Ter, 30/09/2025 - 08:53
As eleições autárquicas marcam sempre um momento singular na vida democrática portuguesa. São o instante em que a política se faz mais próxima, em que os cidadãos avaliam não apenas partidos ou ideologias, mas, sobretudo, rostos, trajetórias e a capacidade de liderança daqueles que, no dia a dia, decidem sobre estradas, escolas, transportes, serviços de saúde ou o futuro de uma aldeia esquecida no mapa. O próximo dia 12 de outubro será, mais uma vez, essa hora de balanço e de escolha. E no distrito de Bragança, onde a política local é também a política da sobrevivência coletiva, a ‘disputa’ adquire contornos de particular relevância.
Nas autárquicas de 2021, o distrito foi palco de reviravoltas inesperadas, com quatro concelhos a mudarem de cor política. A geografia eleitoral deslocou-se para a direita, sete municípios ficaram sob a alçada do PSD ou de coligações entre este partido e o CDS/PP, e cinco passaram a ser governados pelo Partido Socialista, que até então detinha sete câmaras. Foram sinais inequívocos de que, mesmo em territórios aparentemente estáveis, a democracia local pode sempre surpreender.
Ao longo do mês de setembro, a Rádio Brigantia e o Jornal Nordeste promoveram 12 debates entre os candidatos aos diferentes concelhos do distrito. Foram momentos de esclarecimento e confronto de ideias que permitiram aos cidadãos avaliar programas e personalidades, ajudando a dissipar dúvidas e a reforçar a consciência de que votar é decidir, com conhecimento de causa, o rumo das comunidades. Num território onde a abstenção rondou, há quatro anos, os 38%, iniciativas deste género são preciosas para revitalizar a participação.
A realidade demográfica do Interior transmontano agrava dificuldades. Décadas de despovoamento deixaram concelhos com menos eleitores, envelhecidos e, em muitos casos, resignados à ideia de que pouco pode mudar. A percentagem elevada de idosos condiciona a participação eleitoral, define prioridades políticas e fragiliza a capacidade de inovação. A juventude, quando existe, encontra-se muitas vezes longe, a estudar ou a trabalhar em grandes centros urbanos ou no estrangeiro.
A tudo isto soma-se a dependência estrutural das autarquias. Num tecido económico frágil, marcado pela reduzida iniciativa privada, as câmaras municipais continuam, em boa parte, a ser os maiores empregadores e os principais dinamizadores locais. Essa centralidade torna a política autárquica um espaço onde se cruzam esperança e desconfiança, esperança de que os autarcas consigam captar fundos e fixar pessoas, desconfiança perante a sombra persistente de redes clientelares, quase inevitáveis em territórios de pequena escala.
O que está, pois, em jogo nas eleições que se avizinham não é apenas a alternância de partidos ou o triunfo momentâneo de candidatos. É a capacidade de, num território com graves fragilidades, se encontrarem lideranças visionárias, capazes de contrariar o declínio demográfico, de criar condições para que a economia local floresça e para que os cidadãos sintam que não estão condenados ao abandono.
Em Bragança, como no resto do país, a democracia local vive da participação. Em 2021, votaram cerca de 85 mil dos quase 138 mil inscritos, com uma abstenção ainda elevada, mas ligeiramente menor do que em 2017. A cada eleição, a questão repete-se: como fazer com que o ato de votar seja visto como uma oportunidade de futuro e não apenas como um ritual?
As autárquicas de 12 de outubro serão, por tudo isto, decisivas para o distrito. Testarão a capacidade de renovação, medir-se-á a força dos partidos tradicionais, avaliar-se-á a influência de candidaturas independentes e perceber-se-á se novas forças políticas, como o Chega, conseguem consolidar o espaço que começaram a explorar em 2021.
Num território em que cada voto pesa como um gesto de resistência contra o esquecimento, as próximas eleições autárquicas não podem ser vistas como mero exercício de rotina. São, antes de mais, um momento de reflexão coletiva sobre o futuro do Interior, sobre a dignidade de comunidades que recusam desaparecer e sobre a urgência de políticas que tornem viver em Bragança uma escolha e não uma condenação.
Carina Alves, Diretora de Informação.