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Festival Literário de Bragança

Sábado, 4 de Junho de 2016. Encerramento das actividades do Festival Literário de Bragança.
Agendado para as 20:30h “Homenagem do Encontro Livreiro a Mário Péricles da Cruz”, já o relógio rondava as 21:30h quando se iniciou a justa memória ao fundador da Livraria Mário Péricles e família Machado. Dada a importância cultural, social e afectiva que esta Livraria ocupou, no espaço e no tempo bragançano durante 66 anos, era de esperar uma grande adesão das pessoas que sentem e vivem Bragança. Assim aconteceu. As cadeiras foram insuficientes. A cerimónia começou com um excelente vídeo projectado num pobre espaço de parede lateral. Memórias de um templo, com livros sobre livros, formando colunas de sabedoria, onde, numa aparente desorganização, morava a magia do encontro com o livro.
Esta homenagem e a família Machado, a meus olhos, mereciam um espaço mais nobre e adequado à dimensão do acontecimento. Não se entende o Centro Cultural de Bragança, em toda a sua volumetria, não contemplar um auditório, digno desse nome, e que resolveria os constrangimentos verificados neste evento. O dono da obra, (Câmara Municipal de Bragança), à época, demonstrou não saber nem ter visão prospectiva. Na segunda parte, Mesa de Debate, com Rentes de Carvalho e Sérgio Godinho, moderada pela jornalista Teresa Sampaio. Os presentes por mais que tentassem soerguer a cabeça, não vislumbravam nem mesa, nem oradores, nem moderadora. A amplificação do som costuma ajudar as pessoas a ouvirem melhor. O microfone ficou no auditório. Inexistente. Como há sempre um oásis no meio do deserto, Rentes de Carvalho, com sensibilidade, sabedoria e elegância, de pé e firme fez lembrar Torga: “…a minha voz mudou - porque o horizonte é maior” (Torga, Miguel: A terceira Voz,1934). Falou e fez-se ouvir. Acutilante perguntou à plateia se tinham pago bilhete (risos) e concluiu: “pois se o tivessem feito tinham muita razão para protestar”. Palavras sábias para ilustrar o desconforto que reinava na sala de exposições. Os seus compartes continuaram até ao fim sentados, invisíveis e quase inaudíveis.
Bragança merece, pelas suas raízes de grandeza histórica, labor e afecto, mais e melhor.

Obs: escrevo como aprendi a ortografia.
Bragança, Junho.2016, Carlos Moreno

Falando de… Florbela Espanca, para além da vida

De Vila Viçosa para além de uma vida curta de 36 anos. Estava para além do seu tempo. Segundo Jorge de Sena, ela foi a expressão do feminino na poesia portuguesa. Admirava Júlio Dantas, Camões, Guerra Junqueiro e José Duro, para lá de outros. Emocionava-se até às lágrimas com António Nobre, a quem dedicou um soneto.
Mulher de vida dolorida e atribulada, de saúde precária, terá sucumbido a dois frascos de Veronal, medicamento crónico que apaziguava a dor e apelava ao sono. Da certidão de óbito, assinada por Manuel Alves de Sousa, carpinteiro, consta que expirou devido a um edema pulmonar, às 22 horas do dia 7 de Dezembro, embora tivesse acabado às duas horas da madrugada de oito, de 1930.
O dia do aniversário de Florbela é o dia marcado para o funeral. Matosinhos, localidade onde vivia com o médico Mário Lage, seu último marido, com quem casara catolicamente, é fustigada por um grande temporal, não sendo possível realizar o cortejo fúnebre. O corpo é depositado na capelinha contígua ao cemitério. A chave do esquifo é entregue a Guido Battelli, professor do curso de História da Literatura Italiana na Universidade de Coimbra, que mantém com Florbela correspondência entre 27 de Junho de 1930 até à morte da poetisa, que confessara a sua dificuldade em editar Charneca em Flor. Os jornais noticiaram. O seu nome apareceu projectado nas páginas da imprensa. Se a sua vida não fora conhecida como desejava, a sua partida foi dada a conhecer.
Em forma de testamento, Florbela deixou cartas e alguns postais de despedida a amigas e marido.
Junto ao mar repousa, numa vastidão só comparável ao Alentejo que a viu nascer e que transportou nas palavras em forma de vida. Quantos sonhos por concretizar! Quantas esperanças desfeitas! Quantas lágrimas enxutas em livros, remédio de males passados, consolo dos males dos outros e de si própria, refrigério de amores não conseguidos!
Quanta mágoa no Livro de Mágoas e Soror Saudade! Quanta censura e reprovação na intimidade de uma vida vivida, mostrada e compartilhada!
Nutrida na insatisfação, no narcisismo, transportando-se nas asas de Ícaro, deixou o rasto de um talento que ainda perdura. Teve admiradores, muitos, que se deleitam no seu imaginário e cantam a poesia para gáudio dos que procuram nas suas palavras o aconchego de um verso e o consolo de um poema. E ao falar-se de Florbela experimenta-se um halo de virtuosismo a que poucos chegaram. Não concretizou os seus sonhos, mas ajudou-nos a transformar, a melhorar e a amar a palavra. Com ela o soneto atingiu, nos tempos modernos, uma expressão que só havíamos encontrado em Antero de Quental. Na sua poesia a exaltação do querer ser mais e maior, a par da solidão e do sofrimento. Retiremos o que a nossa inteligência persegue e cumpramos o nosso caminho.
Não partiu incólume. Não foi esquecida. Deixou rasto. Deixou a marca da admiração e do respeito. Se o seu talento não é posto em causa, a sua vida de mulher à frente do seu tempo merece reparos por parte dos seus detractores. A sua obra multiplica-se. Os estudos em redor da sua pessoa e dos seus livros não param. Vão de Portugal ao Brasil. Admiradores muitos. Estudiosos outros tantos. Não ficou só Florbela, a quem dedicamos algumas linhas fazendo especial incidência no período após o seu desaparecimento do mundo dos vivos.
A 14 de Dezembro de 1930, poucos dias após o seu falecimento, Celestino David (1880-1952), um covilhanense, radicado na capital do Alto-Alentejo, fundador do grupo Pró-Évora em 1919, que nunca tinha falado com Florbela, mas que tinha seguido o seu trajecto de vida, movido por laços que o prendiam à sua admiração, lançou no Diário de Notícias a ideia de ser prestada uma homenagem nacional à poetisa, sugerindo que fosse erguido um monumento em sua memória na cidade de Évora.
Em 25 de Janeiro de 1931 é aberta uma subscrição, a nível nacional, para a construção de um busto que perpetuasse a memória da poetisa alentejana, que fizera de Évora cidade sua, onde habitara e frequentara o Liceu André Gouveia, como aluna interna.
António Ferro, que viria a dirigir o Secretariado da Propaganda Nacional, a convite de Salazar, como que respondendo à iniciativa de Celestino David, em artigo de 24 de Fevereiro de 1931, no Diário de Notícias, lamenta o esquecimento a que a poetisa tinha sido votada, lembra-lhe o talento e dá origem a uma Comissão dinamizadora que integra entre outros, Henrique Lopes de Mendonça, Cândida Aires, Bourbon e Menezes e Fernanda de Castro, mulher de António Ferro.
Graças a Guido Batttelli, sai Charneca em Flor, constituído por 56 sonetos, livro póstumo que alcança grande êxito editorial, que a poetisa não teve tempo de rever na totalidade. De autoria do professor italiano, é dado à estampa Juvenília, opúsculo dedicado à poetisa, contemplando comentários de carácter ensaístico, e cerca de 18 sonetos, alguns inéditos.
Máscaras do Destino e Dominó Preto saem, igualmente, em 1931, mostrando a poetisa num universo diferente, sendo a prosa a grande dominante.
O grupo Pró-Évora está firmemente apostado em levar por diante a homenagem à poetisa que tão bem dignificara as letras e a sua província. A subscrição vai engrossando a pecúnia. Apoios vão sendo recebidos de várias origens. O Secretariado da Propaganda Nacional e a Sociedade de Mármores de Vila Viçosa disponibilizam a matéria-prima, alegando não poder oferecer todo o mármore para o pedestal, mas somente metade. Diogo de Macedo (1889-1959) é encarregado de esculpir o busto que será colocado numa das praças da cidade, cabendo ao arquitecto Jorge Segurado, a construção do plinto e a projecção das linhas do monumento.
Concluído o busto em fins de Dezembro de 1934, é posto à disposição da Câmara Municipal, que o não levanta por falta de verba. Pagas as despesas pelo grupo Pró-Évora, foi colocado na arrecadação da Câmara, no Palácio de D. Manuel.
Embora os apoios solicitados no Diário de Notícias tivessem sido alcançados, é certo que por parte da edilidade foram muitos os obstáculos que inviabilizavam a instalação do monumento num local público da cidade.
Entre as vozes discordantes à legitimidade da instauração do busto, conta-se o Padre José Augusto Alegria (1917-2004) alegando que:
Uma estátua a uma mulher cuja obra reflecte uma posição perante a vida, diametralmente oposta à que está na própria base da Constituição do Estado Português, é praticar um acto de sabotagem, porque representa uma traição ao que se jurou defender.
José Fernando de Sousa (1855-1942) conhecido por Conselheiro Fernando de Sousa, fundador do jornal A Voz vituperava contra Florbela alegando razões várias que punham em causa a vida de Florbela. Autoridades civis e religiosas tudo fazem para inviabilizar o projecto já apoiado, nalguns dos principais jornais portugueses. Florbela de vida sofrida e vituperada continuava após a morte a ver-se esmagada pelos sectores mais radicais da sua terra, do seu Alentejo que tão bem divulgara.
Os membros da Comissão Administrativa Municipal de Évora presidida pelo Dr. António Gromicho mostravam-se contrários à consagração de Florbela, embora em 16 de Junho de 1836 tivessem deliberado autorizar a realização das obras de construção dos alicerces para o monumento no Passeio Público.
Nesse mesmo ano, em 2 de Julho, foi suspensa a autorização concedida para a construção dos alicerces, alegando ser necessário consultar a Junta Nacional de Educação acerca do merecimento da homenagem.
Em Lisboa, a homenagem não sendo vista com bons olhos, Vila Viçosa e Matosinhos pedem a Évora que lhes ceda o busto, o que é recusado pelo grupo Pró-Évora.
António Ferro, Alberto Serpa e o Padre Nuno Sanches, pároco de Matosinhos, aventam a hipótese de o busto ir para Matosinhos, tendo Diogo de Macedo sido da mesma opinião.
José Régio, a quem de Florbela Espanca afirmara ser a maior poetisa portuguesa de qualquer tempo e um dos grandes nomes da nossa poesia moderna manifesta-se nos jornais por várias ocasiões pelo facto do busto da poetisa ainda não estar colocado no espaço a que tinha direito, encontrando-se, entretanto, depositado no Museu Regional de Évora, por despacho do Ministro da Educação, Dr. Carneiro Pacheco.
Face a esta demora, a Comissão de Turismo de Matosinhos disponibiliza fundos para a instalação do busto na sua cidade. Nos jornais são muitos os comentários, as críticas, as censuras à obstinação da Câmara de Évora insensível ao valor da artista.
Guido Battelli, a quem Florbela havia ficado ligado, era possuidor de algum espólio da poetisa, resultante da sua troca de correspondência e da amizade estabelecida, cimentada pelas férias de vinte dias passadas em Matosinhos, a convite de Florbela. Homem de cultura, mandou entregar ao Director da Biblioteca Pública de Évora, fundada por Frei Manuel do Cenáculo, o espólio de Florbela, constituído por três retratos, dezoito sonetos autógrafos e 24 cartas que lhe eram dirigidas, recomendando que a abertura não se fizesse antes de dez anos, i.e., nunca antes de 8 de Dezembro de 1941. Junto iam duas pinturas e aguarelas, a primeira, à mão, de Apeles Espanca, irmão de Florbela, falecido em 6 de Junho de 1927, em desastre de hidroavião, no Tejo, não tendo o corpo aparecido. Destinava-se a pintura a servir de capa ao livro Soror Saudade. A outra, de autoria de Guido Battelli, destinava-se a ilustrar o soneto Toledo, de Charneca em Flor.
Acerca da morte de Florbela Espanca, o Padre Nuno Sanches, pároco de Matosinhos, em entrevista concedida ao Primeiro de Janeiro, em 22 de Novembro de 1944, afirma que a poetisa não se suicidou, tendo morrido cristãmente. Para o enterro feito religiosamente não foi pedida nenhuma dispensa ou autorização especial às autoridades eclesiásticas, não se excluindo Florbela do grémio da Igreja.
Novos entraves se levantam para a colocação do busto. Em 4 de Outubro de 1945, consta que o monumento não será erigido porque o busto não é próprio para o ar livre e deveria recolher ao museu.
Finalmente o busto está no Jardim Público. Num acto sem solenidade, em religioso silêncio, sem alardes. Nem um só discurso. Flores espalhadas em profusão à volta do monumento, devendo-se a erecção do busto à Câmara de Évora, na pessoa do seu presidente, Eng.º Henrique da Fonseca Chaves. Eram 9 horas de 18 de Junho de 1949.
Celestino David podia gritar hossanas ao fim de 19 anos de trabalho. Comunicara a Guido Battelli, retirado em Itália, onde ia acompanhando Florbela, depois da sua saída de Portugal.
Mário Lage enviara a 19 de Maio de 1934, todo o espólio de Florbela a José Emídio Amaro que o ofereceu ao grupo Amigos de Vila Viçosa.
É verdade que Florbela nascera filha de pai incógnito, sendo educada pelo pai biológico João Maria Espanca que só a vai perfilhar 19 anos após a morte da filha, em 1949, por insistência de um grupo de florbelianos, por altura da inauguração do busto.
Não ficou indiferente às constantes notícias em torno de Florbela Espanca, o grupo Amigos de Vila Viçosa. Florbela era calipolense. Deveria regressar à terra que a vira nascer. A súplica “Terra quero dormir, dá-me pousada” cumpriu-se. A alentejana que tão bem cantara a sua terra, regressava. A exumação dá-se em 16 de Março de 1964, procedendo-se a trasladação no dia seguinte para mausoleu próprio.
A Matosinhos, à sua Biblioteca Pública, foram doados alguns retratos e pequenas recordações, conjuntamente com as primeiras edições dos seus livros.
Dos despojos, Mário Lage acedeu a que três peticionários retirassem umas pequenas relíquias que declararam conservar como se fossem elementos sagrados. Mais tarde, Mário Cláudio, em Cidade no Bolso, escreverá um texto a que deu o título de Os ossinhos de Florbela.
Porque Vila Viçosa, também, estava apostada em celebrar a sua poetisa, à semelhança do que sucedera em Évora, foi inaugurado um busto de autoria do escultor Raul Xavier e o plinto do arquitecto Raul David, tendo discursado o escritor José Emídio Amaro e o Dr. José Madureira.
Muitos anos passaram na apatia, na turbulência, no desânimo e na obstinação dos que gostavam ou não gostavam. Venceram os mais tenazes e os que não soçobraram a critérios que não se compaginavam com o valor da maior sonetista nascida no Alentejo.
Revoltas as águas, vieram espraiar-se na terra planas, sossegando os espíritos e inspirando os que à poesia dedicam o seu tempo e aos que teimam em ler os que a este país acrescentam muito do seu talento, e o fazem ombrear com os maiores.
O nosso tributo a um escritor que há muito apreciamos. Trabalho que nos entusiasmou e que ao escrevermos, mostrámos o que estava disperso e desconhecido, formando este puzzle a que denominámos texto.

Por João Cabrita
Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico
 

DOS ANIMAIS VOADORES

Tempos houve em que os media nos evidenciavam e traziam notícias das vacas que riam ou que ficavam felizes quando ordenhadas. As que hoje chegam aos areópagos mediáticos têm asas e voam. E fazem-no só para que nos possa ser garantido que a vontade, empenho e competência, em dose apropriada serão suficientes para propiciarem belos voos aos bovinos femininos e um futuro melhor, mais simples e mais eficiente para todos nós. Duvido das capacidades aladas das cornélias e mimosas, não tanto pelo peso ou forma (havia uns parentes dos dinossauros, os pterossauros que igualmente avolumados e pesados povoavam os céus pré-históricos) mas pela pachorrenta locomoção incapaz de proporcionar a velocidade incial necessária e suficiente à pré-elevação mínima para lançamento no espaço. Isso não implica que haja qualquer  dúvida da conveniência e importância do simplex e muito menos da capacidade da ministra Maria Manuel Leitão Marques de o implementar e otimizar. Por isso tudo o que haveria a dizer sobre o voo das vacas fica arrumado com o mediático número do Primeiro-Ministro. Nada mais a acrescentar. São outros os seres alados que merecem a nossa atenção e preocupação: as abelhas!
São muitas as espécies em vias de extinção e muitas mais as que já foram extintas. Nenhuma delas contudo tem o potencial destruidor das abelhas. Albert Einstein estima que, sem abelhas, a humanidade não sobreviverá mais que quatro anos. Sem abelhas a polinização reduz-se de forma dramática. Sem polinização a esmagadora maioria da flora deixará de se reproduzir. Sem esta os animais herbívoros praticamente desaparecerão. Sem estes os carnívoros deixarão de ter alimento e estarão igualmente condenados.
Inexoravelmente!
Notícias que chegam de todo o mundo dão nota do crescente desaparecimento destes artrópodes alados. Por todo o mundo e, em particular na nossa vizinha Espanha, ou seja à nossa porta. O risco é sério e iminente. Há que tudo fazer para potenciar a manutenção das comunidades das abelhas e tudo (absolutamente tudo) evitar que possa, mesmo que marginalmente, contribuir para a sua diminuição. O não retorno, neste caso, seria demasiado dramático e de consequências catastróficas. Não haveria vacas que nos pudessem valer. Voadoras ou não.

Por José Mário Leite

Publicidade ao intervalo

Como vai a viola meus caros? Essas cores e aragens da Primavera? Já andava há uns tempos para vos saudar com esta da viola. Tinha um tio-avô que cumprimentava assim as pessoas. Nunca percebi bem se era apenas algo dele ou até que ponto é que fora corrente pelo Nordeste esta expressão. De qualquer dos modos sempre me soou engraçada e original. Possuía outras originalidades que destaco e já mal se usam. Tinha uma intuição única para encontrar ninhos e camas de lebres e outros animais. Parecendo que não são cada vez menos os homens que têm esse nível de sintonia e intimidade com a natureza. Saber o que nos contam os ventos, os voos dos pássaros, os sinais das plantas, os animais que vão e os que vêm, as cores do céu de dia, as direcções nos céus limpos de noite, e um longo rol de coisas que pura e infelizmente me ultrapassam. O homem como alguém que vive na e para a natureza. Enfim, passo a publicidade familiar. Dito isto nem parece que vos venho falar de futebol depois do clímax de uma época como há muito não se via e discutia. E daqui a nada olhos e corações em França. Barrigada. A China quer apostar a fundo no futebol. A última das pretensões num país que tem tantos praticantes federados de pingue-pongue como nós de habitantes. Depois vem o badminton e não sei se me estou a esquecer de algum mas surge o basket num país que segue o modelo económico-social dos Estados Unidos da América com a mesma avidez com que um cão faminto corre atrás do bife que tem à frente. Tanto que os pingue pongues, os badmintons e outros jogos com tradição começam a ser vistos pelos jovens como algo antiquado, old school, dos tempos antigos. Agora quem vai a jogo é o futebol. A China quer apostar forte e não é só ao gastar muitos milhões em jogadores e treinadores para a superliga chinesa que só começou nos anos 90. Não esquecer que há uma China antes, onde o que era estrangeiro não tinha lugar, e outra depois dos anos 80 quando perceberam que um certo comunismo estava perto de ser expulso por acumulação de amarelos e poderiam perfeitamente lutar pela conquista do título nas quatro linhas do capitalismo. A China está a investir imenso na formação de base. Luís Figo tem cá vinte e tal escolas de futebol a funcionar e como ele muitos ex-jogadores famosos e clubes do mundo inteiro, inclusive os nossos. Saiu recentemente uma lei para o futebol marcar presença obrigatória nas escolas. Dizem que querem organizar um mundial a breve/médio prazo… e ganhá-lo… Por tudo isto a China é um país excelente para treinadores de futebol. Diria mais, a China é o país, sobretudo para os jovens treinadores com espírito aberto e vontade de descobrir e (fazer) desenvolver. Costumava jogar futebol, na verdade agora não tanto, e até fiz de treinador com a equipa da minha universidade. Quando posso jogo também noutras frentes com estrangeiros, inclusive. Proliferam ringues de futsal e futebol 7 um pouco por toda a parte. Aqui os jogadores são folhas em branco, precisam de aprender tudo, perceber o próprio jogo, coisas tão elementares como fazer um passe minimamente acertado, o guarda redes sair da linha de golo ou dominarem uma bola. Tudo! Desafiante. Por outro lado precisam de trabalhar o colectivo, o espírito de equipa e respirar futebol, perceberem que é um jogo com uma mentalidade diferente dos outros. Uma vez o André Lima, treinador de um clube de Cantão e agora também da selecção de futsal chinesa e ex-jogador e treinador em Portugal onde foi várias vezes campeão, disse-me “repara que são bons nos desportos individuais mas não se destacam em nenhum desporto colectivo”. É verdade, a sociedade chinesa é profundamente competitiva e individualista, por norma as pessoas não vivem com o hábito de cooperar, da solidariedade, da ajuda ao próximo, para além do plano familiar. Por isso é um desafio também trabalhar esse lado colectivo (numa equipa de futebol como numa sala de aula). Os chineses quando querem evoluir em algo que não é deles vão buscar profissionais de fora para se instruírem. As condições dadas são apelativas - até pelo feedback dos treinadores da Fundação Luís Figo - a necessidade é enorme e o que há a fazer e a aprender é quase tudo, um autêntico livro em branco. Jovens treinadores portugueses estão à espera de quê? Incluam China no vosso itinerário. Agora é o momento. E é isto. Fim de publicidade (absolutamente gratuita).