Poder Local: a lei da selva.

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É oficial: as próximas eleições autárquicas terão lugar a 26 de Setembro de 2021. Daqui a cerca de dois meses, portanto. Estará em disputa a eleição de 308 presidentes de câmara, com os correspondentes vereadores e deputados municipais, mais 3091 Assembleias de Freguesia com os respectivos elementos e associados executivos das Juntas de Freguesia. Demasiada gente para tão pouco poder. O papel do Poder Local na democracia portuguesa, sobretudo no que às freguesias diz respeito, é pouco mais que simbólico, ainda que a Constituição da República lhe confira importância fundamental na governança do país, articuladamente com o Poder Central e o Poder Regional, que apenas se encontra estabelecido nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, já que Portugal continental, lamentavelmente, continua não regionalizado. Pior um tanto: Portugal é governado como se composto por três regiões, considerando as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, sendo o Continente a terceira, especialmente se apreciado no contexto da União Europeia. Isto explica a diminuta importância que as Câmaras Municipais provincianas e as Freguesias rurais merecem dos órgãos do Poder Central em geral e do Governo em particular o que, como é óbvio, mais aprofunda as escandalosas assimetrias regionais que estigmatizam o país, sendo que a maior de todas se consubstancia na megalómana área metropolitana de Lisboa. Portugal pode assim ser visto como um Estado obeso, com um abdómen enorme na região de Lisboa, um governo macrocéfalo no palácio de São Bento e o dito “interior” sofrendo de raquitismo crónico. Interior que mais se assemelha a uma selva, com macaquinhos e outros animais de estimação aos guinchos e onde o Poder Central promove “safaris”. É por demais óbvio, portanto, que para os nossos doutos governantes as autarquias provincianas são inúteis, subservientes ou mesmo escusadas e que as populações remanescentes estão a mais, tudo fazendo para as deslocalizar, por entenderem que serão mais úteis nas metrópoles litorais. Basta olhar para as competências das freguesias, seja qual for a sua população, no que diz respeito ao Equipamento rural e urbano, ao Abastecimento público, à Educação, à Cultura, ao Desporto e Lazer, aos Cuidados Primários de Saúde, à Ação Social, à Proteção Civil, ao Ambiente e Salubridade e ao Desenvolvimento e o Ordenamento Urbano e Rural para concluirmos que o Poder Local se afundou num mundo de penúria e fantasia. O panorama não é mais prestigiante para os Municípios provincianos que estão praticamente confinadas ao trato de parques, jardins, feiras e romarias, com significativa omissão das suas atribuições fundamentais como sejam o Ordenamento do Território, a Energia, os Transportes e as Comunicações, a Saúde, a Proteção civil, a Polícia Municipal, a Promoção do Desenvolvimento e a Cooperação Externa, áreas em que o Governo central põe e dispõe a seu bel-prazer. Neste quadro ganha especial gravidade o despovoamento de vastas regiões do Interior que origina a manifesta inutilidade das Freguesias que são, por regra, canibalizadas pelas Câmaras Municipais, que por sua vez são canibalizadas pelos governos que o mesmo é dizer pelos partidos. Da mesma forma que as vilas canibalizam as aldeias e a cidades canibalizam as vilas. Mais uma prova, evidente, de que o ermamento dramático da maior parte do território nacional é consequência de políticas pensadas muito embora seja apresentado como uma fatalidade por parte dos governantes, que dessa forma ali instituem, tacitamente, a lei da selva. O que leva os partidos a procurar afanosamente conquistar o maior número de autarquias, sempre que há lugar a eleições autárquicas, como se de troféus de caça se tratasse, tendo em vista a tomada do poder central e alimentar as clientelas com benesses e mordomias. Um Poder Local, servil e subserviente, portanto. Assente, para lá do mais, num processo eleitoral autárquico abastardado em antecipado acto eleitoral legislativo, que nada mais é que um enfeite democrático de efeitos perversos.

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico (VS 29/7/2021)

Henrique Pedro