PUB.

A DECISÃO CERTA (PELOS MOTIVOS ERRADOS)

Não há como escondê-lo, mascará-lo ou escamoteá-lo: tudo no Ministério das Infraestruturas esteve mal. Tal como Marcelo adequada, oportuna e oportunisticamente veio declarar. Como é que é possível existir, na equipa ministerial alguém, a quem são atribuídas funções relevantes num dossier tão sensível como o da TAP é que seja capaz de um comportamento absolutamente reprovável como o de Frederico Pinheiro? Mas, antes disso, se este é o exemplo do recrutamento dos ministros de António Costa para cargos desta natureza, como serão os que ocupam lugares menos proeminentes, mas, mesmo assim, com responsabilidades capazes de prejudicarem (por incompetência, ignorância ou mau feitio) o interesse público? Mesmo suspeitando que há ainda muito por escla- recer neste rocambolesco episódio da política caseira, tudo quanto se sabe é tão mau que até o que podia estar bem, não está. Comecemos pelas notas. Diz o adjunto que o ministro queria esconder as notas, diz o ministro que as desconhecia até lhe ter sido comunicado a sua existência. Como assim? Então João Galamba não viu o seu adjunto a digitar “coisas” no computador? Ou pensou que o colaborador estava entretido a jogar, a enviar e-mails ou a dialogar em algum chat? Não vou comentar o recurso ao SIS para recupe- rar um computador portátil. Deixo aos entendidos a escalpelização da legalidade da forma como foi requisitada a sua interven- ção. O meu foco é outro. O membro do gabinete tem direito a recuperar informação do equipamento que lhe foi atribuído? Tem. Se a devia ter ali ou não é outra questão, mas, tendo-a é sua e deve ser-lhe disponibilizada. E pode levar, por arrasto, um documento classificado? Não. O problema neste caso, é outro. Como é possível que um documento classificado pelo Estado esteja num computador portátil acessível a um colaborador? É esse o nível de segurança das informações secretas deste governo? O ministro tinha razões para demitir o seu adjunto? Provavelmente sim. Ou não. Seja como for, não é aceitável num estado democrático demitir alguém por telefone e sem o ouvir. Coisa diferente seria suspendê-lo de funções! Está, aliás, ainda por esclarecer quem fala verdade (porque um deles mente e tanto pode ser um como o outro) sobre o “leitmotiv” deste caso, quem e quando conhecia a existência das notas e quem, nessa altura pretendia, efetivamente entregá-las à CPI da TAP. Andou mal o ministro? Muito mal. A única coisa que fez bem foi o pedido de demissão. Porém, António Costa fez muito bem ao recusá-la. Não lhe restava outra alternativa. Aceitá-la seria deixar que o seu governo passasse a ser telecomandado a partir de Belém. Perdia a capacidade de liderança e deixava de ser respeitado pelos ministros que, pres- tando-lhe contas, como é devido, teriam sempre de ter em conta a apreciação e juízo presidenciais. E isso seria demasiado grave, não só para o Governo, mas para o País!

Porque não se demite, senhor primeiro-ministro?!

O cidadão António Luís Santos da Costa é, reconhecidamente, um destacado tribuno, qualidade que lhe é conferida pelos dotes oratórios, voz sonante e postura personalizada. Enquanto autarca não deslustrou, ainda que não tenha passado da vulgaridade e enquanto ministro também não deu nas vistas. É tido, ainda assim, como um hábil político de bastidores. Um tanto surpreendentemente, porém, tem vindo a impor-se, nos já longos sete anos que leva no cargo, como um primeiro- -ministro inoperante, dissimulado e demagogo. Medíocre, numa palavra. Credenciais que ganhou enquanto presidente da Camara Municipal de Lisboa, como Secretário de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares no governo de António Guterres, o tal do pântano, Ministro de Estado e da Administração Interna do governo de José Sócrates, o tal que, em desespero de causa, chamou a Troica, e, sobretudo como primeiro-ministro do XXII governo, o da célebre Geringonça e do XXIII, o da presente maioria absoluta em decomposição. Acresce que, como reza o seu curriculum vitae, nada fez de relevante fora da política. Filiou- -se na Juventude Socialista em 1975, apenas com 14 anos de idade, começando por colar cartazes nos tempos conturbados do Processo Revolucionário em Curso, dando assim início a uma longa vida dedicada ao partido e ao poder. Marcante é, portanto, a sua faceta de primeiro-ministro, cargo no qual se tem revelado incapaz de constituir equipas governativas isentas e competentes e, muito menos, de as liderar e coordenar eficazmente, como lhe compete. Factos são factos. Não admira, por isso que escândalos para todos os gostos envolvendo, precisamente, os membros mais suspeitosos dos seus gabinetes, se sucedam ininterruptamente, o mais recente dos quais, ainda em desenvolvimento, é protagonizado pelo azougado ministro João Galamba. A degradação persistente e acentuada da governança de António Costa, alcançou agora o clímax com o noticiado desvio de um computador (sabe-se lá qual a natureza da informação comprometedora que guardará), as confrontações físicas que terão ocorrido no próprio gabinete ministerial e a intervenção de forças policiais no múnus governativo. O mais grave ainda assim, terá sido a eventual utilização do Serviço de Informações e Segurança como se de uma polícia política se tratasse. Governança aviltante, que nem mesmo os propagandeados sucessos da área económica, pontuais, insuficientes e fugazes, manda a verdade que se diga, conseguem branquear. De salientar que a Dívida Publica continua a crescer de forma preocupante. Governança escandalosa apesar do primeiro-ministro António Costa ter beneficiado, desde a primeira hora, da ajuda prestimosa do Presidente da República que, por norma, se solidarizou com todas as trapalhadas e dislates governativos. Governança desastrosa apesar da maioria absoluta de que dispõe na Assembleia da República onde o truculento Santos Silva, a segunda figura do Estado, sempre pressuroso a malhar na direita, e na esquerda, tem desempenhado, com lamentável destemperança e facciosismo, o papel de anjo protector. Situação trágico-cómica, esta, em que Portugal cada vez mais se afunda numa profunda crise política, social e ética e sem perspectivas de se poder pôr a par dos seus principais parceiros, no que ao desafogo económico e bem-estar social diz respeito. No topo do bolo da sua desastrosa governança António Costa, acaba de colocar uma cereja contaminada, o ministro João Galamba, ao decidir mantê-lo no governo, surpreendendo tudo e todos. Perante as críticas generalizadas que tem recebido, de dento do próprio partido e o sancionamento, grave, do Presidente da República, ensaiou, com a desfaçatez que ele próprio popularizou, uma fuga para a frente proclamando, cito, que “hoje é um novo dia e é um dia em que começaremos a trabalhar”. Espantoso! Começar a trabalhar oito anos depois de ter ganho o emprego, dará direito a despedimento por justa causa se acaso o patrão tiver ousadia para tanto. Tem todo sentido, portanto, perguntar: porque não se demite, senhor primeiro-ministro?! Será que pretende ir ao fundo, heroicamente, com o barco? Ou será que está à espera que seja o presidente da república a demiti-lo para depois, envernizado de mártir, se recandidatar? E se o barco, longe vá o agoiro, acabar mesmo por se afundar, ante a inação do presidente da república que parece continuar a privilegiar a vocação de analista/comentador político, menosprezando a gravidade da crise e a sua responsabilidade? Será o fim do Regime, por certo. Em democracia as crises só têm uma solução: eleições. Tudo leva a crer que Marcelo de Sousa e António Costa, vão continuar a engolir em seco, os sapos e os gelados com que mutuamente passaram a mimosear-se. Com o cinismo com que anteriormente engoliam as baboseiras mútuas. Agora ao som da Cavalgada das Valquírias. Os portugueses que se cuidem.

A vida é dar e receber, para repôr a prateleira

Se a vida fosse uma prateleira de onde todos só tiramos, sem haver repositores, ra- pidamente se esgotariam os recursos disponíveis. Seria, talvez na óptica de muitos, o ideal. Não uma vida gasta de recursos, porque isso era uma mera consequência na qual nem tinham pensado, mas poder só tirar. E tirar, tirar, tirar. Sem dar nada em troca. Como naquelas barraquinhas de troca de livros, em que o convite é para levar um e deixar outro no seu lugar. Sempre desconfiei que o rácio entre quem tira e deixa não é o mais saudável. E só vão ficando livros porque, em boa verdade, os que gostam de ler também não abundam. Ou deixam um livro do qual nem gostam nada, os despojos do que receberam certa vez nos anos. Na vida é mais ou menos igual, só vai ficando alguma coisa porque muitos não sabem do que andam à procura. Então pode acontecer que deixem só porque estão indecisos sobre se querem ou não. E nesse entretanto, provavelmente, outro pegou. E é mais ou menos quando vamos às compras com fome - só queremos levar, nem interessa bem o quê. Estaremos esfomeados de vida? Não creio. Apenas temos ânsias de ter - experiências, coisas, pessoas. Tudo a orbitar em torno das nossas cabeças gigantes, sem realmente saborear. Aquilo que a vida nos dá pode ser facilmente medido com a pergunta - o que é que isto me acrescentou? Isto é, sou agora melhor pessoa? Estou mais sábio, mais maduro? Estou melhor preparado para os desafios futuros? E podemos ver o reverso, o que damos - o que é que eu acrescento ao outro? Ajudei alguém a ser melhor pessoa? Tornei alguém mais sábio, mais maduro? Preparei alguém para os desafios futuros? Constato, cada vez mais, que apenas se procura uma vida vazia. Um desenrasque, com o único propósito de ir respirando e, bem, o resto logo vemos. O consumo imediato, sem estar predisposto a viver, de verdade. E assim se esgotam recursos, se não temos nada para dar, como se fôssemos uma laranja seca - esgotamos experiências, coisas, pessoas. E ficamos outra vez (e cada vez mais sozinhos). “Mas eu não me importo de ficar so- zinho!”. Não, claro que não, até porque, claramente, nem toda a gente gosta da vida da mesma maneira. Refiro-me “sozinho”, sem experiências, coisas ou pessoas que acrescentem. É nesse momento que, olhando para a frente, damos de caras com uma prateleira vazia, onde já não resta mais nada para tirar.