Mobilidade social
Na idade média a mobilidade social era quase nula. Nascia-se e morria-se nobre, ou plebeu e a conflitualidade social praticamente não existia porque a comunidade reconhecia, ordeiramente, que sempre foi assim e assim continuaria a ser por muitos e longos anos.
No seio da família os filhos faziam uma aprendizagem demorada e paciente dos saberes ancestrais dos seus pais e amigos. O jovem aprendiz só tinha que deixar passar o tempo para se tornar num profissional semelhante aos seus antepassados. A conflitualidade de gerações raramente existia.
Nos nossos dias a escola introduziu uma aprendizagem rápida, quer no domínio profissional, quer científico e facilmente os jovens aprendizes ultrapassam os saberes e competências os seus antepassados e daí o conflito de gerações se acentuar.
Mas este processo de escolarização foi lento e pouco democrático. Durante séculos só uma minoria de cidadãos das classes economicamente dominantes é que tinham acesso ao ensino secundário, ou universitário. Os seminários enchiam-se de potenciais candidatos ao sacerdócio. Muitos eram os chamados e poucos os escolhidos, nesta escola vocacionada para receber os mais desfavorecidos em termos económicos. Os seminários foram durante muitos anos uma escola, quase uma universidade para pobres, mas donde na verdade, saíram muitos cidadãos com uma formação superior e que ascenderam aos mais altos cargos na função pública, ou empresarial.
Com os alvores da revolução de abril a escola democratizou-se e abriu as suas portas a todos e assim todos puderam ter acesso à formação e à informação, sendo a mobilidade social muito rápida, para desgosto de algumas elites que não aceitaram de bom grado que os filhos dos caseiros estudassem ao lado dos filhos dos patrões.
Para além da escola o ingresso na atividade política e partidária também contribuiu, em muitos casos, para uma fácil mobilidade social. Com alguma frequência, muitos cidadãos menos dados às “letras”, ou às longas rotinas da escola, conseguiram uma rápida ascensão social pela via da dinâmica partidária. Isto originou que nem sempre os que tinham mais preparação, ou competências ascendessem a lugares no aparelho de Estado reservados, quase em exclusividade, a alguns agentes políticos.
Sem dúvida que a formação e a aprendizagem não se faz somente na escola, também se aprende ao longo da vida. Contudo, salvo raras e honrosas exceções, quem não tem não pode dar. Quem não sabe, pouco acrescenta à humanidade no âmbito do progresso e do desenvolvimento. “Diz a lenda que Nabucodonosor imaginou uma estátua feita de ouro, prata, bronze, ferro e barro. Mas bastou uma pedra para destruir o sonho do rei” dada a fragilidade do barro.
Na verdade, ídolos com pés de barro são muito efémeros e a sua consistência dilui-se à mais pequena pedra que surge no seu caminho.
O que é estranho é que muitos destes ídolos, enquanto navegam na área do poder, ou da influência, se esquecem, deslumbrados, daqueles que estão por baixo. O poder, os gabinetes, os assessores, as mordomias fascinam, tiram a lucidez e a capacidade de discernir que o verdadeiro poder assenta no Povo e que o político tem que orientar a sua ação, humildemente, para o Povo e com o Povo.
Quem assim não fizer, quando “do alto inacessível das suas alturas” forem caindo “na razão directa do quadrado dos tempos” a queda será dolorosa e incontrolada, porque os que estão em baixo não servirão de suporte em termos emocionais e afetivos.
“O bom senso é a coisa do mundo, mais bem distribuída” diz Descastes, mas muitos esquecem-se disso e no presente não preparam o futuro e vivem como se fossem eternos, não se lembrando quão efémeras e precárias são as glórias mundanas.
Nascemos atrás das estevas e se tivermos sorte, essas mesmas estevas nos servirão de tumba.