class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-frontpage">

            

“Alegria no Entrudo que amanhã é de cinzas”

Qua, 26/02/2020 - 10:35


Olá, como estão os leitores da página do Tio João?

Já carregamos mais um Entrudo. Estamos sob o efeito da lua nova e, como diz o nosso povo “não há Entrudo sem lua nova, nem Páscoa sem lua cheia”, e “do Carnaval à Páscoa vão sete semanas”.

“No Entrudo come-se tudo” e agora mais que nunca, vai-se comendo o célebre butelo com casulas, que até tem direito a um festival gastronómico nesta altura em Bragança. Estes dias são ditos ‘gordos’ porque são dias de mesa farta.

A nossa família, no programa de rádio, tem recordado a antiga tradição de algumas localidades da nossa região, de oferecer um galo à professora primária, pelo Carnaval. O tio Rebelo, de Real Covo (Valpaços), disse-nos, a propósito, que no seu tempo “as professoras eram fidalgas! Aqui não queriam o galo! Queriam um cabrito. E lá tínhamos que lho dar. Bote ó jornal, tio João!”. A tia Ana Teiga, de Gralhós (Macedo de Cavaleiros), também nos contou que, no Domingo Gordo, é tradição na sua aldeia rematarem o charolo, composto de roscas, talaças e algum fumeiro.

Depois de a geada ter feito gazeta durante algumas semanas neste Inverno, voltou a atacar mas, durante o dia, o sol tem brilhado. A nível agrícola, anda agora a fazer-se o trabalho sujo: estrumar as terras e preparar as leiras para o renovo. As podas e as limpas continuam, mas agora são as vinhas que mais atenção requerem.

Nos últimos dias festejaram o seu aniversário connosco a tia Amélia Domingues, a ‘mé-mé’ (98), de Baçal (Bragança); Arnaldo Machado (94), de Deimãos (Valpaços); Teresa Aranda (80), de Cal de Bois (Alijó); Cassiano Lopes, o mestre do esfola beiços (75), de Carviçais (Torre de Moncorvo); António Xavier, o homem do buraco (72), de Coelhoso (Bragança); Helena do tio Filinto (69), de Vila Boa (Bragança); Ramiro Pires (65), de Freixedelo (Bragança); Ruben Fidalgo (18), de Paradinha de Outeiro (Bragança), emigrado na Inglaterra; Irene Gonçalves (80), de Samil (Bragança); Brigite Gouveia (50), de S. Martinho de Angueira (Miranda do Douro) e Armindo Xavier (57), Macedo do Mato (Bragança).

Que a vida os brinde até voltarem a festejar o aniversário connosco no próximo ano.

 

No Domingo passado fomos de excursão ao Santuário de N.ª Sr.ª da Lapa. Mais uma vez cumprimos a tradição de passar pela gruta atrás do altar, a tal passagem que se diz só conseguir fazer quem não tiver pecados mortais. O almoço, o baile e o lanche foram na Quinta de Santo Estêvão (Aguiar da Beira).

 

O Carnaval de Coelhoso aconteceu na tarde de Domingo Gordo e, como já vem sendo tradição, junta-se a folia do Carnaval do Brasil com o ‘Enterro do Pai Fartura’, numa parceria com o Instituto Politécnico de Bragança (IPB), através da Associação dos Estudantes Brasileiros desta instituição de ensino, que se fazem representar com bailarinas vestidas a rigor e muito samba.

Esta festa de Carnaval conta também com a presença de muitas pessoas das aldeias vizinhas, que não querem deixar de participar ou assistir ao desfile e à marcha para o velório do pai da carne, que depois é estourado e queimado.

Ao final da tarde, no pavilhão multiusos de Coelhoso, teve lugar o baile, com a animação de um Dj. Esta festa já faz parte do Carnaval da região, sem a presença de caretos.

 

Na aldeia de Fradizela (Mirandela) realizou-se no Domingo, pela primeira vez, um almoço convívio e uma missa campal, seguida de procissão com o transporte de um andor no frontal de um tractor agrícola.

A tradição era benzerem-se os animais, mas como já quase não os há, são agora os tractores e as máquinas agrícolas a serem benzidas, para proteger os tractoristas dos acidentes.

 

Cancro gástrico

É a segunda maior causa de morte relacionada com o cancro em todo o mundo.

Portugal conta com o maior número de mortes por cancro do estômago da União Europeia, e é o 6.º país a nível mundial.

Esta doença oncológica afeta mais homens que mulheres e tende a surgir após a quinta década de vida.

Existem vários tipos de cancro do estômago:

- Adenocarcinoma – é o cancro de estômago mais frequente, representando cerca de 95% do total. Neste tipo de cancro a origem das células é o epitélio;

A voz do povo

Como nos filmes os bons são os primeiros a cair. Não há boa trama que não deixe os maus escaparem a todos os tiros da chuva até caírem no final com a maior apoteose possível. Os outros perecem por entre cenas prematuras e secundárias. Há duas semanas faleceu o primeiro médico a denunciar a existência do novo vírus. Nessa altura, fins de Dezembro, o médico oftalmologista, Dr. Li Wenliang, 34 anos, desconfiou do resultado das análises de um doente e partilhou num grupo de wechat com outros médicos do mesmo hospital que aquela situação poderia ter dimensões bem preocupantes. Colocou algo do género “resultados estranhos, será que o SARS ainda anda por aí?” e aconselhou logo a pôr de quarentena esses primeiros doentes infectados. No dia seguinte foi prontamente visitado e advertido pelas autoridades por estar a incorrer no crime de difundir rumores e inverdades potencialmente alarmistas. Com a mesma prontidão com que lhe foram bater à porta, retractou-se e pediu desculpa em nome dos bons costumes. Por esses mesmos dias apanhou o vírus talvez porque ainda não houvesse a informação nem os cuidados que se adoptam agora. Ao longo de um mês lutou estoicamente afirmando sempre que iria recuperar para pôr mãos à obra e tratar todas os doentes e todas as vidas que tinha pela frente. No dia 6 de Fevereiro perdeu a batalha. Paz à sua alma. Basicamente a sinopse do filme é esta. Mas a sinopse revela pouco sobre a sinuosidade do argumento. O enredo tem partes fáceis de perceber, as autoridades de Wuhan tinham consciência deste problema desde finais de Dezembro, mas só no dia 22 de janeiro é que impuseram o nível de emergência, ao mesmo tempo que quase todas as províncias da China. Ou seja, só quando todo o país e já o mundo sabiam do problema e após tanta gente ter andado a circular livremente sem qualquer restrição. Pensavam que iam dar conta do recado, mas só quando viram que já não tinham mão na coisa é que decidiram chamar por socorro. Tipo aquela gente que afirma hoje cozinho eu, toda confiante, mas depois acaba invariavelmente por pedir ajuda de ombros encolhidos quando o bacalhau com natas começa a parecer-se com uma grande massa de suco gástrico. Logo aqui, que se percebia que a malha iria ser forte mas ainda não se sabiam as linhas com que se cosia, a população chinesa ficou com um pó daqueles aos governadores de Wuhan (capital) e de Hubei (província). Acontece que na altura ainda nem se conhecia a história do Dr. Li e do facto de ter avisado os colegas para a transmissão pessoa a pessoa do vírus. Se lhe tivessem dado ouvidos talvez não tivessemos chegados a este ponto, mas na altura a primeiríssima medida preventiva foi fazê-lo assinar um papel na polícia a admitir que tinha errado nas declarações e a pedir desculpas públicas por isso. É curioso ver nas redes sociais a onda de comentários que assinala esta triste perda. Numa situação destas o pessoal estica um bocado a corda. As pessoas estão a unir grandes esforços, tanto as que estão em casa como as que têm de estar no terreno, o povo tem sido inexcedível, cumprindo responsável e diligentemente o seu papel, quando do outro lado se viu uma borratada de todo o tamanho. Uma borratada com tentativas de emendas piores que o soneto em si e que levou um mês até entrar nos eixos. Nestas alturas a língua e dos dedos acabam por ficar um pouco mais soltos. Quem souber ler, lê que a verdade foi silenciada, colocam-se poemas de Bertold Bretch e de autores soviéticos, escrevem-se cartas de despedida onde se lê a palavra mártir, sussurram-se novelas com personagens principais e estórias de nepotismo e inoperância de umas quantas instituições que revelaram toda a sua improficuidade quando delas foi realmente necessário. Há até quem sugira que este dia fique consagrado como o dia do doutor Li.

Umas vezes demora, outras nem por isso, mas o tempo gosta de trazer a razão à tona de água. Mesmo que a razão morra ao chegar à praia e nada altere, nada acrescentando aos dias do presente, a história não costuma esquecer-se de pequenos detalhes nem de grandes homens. Esta é uma das partes deste filme ainda em rodagem que interessa reter. Já vi palavras da moda como denunciante ou whistleblower associada ao Dr. Li, mas são apodos que não lhe assentam mesmo nada bem. Ele não era alguém que vivia escondido atrás de um computador para revelar (a troco de algo) os podres de que o mundo é feito. Era um médico que referiu a verdade e que a defendeu nos termos em que nalguns sítios deste mundo é possível defendê-la. Um profissional que cumpriu a sua deontologia e que primeiramente alertou para os perigos que estavam para vir. Um homem atingido pelos ingratos ossos do ofício que ansiava vivamente a hora de saltar da cama para poder voltar a curar pessoas com as suas próprias mãos. Nem mais, nem menos. Chamar-lhe denunciante é politizá-lo, é tirar-lhe o que o seu curto mas significativo legado tem de melhor, toda a sua humanidade. E quem está há mais de um mês confinado em casa no meio de um ping-pong de informação e desinformação ou lá fora a trabalhar arduamente para subjugar esta batalha sente de alguma forma que perdeu um dos seus. Chamar-lhe denunciante é como chamar menino a um homem com a fibra e com os valores que poucos conseguem trazer a este mundo. Que estas palavras recordem a melhor parte deste filme e que registem a admiração pelo exemplo deste jovem médico. Amigo Li, onde quer que estejas, que nunca percas a força e a motivação para poderes continuar a ajudar pessoas e a salvar todas vidas que não pudeste salvar aqui. E já agora que possas ter um pouco mais de voz do que a que tiveste por cá. Um forte abraço.

 

* Leitor de Português na Universidade de Sun Yat-sen

Cantão Guangdong – China

Vendavais - Ministros, butelos e cascas

É tempo de Carnaval, de caretos e mascarados. Eles andam por aí. Eventos em cada esquina, pois é preciso mostrar que é tempo de Entrudo e que temos ainda a vontade de dizer que a tradição ainda cá mora. Pois claro.

Talvez porque a tal tradição chama gente e mesmo talvez porque a comer é que a gente se entende, não há evento deste género que não estejam presentes os membros do governo e dos partidos. Será porque comem de borla? Não me parece. Estes eventos são um espelho em que a comunicação social amplia a imagem muitas vezes e isso sim, vale a pena.

Há semanas, foi em Vinhais a Feira do Fumeiro, o chamariz de ministros e líderes da praça pública e eles compareceram. É tradição. Não será para abrilhantar o evento, pois isso fazem os salpicões, as chouriças e as alheiras. Esses sim são os ases do evento e é sobre eles que caem as luzes da ribalta. O que os ministros vêm fazer, não se entende muito bem, mas o certo é que vêm, convidados ou não. A comunicação social faz o resto.

Neste fim-de-semana, foram os diabos à solta, também em Vinhais, mas já não chamam ninguém importante, pois tratar com diabos não é nada fácil. Mas os diabos lá andaram à solta pelas ruas da vila, movimentando a localidade e as gentes que a isso se entregaram. Passearam e assustaram quem por ali estava, que a festa também é isso.

Em Bragança, neste fim-de-semana, também tivemos o desfile do Carnaval Careto e dos Mascarados que mostrou que a tradição cá, como em Espanha, ainda se mantem viva. Os caretos de Espanha marcaram presença uma vez mais, com toda a galhardia e contentamento. Foi interessante o longo desfile tão diverso como as culturas que o enformou. Aliás, em questões de caretos e mascarados, Portugal e Espanha são bastante parecidos, especialmente nas regiões fronteiriças. A História ensina-nos isso mesmo e nem mesmo as fronteiras que D. Dinis definiu, esmaeceram as realidades e o peso que os usos e costumes têm nestas gentes sempre longe do poder central.

Mas também esteve concorrida a Feira do Butelo e das Cascas, que chamou muita gente de fora, não só para ver como também para degustar e comprar. Estes eventos trouxeram a Bragança uma quantidade anormal de pessoas que talvez porque o tempo estava de feição, aproveitaram para um belíssimo passeio pela cidade. No Castelo queimou-se o Diabo ou o que quer que seja, para gaudio de quem subiu até ao cimo e passou as muralhas do belo castelo que temos, para assistir ao final do desfile Careto.

Com medo de se queimarem, os elementos do governo que resolveram fazer um Conselho de Ministros em Bragança, nada quiseram com os Caretos e com a queima, adiando por mais uns dias essa tão importante reunião. Admira não se quererem entrosar com os butelos e as cascas. Mas Marcelo, embora não se querendo disfarçar no meio dos caretos, não quis deixar passar o evento e foi aparecer em Podence onde os caretos são notícia nacional nos últimos tempos. No fundo, o que é preciso é aparecer.

Pois, nem o governo, nem o Presidente da República se alhearam dos butelos e das casulas, onde não se misturaram, nem dos caretos com quem não quiseram confraternizar directamente. Os diabos de Vinhais deixaram-nos à solta!

Quer queiramos, quer não, a verdade é que os ministros cheiram longe o aroma dos enchidos de Trás-os-Montes e logo correm a mostrar-se e a dizerem “presente” aos que os vêm passar. Penso que não ligam muito bem os ministros com os butelos e as cascas, mas podemos sempre dizer que alguns bem precisam de mudar de cascas, que é como quem diz, mudar de atitude e de aparência.

No fundo, uma coisa é certa: se for preciso fazer eventos onde os enchidos marcam pontos e os ministros aparecem, então façam-se os eventos. Pelo menos temos por cá nessa altura, os que nunca cá vêm. O interesse é que marca a hora!

Simples ideias

Sem ideias não saberíamos dar um simples passo. Nem sairíamos da cama, pois é a elas que ao levantar vamos buscar a energia para os afazeres que nos deverão ocupar os dias. Bastaria perguntar o sentido disto às pessoas deprimidas. As ideias estão por detrás de gestos banais como mexer um café ou meter a marcha-atrás num carro e de decisões graves como escolher a pessoa com quem havemos de viver, a profissão, o partido que mais convém para o governo. E assim como um par de óculos que muda a cor da paisagem, um filtro que deixa passar umas substâncias e retém outras, é ainda às ideias que se deve o significado e o valor que damos ao que está à nossa volta, o significado e o valor que damos ao que fazemos ou não fazemos com o que está à nossa volta.

Acreditamos que nós e as nossas ideias somos uma coisa só, e não é verdade. Do mesmo modo que uma aplicação informática não é o smartphone, as ideias são uma realidade postiça na nossa mente de que podemos declarar a independência se quisermos. Mas fazer isso é muito violento, elas agarram-se a nós como carrapatas ao animal parasitado, ou melhor, nós grudamo-nos a elas como o náufrago ao destroço por acreditar que abandoná-las seria desistirmos do que somos, o que até tem lógica. Talvez por isso não tenhamos o costume de interrogar as nossas ideias. Se às vezes pensamos nelas é apenas para verificar que as temos ou que estão ali à mão de semear para usar como qualquer outra ferramenta, que é o que de facto são.

Quase nunca nos ocorre que elas também nos têm a nós. Pensamos que as possuímos, não que somos por elas possuídos. Mas se os chamados possessos estão possuídos por ideias que os afligem (e a que se chama demónios), não é menos certo que as ideias reinam nas mentes de toda a gente, têm-nos em seu poder e fazem de nós o que muito bem lhes apetece. Não me refiro só às crenças religiosas e políticas, que costumam dispor dos fiéis a seu bel-prazer, aquilo que cada um pensa de si e dos outros são também ideias com as quais convive e habitualmente não questiona. Aliás no caso de trazerem felicidade nem faria sentido questioná-las, mas as ideias são facas de dois gumes, berços do bem e do mal, amor e raiva, saúde e enfermidade, plenitude e desespero, vida e morte.

O prato do dia para muitos de nós é viver lado a lado com ideias que sequestram, cegam, prestam maus serviços sem que desconfiemos ao menos um pouco da sua deslealdade. E essas sim, seria bom trocá-las por outras mais felizes, o que afinal de contas se pode sempre fazer visto que as ideias que temos não são uma fatalidade. Se criar é um atributo dos deuses, então escolher as ideias, escolher aquilo que queremos ser dentro de nós também não pode deixar de ser uma criação divina. Tanto assim que quando isso acontece nos transformamos noutras pessoas, e não apenas nos vemos diferentes como tudo à nossa volta ganha uma realidade nova. Depois, como é das ideias que parte a decisão de agir (ou não agir) no mundo, como tudo o que se faz é a materialização de alguma ideia, o poder permanente que elas têm de produzir realidade estende-se em grande parte aos acontecimentos, às vidas, aos próprios objetos físicos.

Claro que o reverso desse “milagre” é o sentimento de responsabilidade, bem como o medo de agir, de fazer coisas, que ela pode trazer. Ter ideias próprias será tudo menos cómodo, todavia não se pode viver sem elas, tal como não se pode deixar de agir. E quando estes sentimentos nos atingem, e atingem muitas vezes, renunciar às nossas e copiar ideias feitas, já mastigadas, enlatadas, é o menos arriscado. Confortável é imitar, deixar-se ir na onda, cingir-se à condição infantil de dependente. Aí não há que ter medo, o mundo é um imenso mercado no qual se assiste em permanência a um desfilar de ideias que se atropelam e esfalfam para chamar a atenção de quem as não tem.

Um meio poderoso de passar ideias pela porta do cavalo às pessoas sem ideias são as televisões, também por isso mesmo em grande parte máquinas de adormecer, estupidificar. Por trás do que impingem à boleia de cristinas, gouchas, futebóis, está a ideia de que esse nosso sono hipnótico facilita a vida de quem de olhos bem abertos nos vai manipulando e levando à certa. Que só existe porque se conta com o hábito muito antigo de investirmos quase nada em ideias. Calhava-nos pensar um pouco nisto, o que por falta delas não vamos de certeza conseguir.

Lei de Bases Gerais da Política de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo

A Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio (Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo) e o Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de Maio (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), foram responsáveis pela introdução de alterações relevantes no âmbito da classificação e qualificação dos solos.

Com efeito, desapareceu, por força da lei, a categoria de solo urbanizável, tendo sido criado um regime de classificação dual dos solos, a saber:

– solo urbano, definido como aquele que está total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afecto em plano territorial à urbanização ou edificação (artigo 71.n.º 2, alínea a) da Lei);

– solo rústico, que, na definição da lei, é aquele que, pela sua reconhecida aptidão, se destine, nomeadamente, ao aproveitamento agrícola, pecuário, florestal, à conservação, à valorização e à exploração de recursos naturais, de recursos geológicos ou de recursos energéticos, assim como o que se destina a espaços naturais, culturais, de turismo, recreio e lazer ou a protecção de riscos, ainda que seja ocupado por infraestruturas, e aquele que não seja classificado como urbano (artigo 71.º, n.º 2, alínea b) da Lei).

Desapareceu, assim, pelo menos em termos teóricos, a categoria de solo urbanizável.

No tocante ao regime de uso do solo, o instrumento de definição, quer da estratégia municipal, quer da estratégia intermunicipal, mantém-se o plano director municipal.

Contudo, resulta do preâmbulo do Decreto-Lei 80/2015, que “os planos territoriais passam a ser os únicos instrumentos passíveis de determinar a classificação e qualificação do uso do solo, bem como a respectiva execução e programação”, vinculando directa e imediatamente os particulares e que, por outro lado, “o plano director municipal mantém-se como um instrumento de definição da estratégia municipal ou intermunicipal, estabelecendo o quadro estratégico de desenvolvimento territorial ao nível local ou sub-regional”.

A Lei 74/2017, de 16 de Agosto, que procedeu, no seu artigo 2.º, à alteração do artigo 78.º n.º 1, da Lei de Bases Gerais da Política de Solos, de Ordenamento do Território e Urbanismo, definiu, como data limite, o dia 13 de Julho de 2020 para que os planos territoriais (municipais e intermunicipais) sejam adequados e estejam em conformidade com a disciplina de uso do solo prevista na aludida Lei n.º 31/2014, classificando, como “solo rústico” ou “solo urbano”, os terrenos até agora classificados como “solo urbanizável”.

Após o decurso do aludido prazo sem que a alteração ou a adaptação tenham tido lugar, ficam suspensas as normas do plano territorial (municipal ou intermunicipal) que deveriam ter sido actualizadas, não podendo, na área abrangida, haver lugar à prática de quaisquer actos ou operações que impliquem a alteração do uso do solo, enquanto a suspensão durar (artigos 78, n.º 4 e 46.º, números 5 e 6 da Lei 31/2014).

O problema que poderá surgir, nessa eventualidade, está relacionado com uma possível desvalorização dos prédios que estejam inseridos na classe de solo urbanizável e que, nesse momento, se não encontrem urbanizados ou edificados.

Todavia, a Lei de Bases contém normas transitórias, prescrevendo que “nos procedimentos de elaboração, alteração ou revisão de planos territoriais a que se refere o número anterior, os terrenos que estejam classificados como solo urbanizável ou solo urbano com urbanização programada, mantêm a classificação para efeitos da presente lei, até ao termo do prazo para execução das obras de urbanização que tenha sido ou seja definido em plano de pormenor, por contrato de urbanização ou desenvolvimento urbano ou por acto administrativo de controlo prévio” (artigo 82.º, n.º 5 da Lei).

 

Dr. Rodrigo Versos

Advogado

Buitiêlo: butelo, botelo

O etnólogo Jorge Dias escreveu sobre a Festa dos rapazes da Lombada, descreveu os rituais e o esquisito enchido conhecido por buitiêlo. Também outros investigadores abordaram o tema caso do paciente e persistente Cónego.

No tocante ao buitiêlo ora grafado butelo, ora botelo, ele conseguiu atingir notoriedade gastronómica para lá das fronteiras ancestrais transpondo com êxito o depreciativo pitéu queimoso dos mancebos das aldeias situadas na dita Lombada. Passando à categoria de enchido prestigiado e importa sublinhar os esforços nesse sentido de António Jorge Nunes e Hernâni Dias, pese a talento de quem os concebeu e concebe. Tal como noutros lugares do Portugal invejoso reiterando a validade do provérbio – nunca o invejoso medrou, nem quem ao pé dele morou – também na cidade bragançana a vaidade escorada na inveja não deixa os seus créditos por mãos alheias enfeitando roupas cheias de côdeas e muitas epidermes a pedirem sabão macaco (azul), e muita salsa bem mastigada por molares sem escova diária. A salsa tem o efeito de morigerar a halitose.

O Sr. António Sérgio apelidou de valente pedaço de asno o rei das guitarras deixadas em Alcácer Quibir, pois bem se ressuscitasse ficaria escandalizado ante os narizes de cera e penduricalhos inseridos nos cardápios curriculares de gente da restauração que não sabe fritar um ovo roto, arrimando-se às Mestras cozinheiras que dão notoriedade às casas de comida na esteira de singulares e magníficas artesãs da nossa cozinha tradicional.

Os butelos de agora deixaram de só serem ossos quebrados e pedaços do rabo do porco, ganharam carniça, a Câmara Municipal de Bragança ganhou um produto de nome estranho e sapidez eclatante, o Sr. António Sérgio não ressuscitou para bem dele, a Mestra Justa Nobre enche o seu restaurante quando a par da Autarquia do Braganção, leva a feito supimpas refeições cujo elemento primacial é o também leonês buitiêlo. Assim aconteceu, mais uma vez no dia 13 de Fevereiro do ano em curso.

Para lá do ágape é sempre um prazer rever velhos e admirados amigos, caso do Comandante Chiote, do Ezequiel Sequeira, do Paulo Amado, de Hirondino Isaías, da jovial deputada Isabel Lopes, de João Cameira, obviamente Hernâni Dias, o sempre atento Sr. Nobre (marido da Dona Justa) entre outros convivas. Para meu desgosto não compareceu uma das consciências da Pátria Portuguesa, refiro-me ao Professor Adriano Moreira retido em casa em virtude de ter partido um braço.

Sem pressas, a manducação marcada pela alacridade bem-disposta pautou-se pelo suavizar de saudades de outros produtos da temporada que também foram servidos ao modo de prefácio e notas finais. Realço enchidos de massa, de carne, não sendo esquecidas finas fatias de presunto de porco de raça bisara.

Nestes encontros reavive-se o escoar de anos, pessoas boas e biltres, as primeiras a contentar-nos, as segundas a levar-nos a pensar porque raio mereceram a nossa simpatia. O meu companheiro de Escola, o marinheiro de longo curso depois de ter cursado brilhantemente a Escola Naval, entenda-se o Chiote, nunca distraído chamou-me a atenção para o facto de nunca ter escrito acerca de um nosso conterrâneo, felizmente vivo, figura impecável no trato, de conduta exemplar, desportista e atleta pundonoroso do Desportivo, o meu vizinho durante algum tempo, o Senhor Francisco Ferreira, Xico Ferreira tão brioso quanto o seu homónimo lendário capitão do Benfica nos anos quarenta do século passado. Fez bem o filho da minha benfeitora Dra. Branca Chiote em me sugerir a falta de atenção por todas as razões e ainda as de o admirar desde que o vi jogar elegantemente no campo do Toural, ensinando boas práticas aos sarrafeiros, Tita, Macedo, Vinhas e Mário, o trio mirandelense.

Vejam os leitores: uma refeição salpicada de ressonâncias memoriais, escorada em saborosas vitualhas a honrarem o marroncho bísaro devido à pertinácia da Câmara, ao engenho de quem fez e de quem cozinhou os butelos ora em alta na área da gastronomia enquanto tal, ou seja, dentro do conspecto do notável escritor e gourmet Albino Forjaz Sampaio. Essa visão está plasmada no livro Volúpia, 1.ª edição em 1940.

Academia Montsefarad IV Simpósio Sobre Judaismo

A herança judaica é um património que, em outras eras, os Portugueses em geral e os governantes e dirigentes da igreja católica, em especial, se esforçavam por desvalorizar ou mesmo renegar. Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, foi exceção e caso deveras exemplar, que devemos recordar. Infelizmente, só muito mais tarde esta “herança maldita” começou a ser considerada como um património valioso, do ponto de vista cultural.

Em Trás-os-Montes e creio que em Portugal, depois do 25 de Abril, Torre de Moncorvo foi uma das primeiras localidades a tomar consciência do valor deste património, promovendo uma jornada de estudos judaicos em 1976 e depois a entrega do diploma de cidadão honorário ao embaixador de Israel, abrindo-se um processo de geminação com uma localidade israelita, que ficou por concluir.

Seguiram-se anos de desinteresse, em Torre de Moncorvo e em todo o Trás-os-Montes. Ao contrário, municípios como Belmonte, Castelo de Vide, Trancoso e Tomar lançaram iniciativas concretas de reconhecimento e valorização da mesma herança, com forte investimento na captação do turismo judaico.

Em Trás-os-Montes, em termos de promoção de estudos, a iniciativa mais consistente terá sido a do jornal Terra Quente que, em Abril de 1999, iniciou a publicação de uma página que manteve durante mais de 15 anos, com o título de “Caminhos Nordestinos de Judeus e Marranos”, seguindo-se uma outra, semanal, durante mais de 3 anos, no Jornal Nordeste, com o título: “Nós, Trasmontanos, Sefarditas e Marranos”.

Experiência fantástica foi conduzida pelo povo da aldeia de Carção que, em 2008, se declarou a “Capital do Marranismo” e se lançou na criação de um Museu Marrano, exclusivamente dedicado à preservação da herança judaica da aldeia, enquanto a Câmara Municipal de Vimioso promovia umas Jornadas de Estudos Judaicos, com promessas de novas iniciativas.

Entretanto, em Chaves, no seio do Rotary Club, nasceu um Centro de Estudos Judaicos, promovendo Simpósios anuais. Bragança, por seu turno, assumiu a sua condição de Terra de Sefarad, com a promoção de dois Congressos Internacionais e a criação de um Centro de Estudos e um Museu da Memória Judaica. Em Torre de Moncorvo, desde há anos, ganhou espaço cultural o Encontro de Estudos Judaicos e a publicação de livros sobre a matéria. Em Vinhais, Miranda do Douro, Vila Flor e Alfândega da Fé assistiu-se também a um manifesto interesse com o desenvolvimento de algumas ações de estudo e promoção da herança Sefardita.

Em apoio a estas realizações esteve quase sempre a Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste, da Universidade de Lisboa cujo trabalho de estudo e divulgação merece particular realce.

Perdoem se esqueço outras iniciativas relevantes para Trás-os-Montes e perdoem também se cometi alguma involuntária incorreção neste breve historial ou nas observações que me proponho fazer. 

Trás-os-Montes é uma região da Sefarad onde a memória e o património judaico se apresentam bem visíveis e genuínos, tanto no que respeita à arqueologia e monumentos de arte, como em documentos escritos, entre eles milhares de processos da inquisição. Visível também na gastronomia e etnografia e quiçá, no património humano. Como escreveu Jorge Luís Borges, nas veias da generalidade dos Trasmontanos, correrá uma gota de sangue judeu.

No entanto, apesar das iniciativas atrás referidas e apesar da conhecida apetência dos “novos portugueses” (descendentes dos judeus do tempo da inquisição a quem foi ultimamente concedida a cidadania) em visitar, conhecer e estudar a terra dos seus antepassados, os resultados não são muito animadores. Na verdade, não se nota a existência de um regular movimento de turismo judaico em Trás-os-Montes, como acontece em outras regiões do País.

Culpa de quem? Dos outros? Não. A culpa só pode ser nossa, apenas nossa, dos Trasmontanos. Talvez tenhamos de refletir sobre o caminho seguido até aqui. Possivelmente o que falta é um “trabalho em rede”, coisa difícil de conseguir pois o individualismo é algo que está no nosso gene, é talvez a característica mais forte da “arte” de ser dos Trasmontanos.

É imperioso, no entanto, que tomemos consciência da nossa pequenez, interiorizar a noção de que, isolados, não vamos a parte nenhuma. Ninguém se desloca propositadamente a Carção para ver um museu, por mais interessante que seja. Poucos se deslocarão a Chaves em busca da antiga sinagoga, ou a Bragança para fazer uma consulta no Centro Interpretativo local. Menos irão a Torre de Moncorvo visitar a casa da Pelicana e percorrer a Rua do Prior do Crato e a avenida Jorge Luís Borges. O mesmo a Rebordelo ou Lebução ou Vilarinho dos Galegos…

Mas, se nós formos capazes de traçar uma Rota comum e desenvolver um projeto integrado de turismo judaico, então o produto torna-se apetecível e Trás-os-Montes ganhará espaço no reino da Sefarad. Uma Rota dos Judeus que, como uma filigrana estendida na paisagem de Trás-os-Montes, ligue o Porto a Vila Real, Chaves, Bragança, Vimioso, Mogadouro, Foz Côa, Vila Flor, Mirandela…

Por tudo isto, encarei com otimismo e muita esperança a criação, em Novembro passado, da Academia Montsefarad – uma associação que se apresenta com o objetivo declarado de estudo da história e do património judaico e sefardita em Trás-os-Montes e de promoção de eventos de natureza cultural e turística que interessem à região.

Antes de mais, quero dar os parabéns aos promotores da iniciativa, ligados ao Centro de Estudos Judaicos do Rotary Club de Chaves, muito em particular ao Senhor Doutor José Alves Ferreira.

Mais sentidos parabéns e um forte abraço aos que, não estando ligados ao CEJACV, aderiram desde a primeira hora e estiveram na fundação da Academia Montsefarad.

Mais forte e sentido o apelo que aqui deixo a todos os Trasmontanos que se interessam pela história do nosso passado comum judaico para que solicitem a sua inscrição como sócios da Academia e colaborem ativamente nas suas atividades. Todos somos poucos para o trabalho de mobilização de vontades que urge fazer. Um apelo também aos dirigentes autárquicos no sentido de apoiar, acarinhar e contar com a Academia Montsefarad, em futuras iniciativas.

E agora quero agradecer ao Jornal Nordeste o espaço que me cede para divulgar publicamente o primeiro evento que a Academia vai organizar – IV SIMPÓSIO SOBRE JUDAÍSMO – nos dias 13 e 14 de Março de 2020.

Não se estranhe que Chaves, Rebordelo e Lebução sejam o palco escolhido para este Simpósio, já que aquela cidade foi o berço onde nasceu a Academia e estas aldeias estão umbilicalmente ligadas.

Estranharei, sim, se, desde logo, não aparecerem autarquias e/ou grupos de sócios da Academia a apresentar candidaturas para organizar eventos futuros, nomeadamente o Simpósio do próximo ano que, penso, poderá alargar-se no tempo e ter lugar em dois ou mais municípios, de Lamego a Miranda do Douro, de S. João da Pesqueira a Bragança, de Torre de Moncorvo a Vinhais…

Não podemos esperar que outros venham a Trás-os-Montes promover a cultura e o turismo judaico. Temos que ser nós a estudar a nossa história. Temos que ser nós a promover os nossos valores, neles incluindo o património sefardita. Temos de ser nós a construir em cada localidade a Rota dos Judeus, com base em sérios estudos científicos e não em “contos e ditos”.

Permitam uma pergunta indiscreta: — Conhecem algum município em Trás-os-Montes que tenha uma Rota definida e um guia preparado para conduzir um grupo de turistas judeus?

Sim, temos de ser nós a formar em cada terra guias de turismo. E temos de ser nós a promover a apresentação de produtos historicamente relacionados com a gastronomia judai­ca e marrana, conscientes de que os homens e mulheres que trabalham na restauração e na hotelaria são os melhores agentes de promoção e venda da cultura e do turismo judaico, uma fileira de turismo com largo futuro. Assim sejamos capazes de o promover.

 

António J. Andrade