Ter, 07/10/2025 - 11:40
No âmbito da Semana do Animal, o Cantinho do Animal – Centro de Recolha Oficial de Animais de Companhia Intermunicipal da Terra Quente Transmontana abriu as suas portas com uma campanha de adoção gratuita, incluindo vacinação, desparasitação, esterilização, identificação e registo. Foi uma oportunidade para aproximar famílias e animais que aguardam um lar. Para Ana Pereira, médica veterinária e responsável pelo Cantinho do Animal, cada adoção “é uma mistura de alívio e felicidade”. “É duro ver tantos abandonos, mas quando conseguimos dar um futuro aos animais é muito intenso. Pedimos sempre aos adotantes que nos enviem fotos ou vídeos para ver o antes e o depois… é transformador”, destacou.
Há quatro meses, a veterinária Ana Pereira deixou para trás uma década de trabalho em clínica privada para abraçar uma nova missão, cuidar dos animais abandonados que chegam ao Cantinho do Animal. “Na clínica atendemos animais com donos, cuidados e amor. Aqui é diferente. Esta é uma medicina mais pura”, disse, admitindo que, por isso, “cada adoção é uma vida nova que se oferece, um abraço àqueles que não têm ninguém”.
Um milhão de abandonos
Os números são arrepiantes. Os primeiros censos nacionais apontam para um milhão de animais abandonados em Portugal. E esse número, segundo a veterinária, está muito “abaixo da realidade”. “É surreal. A maioria dos canis está sobrelotada. E mesmo assim continuamos a ver animais na rua”, explicou. Só no Cantinho do Animal vivem atualmente cerca de 230 cães e gatos. “Estamos acima da lotação, mas garantimos todas as condições exigidas por lei. Ainda assim, temos de ser criativos para os manter a todos confortáveis”, explicou.
Ampliação que não chega
O centro prepara-se para inaugurar um novo pavilhão, construído através de uma candidatura a fundos públicos. A ampliação permitirá acolher mais 100 animais. Mas Ana Pereira é realista e rematou que “mesmo que houvesse 30 ampliações, continuaria a não chegar”. “Enquanto houver abandono, nunca será suficiente”, destacou a veterinária, que não deixou de mostrar perplexidade pelo facto de estarmos em pleno século XXI e ainda haver pessoas a abandonar animais. “Muitas vezes é porque as crianças querem um cachorrinho mas as pessoas esquecem-se de que crescem e então… dá muito trabalho. Outras vezes é porque fazem necessidades no sítio errado. Ou então é porque ficam velhinhos e doentes e, infelizmente, muitas vezes, o abandono acontece quando eles mais precisam dos donos. E isso é mesmo muito triste”, destacou Ana Pereira.
A lei portuguesa é clara, abandonar um animal é crime. Pode levar à prisão. Mas, na prática, as consequências raramente acontecem. “Até hoje não conheço ninguém que tenha sido realmente penalizado. É um ato fácil, quase sem consequência. As pessoas sabem disso e, por isso, continuam a abandonar os seus animais”, explicou ainda a médica veterinária.
Sociedade que olha de lado
Apesar de alguns avanços no apoio do Estado, a mudança precisa de acontecer dentro das comunidades. “Há quem ainda olhe para os canis como depósitos de animais. Muitas vezes, há pessoas que aqui vêm para nos entregar o animal e nós não aceitamos, Não podemos. Então chegam a deixá-lo à porta. Nós temos orçamentos limitados, com mais de 200 bocas para alimentar e tratar. Dois ou três animais a mais já mudam toda a gestão”, explicou Ana Pereira.
Apesar das dificuldades, há luz no caminho. Muitos adotantes regressam para ajudar com donativos, brinquedos, mantas ou comida. “Alguns trazem coisas de animais que já partiram. É um gesto de amor que nos enche de força”, destacou ainda a médica veterinária.
Amar sem pedir nada em troca
Para Ana Pereira não restam dúvidas de que “quem aprende a olhar para os animais com atenção descobre uma forma diferente de estar no mundo”. E acredita que é este o espírito do Cantinho do Animal. “Eles são puros, inocentes, e têm muito para nos ensinar. Ter um animal é saber gostar melhor da vida. E gosta-se melhor das pessoas”, terminou.
Uma nova vida para quem foi deixado para trás
No âmbito da Semana do Animal, Luísa Quintas, de Mirandela, decidiu adotar um gato. “Juntou-se o útil ao agradável. O útil porque o meu filho queria muito um gatinho e nunca tivemos um. E o agradável é não ter custos numa fase inicial”, contou.
Embora já tivesse experiência com cães, a escolha recaiu agora sobre um felino. “Decidi adotar porque é uma forma de ajudar o canil. Já tinha vindo há uns anos adotar um cão e conheço bem o trabalho que aqui se faz”, explicou, destacando que este tipo de campanhas “são essenciais” para dar resposta ao problema da sobrelotação.
Entre os que aceitaram o desafio, não propriamente nesta semana, mas há já mais tempo, de dar uma segunda oportunidade a um animal e ganhar um novo melhor amigo estão Maria Rodrigues, de 18 anos, natural de Macedo de Cavaleiros, que há pouco tempo decidiu adotar um gato, o Simba. A experiência tem sido “muito boa”. “Já queria há muito tempo um gatinho. E queria que fosse pequenino para ele se habituar a mim desde bebé”, explicou.
Admitindo que acreditou ser uma “boa opção adotar no canil”, para a jovem a escolha não foi fácil. “Estava indecisa entre dois gatinhos, mas acabei por me apegar mais ao Simba e fiquei com ele”, contou.
Hoje, com três meses, o felino já ocupa grande parte do seu tempo. “Não me deixa em paz dois minutos, pede sempre colinho, miminho e carinho, mas é uma companhia ótima. Não me arrependo nada. Se pudesse levava quase todos os gatos, mas o meu pai não deixa”, acrescentou entre risos.
Também Mariana Rebordão, de 25 anos, de Mirandela, se juntou à lista de adotantes, mas fez uma escolha diferente. Acolheu uma cadela adulta, de porte grande. “Fui contra todas as ideias comuns. Não fui eu que a escolhi, foi ela que me escolheu. O olhar dela, a forma como reagiu a mim, foi diferente dos outros animais. Quando a escolha é assim, não há muita volta a dar”, recordou.
Um ano depois, a ligação é inquebrável. “É um bebé para toda a vida”, esclareceu, admitindo que algumas pessoas se apegam “muito” aos animais porque conseguem perceber que estes as amam sem pedir nada em troca. “É isso que torna esta experiência tão transformadora”, terminou.