A propósito da reacção do almirante Henrique Gouveia e Melo, Chefe do Estado Maior da Armada, à desobediência de alguns elementos da guarnição do navio Mondego da República Portuguesa, quatro sargentos e nove praças, mais precisamente, li e ouvi muitos comentários positivos e negativos, ou não se tratasse de matéria altamente fracturante, sobretudo nas actuais circunstâncias. Pessoalmente faço uma apreciação francamente positiva, no essencial, pese embora a excessiva exposição mediática que se compreenderá, ainda assim, porque se trata de um acontecimento de relevância e que, por isso mesmo e em qualquer caso, a comunicação social não deixaria de badalar a seu gosto. Não sei se o almirante em causa será ou não candidato no próximo acto eleitoral para a Presidência da República muito embora uma recente sondagem de opinião o dê como favorito. Tão pouco valorizo, neste contexto, o facto de Gouveia e Melo ter dirigido, com pleno sucesso, o programa de vacinação contra a Covid, depois que os estimados “boys” do primeiro-ministro se revelaram completamente incompetentes. Muito menos me importa saber se o almirante Gouveia e Melo é de esquerda ou de direita, próximo do Governo ou da Oposição, ainda que subjacente a tudo isto esteja o patente abandono a que as Forças Armadas têm sido votadas pelo poder político, com a complacência dos chefes militares que não se fazem respeitar. Nada, em qualquer caso, poderá justificar insubordinações e muito menos motins no seio das Forças Armadas de um país democrático como Portugal. Condenável é, portanto, o facto de um navio da Armada portuguesa não ter cumprido uma missão que lhe foi atribuída no quadro das leis da República, só porque parte da guarnição se recusou a embarcar, quando a maioria dos seus camaradas estaria disposta a assumir, disciplinadamente, os eventuais riscos, donde se depreende que não seriam assim tão graves como os revoltosos fazem crer. Convém lembrar que qualquer operação militar, grande ou pequena, em tempo de paz ou de guerra, sempre comporta riscos. Valorizo, portanto, a atitude do Chefe do Estado Maior da Armada que enfrentou a situação sem delongas ou tergiversações, contrariamente ao que vem sendo hábito nos chefes políticos e militares da actualidade. Gouveia e Melo demonstrou estar à altura dos acontecimentos quando a Nação está mergulhada numa profunda crise económica, social e moral e a autoridade do Estado democrático vacila sistematicamente, deixando os portugueses apreensivos quanto ao futuro da Nação. Note-se que esta sedição de uns tantos marinheiros, originou o incumprimento da missão de acompanhamento e vigilância de um navio reconhecido como hostil, o que é por demais grave, não só porque comprometeu a soberania, a segurança e a defesa do país, mas também porque ofendeu escandalosamente o princípio da disciplina que é fundamental na unidade e operacionalidade das Forças Armadas, em tempo de paz ou de guerra. Tanto assim é que nenhuma Nação sobrevive, livre e independente, sem Forças Armadas competentes, dignas e disciplinadas. Acresce que Portugal, enquanto membro da União Europeia e da NATO, está democraticamente alinhado num confronto generalizado com a Rússia de Putin, muito embora, até ver, apenas se verifiquem acções armadas na distante Ucrânia. Sendo que a embarcação intrusa, que deveria ter sido devidamente acompanhada pelo navio Mondego, ameaçava interesse vitais dos países constituintes das referidas organizações, designadamente cabos de comunicação transatlânticos. O alto comando da NATO não deixou de prestar, por certo, a devida atenção a tal facto, com descrédito para a Armada nacional. Ainda não são publicamente conhecidas as motivações profundas dos revoltosos que tiveram, por certo, outras oportunidades e formas mais dignas e adequadas para afirmar as suas eventualmente justas reivindicações. Não são de excluir, por tudo isso, razões ideológicas e políticas contrárias ao sistema político democrático vigente o que tornará o caso ainda mais grave. Certo é que não se tratou de um mero levantamento de rancho. Deixar passar em claro este grave acto de indisciplina será abrir portas para que tais episódios se repitam e generalizem sem razão bastante, pondo em causa o regime democrático, a paz social e a própria sobrevivência do Estado, como bem se viu no decurso do mal-afamado processo revolucionário em curso (PREC). Vem a propósito evocar e homenagear o comandante Oliveira e Carmo e toda a guarnição da lancha Vega que há 63 anos apenas, enfrentaram, em Goa, uma poderosa esquadra indiana, protagonizando um dos episódios de maior heroicidade da História Pátria. Glória eterna aos verdadeiros heróis