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Capacidade de superação serve de mote à edição deste ano do Zoelae Trail

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Ter, 02/07/2019 - 11:10


O desporto e a história continuam de mãos dadas através do Zoelae Trail. Em 2017 os atletas correram até às “Origens” e em 2018 reuniram-se na “Tribo à Reconquista”, este ano vão “Das Sombras à Luz”. 

Piquenicão da Família do Tio João A festa do povo há 30 anos

Ter, 02/07/2019 - 11:07


Olá, como estão os leitores da Página do Tio João?

Na passada semana estive de férias com um grupo de amigos da nossa família, em Cambrilis, na Costa Dourada, Espanha onde, durante uma semana, disfrutámos do Mar Mediterrâneo e da onda de calor que invadiu o país vizinho.

Agradeço a todos aqueles que me deram miminho e carinho no meu aniversário, dia 28, em que também estiveram de parabéns o Carlos da Grua, o Martim (neto do tio Alcino Silva, de Vinhais), a Ana Paula, de Bragança e a Maria José, de Ousilhão (Vinhais).

Agora vamos reviver alguns momentos que aconteceram no Domingo, no Santuário da Senhora do Aviso, em Serapicos (Bragança).

As nossas lembranças

A minha primeira memória nítida tem 25 anos. A minha mãe a olhar para mim, eu com quatro anos, acabada de chegar do cabeleireiro com o cabelo, na altura pêlo de rato meio loiro, cortado à tigela. Ela à porta de casa, num misto de expressão choque-normal, perguntou: “O que é que te fizeram, filha?”. E eu, que até então estava radiante a olhar-me pelo espelho do retrovisor do nosso carro branco (na altura não fazia mal não ter cadeirinhas e ir no lugar do pendura), enquanto ouvia meu pai, que me tinha levado a cortar o cabelo, a dizer que estava muito bem, chorei. “Estou feia, mãe?”. E toda a minha alegria se transformou num pranto, suponho que para deleite da família, que me deve ter explicado, tal como se explica uma criança de quatro anos, que não faz mal porque o cabelo volta a crescer. Tenho fotografias com o famoso corte de cabelo, em que apareço a sorrir, bastante feliz. Curiosamente, não me lembro do dia desse retrato ao pé das roseiras, mas lembro-me do dia em que cortei o cabelo. Até de estar sentada na cadeira, com aquela toalha enorme à minha volta, e de ver o meu pai pelo espelho, a dizer que podia cortar “mais um bocadinho”. Hoje, 25 anos mais tarde e vários traumas com cabelos curtos depois, uso o cabelo por cima do ombro, e gosto. Não é à tigela, mas é bastante curto. Deduzo que seja então verdade que o tempo é relativo e que cura tudo.

O tempo apaga também algumas pessoas, que em algum momento fizeram parte das nossas vidas. Devemos apagar algumas por falta de espaço de armazenamento, porque não nos fazem grande falta ou não nos foram particularmente próximas. De outras, simplesmente nos fomos afastando, muitas vezes sem uma zanga pelo meio ou sequer razão óbvia. E vamos esquecendo detalhes que costumávamos saber de cor, porque ficam fora de mão do uso diário das nossas faculdades. Vão ficando cada vez mais distantes, cobertas de nevoeiro. Num sábado à noite fazia-se uma espécie de reflexão sobre pessoas assim, que tinham feito parte do crescimento, mas que algumas já não figuravam. Alguns deixaram mesmo de falar, apesar de continuarem a cruzar, às vezes, as mesmas ruas. Não se sente mágoa ou ressentimento. Cada um ficou no lugar onde não fazia mal ficar. Todos podemos fazer este exercício, dos colegas da primária, dos amores do secundário, dos amigos em comum, gandas malucos, que não fazemos ideia de onde andarão, apesar de termos passado momentos que achávamos que nos iam unir pela vida fora. De outros, nem do nome nos lembramos bem, e temos que nos recorrer dos amigos que ficam, e que têm mais espaço de armazenamento. Podemos até sentir uma certa nostalgia, uma vontade súbita de retomar contacto. Penso que raramente, ou nunca, o faremos. E muitas vezes por um motivo tão simples e racional como saber que não vamos encontrar essas pessoas no mesmo comprimento de onda, nem nós estamos onde todos estávamos quando fazíamos parte do mesmo círculo.

É que as relações, todas elas, parecem ser circunstanciais. Disseram-me isto, mais do que uma vez. Não quis crer. Até que comecei a ser mais realista. Ainda assim, essas circunstâncias, às vezes, também dependem de nós.

O Mercado da Saúde: será semelhante a tantos outros?

A Saúde tem merecido ao longo dos anos uma atenção acrescida, como parte integrante das políticas sociais, tendo de forma progressiva conduzido à maior cobertura e proteção dos cidadão e famílias, ao aumento da locação de recursos e mobilizado o interessa pela maior racionalização dos meios.

O setor da Saúde com caraterísticas que o diferenciam de outros setores da economia, pelo volume das verbas envolvidas, pela especificidade do mercado em que opera e natureza do “bem saúde”, exige aos prestadores um exercício aprofundado da sua prática profissional.

A necessidade de escolher a melhor alternativa em política de Saúde, nas dinâmicas de Administração e Direção, conducentes a políticas de cuidados e serviços, levam a que o prestador conheça o valor dos benefícios esperados e os custos dos recursos envolvidos.

A Saúde enquanto “bem social” tem merecido debate permanente, nas regras da cobertura, prestação, utilização e financiamento. E conduzindo a soluções mistas no Sistema de Saúde, onde a prestação, regulação e financiamento, se articulam e afirmam de forma díspar no terreno ideológico.

O Serviço Nacional de Saúde como vetor da política de Saúde emergente em 1974, dadas as potencialidades que encerra e o rumo político que pode determinar, tem permitido a apresentação de propostas de menor peso público, “competição gerida” e outros, face ao acréscimo de despesas com a saúde e à maior atenção dedicada aos aspetos da eficiência, que podem alterar a sua matriz universal, geral e gratuita, de profunda inspiração pública e social.

A Saúde nas últimas décadas para além de envolver a maior responsabilização de prestadores e cidadãos, prevê a necessidade de definição de vários níveis de intervenção, formas organizadas de atuação, métodos de financiamento adequados, métodos de avaliação sistemática, entre outros, sobre efetividade, eficiência e a qualidade dos cuidados prestados. Logo, os prestadores precisam de recorrer à informação disponível produzindo saberes e melhores práticas para participarem na mudança estrutural da saúde, onde se inscreve um nova cultura de “Serviço”.

Ressalta dos desígnios e estrutura dos serviços de saúde, dos requisitos dos cidadãos, práticas e objetivos dos prestadores de Saúde, a maior atenção pelas disciplinas sociais, complementaridade de saberes, satisfação de clientes, colaboradores e contribuintes.

Perspetivar o mercado como mecanismo pelo qual compradores e vendedores de uma mercadoria se confrontam para determinar o seu preço e a quantidade, pressupões a existência da soberania do consumidor, que irá decidir com base no conhecimento da utilidade que lhe é oferecida pelo consumo.

No que se refere ao setor dos cuidados de saúde este modelo acima mencionado não se adequa pelas características inerentes à natureza dos seus bens e serviços.

No setor da saúde encontramos características que o distinguem de qualquer outro setor de mercado e que se refletem tanto no que se refere ao próprio objeto de escolha, como no que se refere ao comportamento dos agentes da procura e da oferta, isto significa que muitas das regras básicas do mercado não se aplicam no caso dos cuidados de saúde. Pois, existem algumas razões que, consideradas em conjunto, sugerem que este mercado apresenta caraterísticas específicas.

Assim, em cuidados de saúde a “soberania do consumidor”, não se verifica, quer porque a tecnologia dos cuidados de saúde é demasiada complexa, sendo difícil ao consumidor (doente) fazer escolhas racionais quer porque o consumidor não tem capacidades para escolher (sobretudo com os doentes mentais e em situação de urgência), quer porque o individuo no processo de escolha não consegue revelar as suas preferências que são delegadas numa terceira pessoa.

Acrescentaria ainda como relevante uma outra das características básicas deste setor em relação a outros: a presença dominante da incerteza na tomada de decisões, nomeadamente, a incerteza do individuo quanto ao momento em que necessita de cuidados de saúde e quais os custos envolvidos; a incerteza do médico quanto ao tratamento face a cada situação e, por último, a incerteza quanto aos resultados desse mesmo tratamento.

Terminaria salientado que neste tipo de mercado é evidente que as pessoas se preocupam mais com os cuidados de saúde do que com outros bens, com o acesso a alguns tipos de cuidados do que a outros tipos de cuidados.

 

Marisa Lages

Vendavais - Sem tempo para ter tempo

A corrida às legislativas já começou há muito tempo. Trabalhando na sombra, os partidos têm desenvolvido estratégias no sentido de constituir as suas listas, mas até agora pouco se sabe, a não ser que o PSD já tem alguns dos seus cabeças de lista divulgados na comunicação social.

A reunião com o PS para viabilizar um acordo que aprovasse a Lei de Bases da Saúde não deu frutos. Depois da nega do BE e do PCP às pretensões de Costa, este virou-se para o PSD, mas Rui Rio acabou por desistir das exigências de Costa e veio a terreiro dizer que não queria ser a muleta da geringonça. Claro, mas não se importava de o ser do PS se a negociação desse certo. Mas não deu. Como Costa não tem tempo a perder virou-se novamente para a esquerda e pediu ajuda. Catarina já estava à espera desta deixa e prontificou-se a viabilizar o SNS. Nenhum deles tem tempo a perder. Resta agora saber qual o acordo que vai ser aprovado e quem vai perder ou ganhar com esse acordo. Estão todos numa corrida desenfreada.

Enquanto Rui Rio supostamente trabalhava no sentido de se entender com o PS e apresentar um acordo positivo que lhe desse votos e aprovasse a nova Lei de Bases da Saúde, o PSD, na sombra, andava a constituir as suas listas, mas com indicações claras de Rui Rio e que iriam surpreender o país e o próprio PSD. Rui Rio não será cabeça de lista às legislativas! Surpresa? Talvez, mas o objetivo é claro. Promover alguns rostos desconhecidos que serão eleitos deputados certamente, enquanto os mais conhecidos vão em segundo ou terceiro lugar e que serão igualmente eleitos para deputados. O que mudou? Nada a não ser a ordem dos nomes nas listas. O que ganha o PSD? Talvez elogios ao apresentar listas onde os cabeças são desconhecidos e alguns são mulheres, o que é de louvar. É tempo de mudança, mas não muita. Há quem diga que é uma revolução nas listas do partido. É demasiado forte o termo porque não há nenhuma alteração tão grande que o justifique. A inversão da ordem nas listas nem sequer promove o risco porque este é assegurado pelos segundos e terceiros nomes. O que deixamos de ver é os candidatos habituais e mais velhos e experientes a assumirem os primeiros lugares e por isso mesmo a serem criticados por serem sempre os mesmos. Aqui é que a jogada é meritosa.

Esta jogada de Rui Rio faz-lhe ganhar algum tempo nesta corrida em que não quer chegar atrasado. Falta-lhe tempo para poder estar em todas as frentes e portanto não pode perder tempo algum. Faz lembrar Trump na cimeira do G20 a querer falar com todos os líderes incluindo Kim Yong Un da Coreia do Norte mesmo sem ter agenda marcada e a querer ficar bem na fotografia também ao fazer as pazes com a China. Enfim. O mesmo fez Bolsonaro ao cancelar a reunião com o Presidente da China por este estar atrasado vinte minutos. Claro. Tempo é dinheiro. O que é preciso é ganhar tempo e não perdê-lo.

Vendo esta corrida pelo prisma da esquerda, quem vai acabar por ganhar pontos é o BE, já que Catarina ao não desmarcar da sua posição em termos de acordos com o PS, vê este aproximar-se novamente e volta a espreitar o acordo do SNS aprovado com a sua prestimosa ajuda, ajuda que Costa terá de pagar, seja como for. Ninguém dá nada sem esperar algo em troca. Quem não está a gostar muito desta negociação é o PCP que vê cada vez mais longe ser necessário para a geringonça ser realidade. Como também não quer perder tempo, atira-se ao PS e não só, criticando tudo e todos, para que seja olhado como coerente nas suas posições e assim ir buscar os votos que lhe fugiram nas europeias, embora adiante que o resultado será bem diferente para melhor. Talvez tenha razão.

Se nestas andanças o PSD quer ganhar algum tempo mostrando trabalhado já feito, Catarina parece estar a perder tempo já que nada veio à praça pública sobre o projeto de listas para as legislativas. Será que Catarina também não quer ir em primeiro em nenhuma delas? Pode ser que copie Rui Rio e dê lugar aos mais novos. Ela tem lutado contra o PS porque vê Costa a olhar para o PSD, mas esta perda de tempo não serve a ninguém e muito menos a ela se quer marcar pontos nesta corrida. Não vai querer chegar em último certamente.

Também o CDS anda a tentar ganhar tempo, mas as listas ainda não estão prontas e muito menos divulgadas. Cristas, para não perder tempo, lança o seu livro como estratégia inicial e com o objetivo firme de ganhar votos e tempo para chegar a tempo à meta das legislativas. É uma estratégia louvável. Dará frutos? Faltam os cabeças de lista! E aqui eles têm de ser conhecidos sob pena de se perder tempo e dinheiro. Não há tempo para perder tempo!

Deste modo e tal como a juventude atual, os partidos estão sem tempo para ter tempo. O melhor é não desperdiçar nada.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Bernardo Rodrigues (Carção, c. 1663 – Coimbra, 1695)

A história da família na inquisição começou com o avô paterno, Francisco Rodrigues, o Castelhano, de alcunha. Nascido em Vimioso, morou muitos anos em Castela, de onde veio, por 1650, e se estabeleceu em Chacim. Terá falecido em 1665, com 90 anos, nas celas da inquisição de Coimbra, preso que foi no ano anterior.(1)

No dito ano de 1664, na mesma inquisição, se foi apresentar Francisco Rodrigues, o Sargento,(2) filho daquele e pai de Bernardo Rodrigues. Mandado embora, foi preso 20 anos mais tarde, saindo penitenciado no auto-da-fé de 9.6.1686.

Tios e tias de Bernardo, 6

ou 7 passaram igualmente pelas cadeias da inquisição, o mesmo acontecendo com seus irmãos e irmãs, cunhados e cunhadas. Em Carção, ficou apenas a mãe. Dois irmãos e uma cunhada foram queimados nas fogueiras do auto-da-fé de 25.11.1696: António Rodrigues, Atanásio Rodrigues e Helena Rodrigues.(3)

Fiquemos em Carção, no mês de Junho de 1693, quando a inquisição de Coimbra lançou uma verdadeira operação de limpeza da heresia judaica da aldeia, fazendo prender, de uma só vez, umas 22 pessoas. Imagine-se a quantidade de familiares da inquisição, autoridades civis e militares, padres e beatos mobilizados para executar tantas prisões! Atente-se nos leilões de bens dos presos, de modo a fazer dinheiro para pagar as despesas da viagem e também os ferros e cordas com que os prenderam, as jornas aos homens que os levaram presos para Coimbra e o aluguer das bestas para o transporte!

Entre os prisoneiros contou-se Bernardo Rodrigues(4) e vários membros da sua família. Obviamente que as casas, terras, couros… os bens que tinham foram sequestrados e leiloados na praça pública. A Bernardo Rodrigues, foram ainda sequestrados 39 mil réis em dinheiro. Vale a pena contar, pois é caso exemplar de como os leilões funcionavam.

Dois anos antes, a inquisição prendera seu irmão Francisco Rodrigues e seu cunhado João Fernandes Roldão.(5) E indo à praça os seus bens (uma casa, uma horta, um macho e bens móveis, quantidade de couros) Bernardo e os irmãos os arremataram. Como não tinham dinheiro suficiente, pediram a Francisco Dias, de Argoselo, ficando a dever-lhe 86 mil réis. Para além disso, o mesmo Francisco Dias largou a Bernardo uns couros que ele arrematara, para com eles se governar, comprometendo-se Bernardo “a lhe pagar, assim como fosse fazendo o dinheiro e ao tempo de sua prisão tinha juntos 39 mil réis para lhe entregar, os quais deu, à ordem do juiz de fora, ao comissário para seus alimentos”.(6)

Chegado a Coimbra, Bernardo foi metido na cela com 3 companheiros de Carção, algo que o regimento desaconselhava e que é significativo de como a cadeia estava a abarrotar. Mais tarde, meteram na cela um padre de Torre de Moncorvo, certamente a desempenhar o papel de espia: José Camelo de Meireles, abade de Fornos.

A primeira sessão foi destinada a perguntas sobre a sua genealogia e inventário dos bens. Aqui, Bernardo só apresentou dívidas. Para além dos 86 mil réis a Francisco Dias, de Argoselo, disse que estava devendo ao tendeiro André Rodrigues 6 mil réis ”que lhe emprestou na ocasião da morte do seu pai”, mais 9600 réis a João Francisco, familiar do santo ofício de Braga “de fazendas que lhe deu fiadas para tratar” e mais a um mercador do Porto que lhe fornecia fazendas para vender na loja, que seria da família.

Dos motivos da prisão de Bernardo, diremos que várias pessoas disseram que com ele se tinham declarado e feito jejuns judaicos, especialmente celebrando o Kipur. Veja-se apenas uma dessas denúncias, feita por sua cunhada, Catarina Lopes:

— Disse que haverá 7 anos que os fará em setembro que vem, em uma das varandas de Francisco Rodrigues, sargento, no dia grande, das 11 para o meio-dia, se achou com Luísa Lopes, sua cunhada e com Francisco, Bernardo, António e

Atanásio, irmãos, presos, e com Apolónia Dias, presa, filha de António Rodrigues e Maria Dias, defunta, todos juntos à sombra da dita varanda, e entraram nela Isabel Dias, mulher de Baltasar Lopes, presa, e Inês Lopes, já defunta, mulher de João Fernandes Roldão e a dita Isabel Dias ofereceu tremoços a todos e estes não quiseram aceitar.(7)

Outra série de denúncias respeitou a esmolas que Bernardo deu a várias pessoas para fazerem jejuns judaicos por alma de seu pai, falecido por 1690. Vejamos, a propósito, a denúncia feita por Belchior Pires:

— Depois da morte do pai de Bernardo Rodrigues, este lhe disse que não rezava o padre-nosso nem ave-maria por alma de seu pai, por não serem orações convenientes para isso, e ainda que lhe tivesse mandado fazer os sufrágios na igreja, foi para que o mundo não tivesse que dizer, mas que se não fiava neles e que mandara fazer muitos jejuns judaicos e dava por cada, um tostão, pão e peixe às pessoas que os faziam, e rezava muitas orações judaicas.

Não vamos analisar o processo. Diremos tão só que, ao fim de ano e meio de prisão, Bernardo entrou numa situação de loucura e desespero, tão horrível que chegava a comer os próprios excrementos, vindo a falecer em 20.3.1695. A doença foi acompanhada pelos médicos da inquisição que na “certidão de óbito” escreveram o seguinte:

— A sua morte fora natural e causada por achaques de melancolia e impaciência de que se

deixou vencer e vieram a parar em um tremor universal, em uma convulsão mortal, do qual achaque faleceu.

Acompanhado pelos médicos na sua loucura e desespero, também o foi por um frade dominicano “que lhe assistiu na morte, que o absolveu sob condição, por não dar lugar concludente e aperto da doença, no decurso da qual mostrou o dito preso que estava teimoso e chegou a fazer extremos porque comia nas esteiras o excremento próprio e disseram os seus companheiros que se quisera enforcar”.

Bernardo morreu mas o processo continuou, julgando-se a sua “memória, fama e fazenda”. Para isso mandaram os inquisidores investigar se Bernardo era falto de juízo ou tinha “juízo e entendimento capaz de pecar”. Dos vários depoimentos, escolhemos o de João Tomé, que disse:

— Que conheceu Bernardo

Rodrigues desde o seu nascimen-

to e que fora sempre de bom entendimento e capaz de pecar; que somente há 12 anos, por espaço de 15 dias, se conheceu que o réu tinha alguma falta de juízo, por andar algumas vezes de noite a cavalo pelas ruas, sem necessidade de o fazer.

Terminou o processo no au-

to-da-fé de 14.6.1699 com a execução da sentença pronunciada 4 meses antes:

— Os inquisidores… mandam que em detestação de tão grave crime, seus ossos sejam desenterrados, feitos pelo fogo

em pó e cinza, por ordem da justiça secular a quem o relaxam e sua estátua e seu nome…

 

NB. – Cumpridos mais de 3 anos de contínua colaboração neste jornal, pensam os autores ser razoável tirar umas férias, suspendendo a sua colaboração por algum tempo. Aos leitores assíduos, pedimos compreensão. Obrigado.

 

 

Notas:

1 - ANTT, inq. Coimbra, pº 6034.

2 - Idem, pº 4830.

3 - Idem, pº 7396, de António Rodrigues; pº 4395, de Atanásio Rodrigues; pº 7094, de Helena Rodrigues.

4 - Idem, pº 7077.

5 - Idem, pº 364, de Francisco Rodrigues, o moço; pº 4840, de Francisco Fernandes Rodão, viúvo de Inês Lopes.

6 - Pº 7077: — Bernardo Rodrigues (…) disse que ele, sua mãe e seus irmãos são obrigados a pagar 86 mil réis a Francisco Dias, curtidor de Argoselo, procedidos de couros e mais bens que arrematou ao fisco e foram de seu irmão Francisco Rodrigues, o moço, os quais bens largou a ele confitente para ganhar sua vida e lhe pagar assim como fosse fazendo o dinheiro, e ao tempo de sua prisão tinha juntos 39 mil réis para lhe entregar, os quais deu à ordem do juiz de fora ao comissário, para seus alimentos. E que ele e seus irmãos estavam de posse de umas casas que foram de João Fernandes, preso e de uma horta defronte das ditas casas, as quais partem com as de Atanásio Rodrigues, irmão dele declarante e um macho e móveis que foram do dito Francisco Fernandes, preso e confiscado, sobre os quais deu ele 50 mil réis que está devendo a Francisco Dias, que lhe emprestou.

7 - Idem.