Nunca pensámos que isto acontecesse. São muitos os que estas palavras pronunciam. São os nossos que a um ritmo vertiginoso nos vão deixando sem que possamos pronunciar um adeus. E os que cá ficam vão lamentando a ausência, lembrando tempos passados em que a felicidade ia prosperando. Recordamos os que partiram, como se eles fossem a razão do nosso existir. Capitulamos perante esta hecatombe cujo fim não mais chega e vivemos nesta incredulidade, aguardando dias melhores. É isto a vida… Espreita-nos a efemeridade da existência. O princípio esperança fará parte de todos nós. Tentemos ser fortes, estoicos, embora não nos esqueçamos nunca os que foram grandes entre nós e nos alegraram os dias. Em dia de aniversário serás lembrado, parafraseando o poeta. Nascera a 26 de novembro de 1943, no Algarve, em Alcantarilha, terra sua, que lembrou em poema com o mesmo título.
Falando de... Torquato da Luz
Aqui é que sou eu,
Aqui é que estou certo.
Regaço a que regresso,
Natural e liberto,
Neste chão que é o meu
Me recomeço.
Segundo consta da sua certidão de nascimento, nasceu Torquato dos Santos da Luz, às 19H00 do dia 26 de novembro de Cultura 1943, sendo filho de Domingos da Luz e de Maria dos Santos. Depois, de estudos primários na sua terra natural, rumou a Faro onde concluiu os estudos secundários. Seguiu-se a Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, onde se licenciou em Ciências da Informação, defendendo a tese sobre “Direito à Informação e Direito à Intimidade”, tendo sido professor de Deontologia da Comunicação no Ensino Superior particular. Sempre ligado ao jornalismo, além de redator do Diário de Lisboa, foi redator no Diário de Notícias (1968 a 1975), redator e diretor no Jornal Novo (1975 a 1979), diretor de A Tarde (1979 a 1981), diretor do segundo canal da RTP, tendo dirigido o Gabinete de Estudos de Audiência, assessor do Conselho de Gerência da RTP (1981 a 1989) e membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (1990 a 1999), eleito perla Assembleia da República. Foi, ainda, membro do Conselho de Imprensa, em representação dos diretores dos jornais diários, membro do Conselho Geral da ANOP, em representação da RTP, administrador ds Federação Portuguesa Século XXI, membro das Comissão Organizadora da 1ª Feira das Indústrias da Cultura, em representação da RTP e membro da Comissão Consultiva para a Rádio Difusão. De estro precoce, publicou o primeiro livro em 1963, dedicado à mãe, em edição do Jornal do Algarve, Poemas da Verdade, dividido em cinco partes, com 46 poemas. Não parou a sua atividade, tendo publicado os seguintes livros:
O homem na cidade, 1968
Voz suspensa, 1968
Lucro Lírico, 1973
Choque de Alegria, 1975
A Porta da Europa, 1978
Destino do Mar, 1991
Deserto Próprio, 1994
Ofício Diário, 2007
Por Amor e outros poemas, 2008
Espelho Íntimo, 2010
O homem na cidade constitui um conjunto de crónicas, publicado pela Prelo Editora, onde, além de Torquato da Luz, colaboram vários escritores, entre os quais Joaquim Letria, Fernando Assis Pacheco e José Carlos Vasconcelos. Choque de Alegria é um livro em prosa, com 26 textos, que a contracapas acrescenta que “ilustra(…) a tese segundo a qual o homem é produto, ou suporte da estrutura económica e social. Destino do Mar, publicado pelas Edições Margem, em 1991, apresenta um prefácio “Sobre a poética de Torquato da Luz”, de autoria de Carlos Lemonde de Macedo. Além das obras publicadas em seu nome, tem, ainda, obra dispersa em Antologias, como Poesia 70 e Poesia 71, da Editorial Inova, Vietnam, da Editora Nova Realidade, e 800 Anos de Poesia Portuguesa, do Círculo dos Leitores, Caliban ¾, Algarve “todo o mar”, “De Luz e de Sombra”, antologia poética, Papiro Editora, 2008, “Os Dias do Amor”, edição Ministério dos Livros, 2009 e “Divina Música- Antologia de Poesia sobre Música”, organização de Amadeu Baptista, Viseu, 2009. Hoje, pode-se afirmar que toda a obra de Torquato da Luz se encontra esgotada, sendo de difícil aquisição, mesmo, em alfarrabistas mais bem cotados. Ler Torquato da Luz em livros pequenos, facilmente manuseáveis, é uma manifestação de deleite, para quem à poesia dedica um pouco do seu tempo. São marcas de um lirismo que se engasta e não se esquece. Poemas facilmente memorizáveis, são uma manifestação de amor, escrita numa linguagem muito acessível, aliada a uma paixão, onde o erotismo parece perpassar a cada momento e a mulher é a manifestação de um desejo que se quer objetivar. Ela é a alma-mater que inspira o poeta apaixonado que parece biografar-se em cada texto, e onde não falta a imagem do mar que não se esquece. Um apontamento:
Para Ti
Para ti quero a flora da madrugada, /a luz que chega dos lados do mar, /o cântico das ondas sobre a praia/e o voo sereno das mais raras aves. Para ti quero a estrela da manhã/a brisa que refresca o fim da tarde, /o sabor perfumado das romãs/ e a placidez do tempo das searas. Para ti quero isto, aquilo e tudo/o que cabe e não cabe neste mundo.
Revelação
Descobri que te amava/quando vi/ que ao pé de ti/o tempo se esfumava.
Entretanto
Sei a linguagem dos teus olhos,/ aves de poiso vacilantes,/ sem gavinhas galgando/o muro dos dias Tudo é incerto e veloz/nada garante nada,/mas entretanto esses olhos/iluminam-me a casa.
Contigo
Tudo é mais fácil quando estou contigo:/os medos interiores desaparecem/e em seu lugar de súbito florescem/ mil e uma formas de enfrentar o perigo/ que os momentos sem ti depois me oferecem.
Um poeta no mundo do inteligível, à maneira platónica, pedindo que o leiam. Partiu, deixando um legado no prazer da sua palavra para deleite dos que apreciam a bela língua portuguesa. Foi em 24 de março de 2013, aos 69 anos, na cidade de Lisboa, deixando um rasto de saudade nos que o amavam e o liam. Vimo-lo muitas vezes em Armação de Pêra. Sem saber que aquele chão era pisado por um poeta daquela estirpe. Lembramo-lo agora em tempos de aniversário…
João Cabrita