecendo o fervor de outros tempos tal como esmoreceu o 1º. de Dezembro ou o 5 de Outubro. As revoluções têm um tempo de vida e embora a memória que delas resulta permaneça, acabam por ser apenas uma memória, boa ou má, mas somente memória. A intensidade com que se vivem esmorece e ainda bem já que o tempo também traz coisas novas, momentos renovadores, novas ideias, novas políticas, novas visões da vida e do mundo. Hoje referimos historicamente revoluções que transformaram as sociedades, os países, as políticas e cada país terá as suas claramente e Portugal tem as suas. Não as pode esquecer como é evidente, mas que as adapte aos novos modos de pensar e de agir que modernize os seus contextos. A juventude de hoje, que não viveu esses momentos de transformação, não os entenderá se não forem devidamente contextualizados e comparados ao que hoje eles conseguem perceber. Mas hoje entendem a guerra porque a vivem, ela é atual e lhes causa transtorno. Por isso a detestam e criticam quem a promove. Da sua boca saem vociferações de ódio e raiva contra os causadores de tanta morte e destruição. Hoje a guerra está bem presente e entra pelas suas casas sem pedir autorização. Não é uma revolução qualquer que logo acaba e se remete a um só país ou local. É um acontecimento bem maior. Do tamanho do mundo e talvez assim eles entendam melhor as guerras mundiais anteriores. Os meses não têm interesse. Seja Abril, ou Fevereiro ou até mesmo Dezembro ou Maio. As revoluções cabem em todos eles e as guerras de igual modo. Mas no dia 1º. de Maio, dia da Mãe, elas decerto choram os filhos perdidos em qualquer desses meses, por razões que desconhecem tanto elas como eles. O que fica tem sempre um sabor amargo.

Aliste, futebol e pipas

Boas tardes, meus caros. Como tendes passado? Espero que não vos falte ânimo nem saúde. Uma das recentes vezes que estive aqui convosco falei de nomes próprios e das suas cíclicas modas. Queria ter contado outra história sobre os nomes, mas depois desviou-se a conversa como as cerejas. Também já vos falei de Alcañices, terra de boas relações e bons tratados com os portugueses e recordei-me de uma história que envolve esta terra alistana, nomes bascos, Cristiano Ronaldo, muitas pipas e um jogo de futebol na capital espanhola. Era uma noite nem tão fria de um domingo de Inverno daquelas destinadas a que nada se passe e eu estava em Avelanoso de férias quando alguém de entre um par de convivas sugeriu irmos a Alcañices para beber uma caña num sítio diferente. Não me lembro do nome do bar, mas sei que estava a ler um jornal que se não estou em erro era o nosso vizinho “El Norte de Castilla” e que tinha um artigo de opinião de um senhor um bocado indignado com essa coisa dos nomes próprios. Que os emigrantes daquelas alistanas paragens a viver na Catalunha, mas sobretudo no País Basco, andavam a deixar cair as suas onomásticas origens em detrimento das do Nordeste espanhol: Iker, Julen, Markel ou Ane, Laia, June… Só me recordava do Iker por causa do jogador de futebol, mas fiz agora uma pesquisa para recolher os nomes bascos mais comuns nos últimos anos. Aliás, diz que o próprio Iker Casillas é disso exemplo, natural de Madrid, mas assim chamado porque os pais tinham vivido no País Basco durante uns tempos. E eram estes assuntos que deixavam o senhor do jornal um pouco alterado, aludindo à sensibilidade identitária de futuros progenitores na hora de chamar nomes aos filhos. Os nomes como forma de integração no local onde se vive, gato e rato, noras e sogras, algumas das muitas inevitabilidades que nos precedem e assim continuarão a ser depois de nós. E continuava eu a ler a minha cerveja e a saborear o jornal num bar meio-escuro, uma barra comprida com gente sentada de olhos postos na televisão onde passava futebol, e o chão generosamente polvilhado de cascas de pipas. Eu já não sei como andam os tascos espanhóis, na verdade, nem sequer os portugueses. Acho que são já espaços em vias de extinção, agora que se quer tudo muito clean. Mas no meu imaginário um tasco espanhol tem daquelas máquinas cheias de botões quadrados com números, cerejas e melancias a roletar, uns pinchos de tortilha repassados já quase em ponto-salmonela no mostruário do balcão e poças de cascas de pipas semeadas pelo chão. E estando eu na tranquilidade deste ambiente acolhedor a dedilhar as páginas do jornal, levantavam-se as vozes dos presentes na proporcional medida dos lances mais acesos que passavam na televisão. Atlético de Bilbau - Real Madrid. Só agora reparei nessa outra coincidência, nomes bascos no periódico, nomes bascos na televisão, até que após nova vozearia, alguém diz “o Cristiano Ronaldo foi expulso, vermelho direto”. Na altura não liguei muito, mas após uns segundos dei um salto. “O Cristiano Ronaldo foi expulso?!”. Não acredito. Precisamente na semana em que eu tinha comprado um bilhete para ver o próximo jogo do Real Madrid em casa. Comprei um daqueles mais baratos lá para cima onde os jogadores parecem pouco maiores que formigas. O Ronaldo no seu auge desportivo, e eu ia a Roma sem ver o papa. Que pontaria! A única vez que fui ver um jogo ao estádio Santiago Bernabéu e uma das pouquíssimas vezes que Ronaldo foi expulso na sua carreira. Nessa semana ainda apresentou recurso, levantou algumas esperanças, afinal tinha sido apenas uma escaramuça, mas nada feito. Três jogos de suspensão, 2 de Fevereiro de 2014, diz o Google. E lá fui eu ver o jogo do Real Madrid no fim de semana seguinte, num daqueles jogos que não têm história absolutamente nenhuma. Mais uma noite fria em que nem os jogadores faziam grande questão de ali estar. Valeu por ver os três golos que o Villarreal nem se preocupou muito em responder. Uma das coisas peculiares na forma de os espanhóis assistirem ao jogo, é que o estádio parece o último piso da restauração de um centro comercial. Nós portugueses às vezes bebemos umas cervejas antes dos jogos quando vamos com tempo, os ingleses bebem antes, durante e depois, mas os espanhóis levam todo o farnel para o estádio. O que nós comemos quando vemos o futebol em casa eles replicam também no estádio. Põem os sacos aos pés e de lá tiram batatas fritas, sandes, todo o tipo de snacks, e pipas, muitas pipas. Tantas que se ouve aquele roer das pipas como constante barulho de fundo e no final do jogo o chão das bancadas fica com a mesma decoração familiar dos tascos. É interessante que os adeptos do Atlético de Madrid, provocativamente, chamam os madridistas de “piperos” precisamente por se dedicarem mais ao matraquear das sementes de girassol do que a apoiar a equipa. Isto foi-me contado aqui por uma colega bastante madrilena (e madridista) que de cada vez que vai a Espanha me traz invariavelmente uns pacotes de pipas. Por isso, eu como “pipero” me assumo, mais do que futebolisticamente, enquanto apreciador de pipas e de uma marca em particular, Facundo. Antigamente tinham o célebre slogan nas embalagens «El toro dijo al morir: Siento dejar este mundo sin probar pipas facundo», algo que foi mudado há uns anos para se adaptar aos tempos atuais «Pipas facundo, un placer de este mundo». São gostos que se pegam por frequentar aldeias raianas desde sempre, ambulando de um lado e de outro. Aliste, futebol e pipas, são três coisas pelas quais tenho apreço. E sobre as quais fui amontoando uma ou outra história para contar. Um saudoso abraço!