“Encontrámos uma câmara com bastante dificuldade na gestão diária, muito deficitária a vários níveis”

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Ter, 30/11/2021 - 10:15


Pedro Lima tem 48 anos e foi eleito presidente da Câmara Municipal de Vila Flor à segunda tentativa. É também empresário agrícola neste concelho, mas começou a carreira no mercado aeronáutico, em 1998. Em entrevista ao Jornal Nordeste falou da situação em que encontrou a câmara, quando tomou posse a 10 de Outubro, e dos projectos para os próximos quatro anos

Quando chegou à câmara a situação era aquela que imaginava?

Não propriamente. Quando há um mês assumimos funções a ideia que existia era de uma câmara muito bem gerida, porque era essa a visibilidade, através de um saldo de uma conta bancária, e não foi propriamente essa gestão cuidada que encontrámos. Encontrámos sim uma câmara com bastante dificuldade ao nível da gestão diária, portanto muito deficitária a vários níveis e uma câmara onde se usa ainda muito o papel, um registo manuscrito. Em qualquer outra câmara do país já se evoluiu para a digitalização, para os processos online, que salvaguarda não só um registo mais eficiente como também garante uma gestão mais eficaz dos recursos. Falou de situações deficitárias.

Que situações foram essas que encontrou?

Nomeadamente recursos humanos. A câmara de Vila Flor não está dotada de alguns profissionais em algumas áreas. Encontrámos algumas situações até de posicionamento de alguns colaboradores aqui dentro da câmara que estava errado e já com essa situação vinda desde 2019 e problemas de gestão de área comum, que ia sendo visível a toda a população, mas que a imagem que era passada era de uma gestão muito competente, mas na realidade só mesmo o saldo bancário é que era, de alguma forma, positivo. Mas se não gastarmos evidentemente que o dinheiro tem que estar lá, ou seja, se não investirmos em pessoas, em formação, em sistemas que dotem a nossa câmara de mais capacidade e eficácia na gestão e também em acções junto das populações locais.

Refere-se aos 3,5 milhões que ficaram por gastar?

Sim, boa parte deve-se a isso. A poupança não é um milagre, é sim um espelho de uma gestão que, a meu ver e por isso nos candidatámos e conseguimos vencer, era desadequada, antiquada, que residia na decisão de uma só pessoa e isso hoje em dia isso não se usa. Hoje em dia temos que estar mais próximos das pessoas, da população e a gestão rem que ser feita por uma equipa capaz e multidisciplinar e, portanto, é mais por aí que eu vou, embora eu queira sublinhar que a governação deverá ser uma linha continua e eu quero manter esse espírito acima de tudo pelo bom nome de Vila Flor e, de certa forma, aceitar a herança, mas falar mais de uma perspectiva futura, porque o passado os vila florenses conhecem-no.

E nessa perspectiva futura prometeu uma política de proximidade e isso começa com as sessões de freguesia aberta?

Sim. A nossa política assenta em duas palavras-chave: disponibilidade e proximidade. O envelhecimento é realmente uma vertente da nossa política, o envelhecimento activo, portanto as pessoas devem ser úteis nas suas vidas até ao fim, em plenitude e independentes. Isso tem tudo a ver com a presidência aberta que começamos em Vale Frechoso, numa terra onde é visível o envelhecimento e o isolamento. Não é só o cumprir de uma promessa, é uma mensagem para que as pessoas tenham próximas de si alguém que faz parte de uma equipa e pode decidir por elas, ou seja, em vez de as pessoas terem que se deslocar ao decisor politico, o decisor político escolhe deslocar-se às pessoas. E dessa maneira vamos contribuir para a visibilidade de todas as nossas aldeias, por isto vai acontecer com muita frequência, quase de forma mensal nos vamos deslocar às aldeias do concelho. As pessoas irão pensar mais activamente sobre as suas terras, de certa forma até mais colectivamente, com sentido de comunidade, porque evidentemente não vão ficar indiferentes à nossa presença e espero que se preparem para a mesma. Será um desafio, sem dúvida, mas para mim a vida é feita de desafios e este é um desafio que eu espero encontrar sempre um sorriso para o enfrentar e para trazer esperança às pessoas e contribuir para que elas se sintam úteis e se possível, onde possível, como for possível, executar aquilo que elas pedem e esperam, porque muitas vezes são coisas simples. Espero que estas presidências abertas, que estas deslocações, tragam essa proximidade e disponibilidade à população de Vila Flor.

E vai permitir-lhe ter uma noção mais concreta das necessidades do concelho?

Esse é mesmo o objectivo, sem filtros, sem ter intermediários, vamos directamente à terra, às pessoas, caminhar cada caminho, cada canelho, e acarinhar cada pessoa e escutá-la. Dessa forma eu acho que é mais fácil a cada uma das pessoas transmitir os seus anseios, desejos, expectativas. Quando têm que passar por alguma intermediação fica sempre mais difícil, por isso a camara municipal de Vila Flor vai fazer esse esforço durante a duração deste mandato.

Fala também do envelhecimento activo, é aí que surge a Universidade Sénior? Quando é que as pessoas podem começar a usufruir dela?

A Universidade Sénior foi outra das nossas directrizes que tem tudo a ver com o envelhecimento activo. Temos a Universidade Sénior pronta a começar, estamos a ultimar os preparativos para a sua localização física ficar definida e contamos com a sua abertura no início do próximo ano. Ficará numa antiga escola básica de Vila Flor.

Vila Flor é uma terra de agricultores. O que é que pretende fazer para ajudar este sector no concelho?

A criação do pelouro da agricultura vai ser uma realidade durante o ano 2022. Vamos chamar todas as instituições que tenham a ver com a agricultura dentro de Vila Flor e algumas fora de Vila Flor, para iniciar um processo do desenvolvimento de uma estratégia concelhia para Vila Flor que também passará por iniciativas como o cadastro concelhio, que vai dar início ainda antes do próximo ano, entre outras iniciativas, nomeadamente um plano de recuperação de caminhos agrícolas a nível concelhio e de intervenção nesse aspecto e dentro da agricultura em si e da estratégia que vai apoiar, gostaria de destacar um apoio directo logístico a todos os intervenientes, ou seja uma empreendedor em Vila Flor vai ter no pelouro da agricultura, que será uma espaço físico, vai ter aí, além de um técnico disponível, vai ter também um político a quem ficará atribuído o seguimento e a verificação de que esse empreendedor está a ser tratado e bem conduzido para chegar a bom porto.

Falou dos caminhos e do seu melhoramento. Pode ser realmente um entrave ao desenvolvimento da agricultura e à venda dos produtos?

Eu acho que isso é tão óbvio e o que eu penso sobre os terrenos agrícolas é que é o caminho para o trabalho. Então porque aceitamos que para nos deslocarmos diariamente para o nosso local de trabalho que é uma parcela agrícola, servida por um caminho agrícola, não achamos que isso já uma questão de justiça e de acesso à propriedade e ao desenvolvimento da mesma? Para além disso, há certos produtos que dependem de um bom caminho agrícola, nomeadamente a fruta. Por exemplo, o pêssego tem um elevado grau de rejeição, pode não ser só por isso, mas também porque os caminhos agrícolas estando em mau estado de conservação, a fruta fica “tocada” e já não é aceite nos mercados, o que causa graves prejuízos para os agricultores. Já não para não dizer que não se consegue chegar com maquinaria. Isto não é um trabalho fácil, mas é um trabalho que tem que ser iniciado pelo menos. No passado acostumamo-nos a dar um jeito ao caminho, daqui para a frente vamos desenvolver uma estratégia para que o que for feito seja bem feito, seja na tentativa de não ter que voltar a fazer. Esse é o nosso pensamento, para isso vamos ter uma pelouro da agricultura para definir estratégias, prioridades, com dotação orçamental com técnicos disponíveis para todo o apoio desde a produção à comercialização dos produtos agrícolas.

O que é que a Câmara pode fazer para aumentar a projecção e divulgação desses produtos?

Quando eu falava que a governação deve ser uma linha contínua, para mim a Câmara Municipal de Vila Flor teve uma iniciativa de relevo e que para mim foi um exemplo a nível distrital e até a nível nacional, chamada Terra Flor. Sou completamente insuspeito para falar sobre a Terra Flor, porque nada tive a ver com a sua origem e admiro a sua criação. Tenho pena que não tenha havido coragem suficiente para continuar com essa iniciativa no patamar em que ela deveria ter permanecido. Essa é uma das formas de projectar os produtos agrícolas, pegar na Terra Flor, elevá-la de novo ao seu patamar, mas com uma nuance diferente, porque hoje em dia os mercados são diferentes, Vila Flor compete em mercados de nicho, de alta qualidade e não de quantidade, por isso, a estratégia, evidentemente, tem que ser diferente no ataque do mercado. Além de ter uma Terra Flor renovada, mas com a mesma índole da criação, ter uma Terra Flor que vai chamar o mercado a si, ou seja, dentro da dinamização ter um dia temático sobre o vinho, onde adegas, compradores, exportadores de vinho para mercados alvo, identificados pelo pelouro da agricultura, dentro dessa estratégia concelhia de desenvolvimento, trazer cá os potenciais compradores. É impensável que alguém de Vila Flor ou concelho limítrofe venha especificamente a Vila Flor comprar produtos que todos nós temos e que esteja disposto a pagar o preço que é necessário pagar para comprar os nossos produtos, porque são produtos diferenciados. É por aí que temos que ir.

Então o objectivo é atrair o mercado externo?

Sim, acima de tudo sim. Nós temos o mercado brasileiro, chinês, o japonês para o azeite, o mercado canadiano, temos mercados muito diferenciados, pagam a qualidade e que nós temos toda a capacidade de os fornecer, temos é que conseguir trazê-los cá, porque esse tipo de mercado exige uma relação de confiança com o produtor, não se importa de pagar, mas quer o retorno, quer a história, não quer só uma garrafa de vinho.

E agricultores daqui estão preparados para ter essa abertura?

Este é um caminho árduo, difícil e laborioso. Temos que dar o primeiro passo, provar- -lhes que este é o caminho que lhes vai dar maior retorno. Evidentemente que a coisa mais difícil na vida de qualquer pessoa é a mudança, aceitarmos uma mudança, adaptarmo-nos a uma nova realidade. Uma coisa de que todos temos a certeza em Vila Flor, é que da maneira que estava, e está, não é sustentável. Isto dá-nos uma possibilidade de termos mais facilidade em convencer as pessoas que este é o caminho. Eu tenho a convicção de que já temos muita gente em Vila Flor que pensa assim e que realmente não vê outra forma de a nossa terra “vingar”, a não ser pela produção de alta qualidade e para isso precisamos de um mercado que a reconheça e a pague. É um concelho envelhecido, mas a fixação de jovens é também um dos seus objectivos.

O que é que pode ser feito para atrair os jovens ou, pelo menos, para não deixar que eles saiam do concelho?

O problema aqui é conseguir gerar riqueza. Ao gerar riqueza vão-se gerar postos de trabalho. Não será, com certeza, a função pública nem as IPSS que vão garantir um emprego de futuro a alguém, porque esses empregos duram enquanto houver gente e para haver gente tem que haver uma iniciativa privada, tem que haver uma produção forte, um mercado conquistado. A melhor coisa que podemos fazer para assegurar esse futuro é lançar os alicerces para esse trabalho. No entretanto, o que devemos fazer é dar um incentivo a quem se fixa e nós falámos de um apoio dado da natalidade à universidade, que vai tentar, não só desenvolver um apoio financeiro, mas também um apoio logístico aos jovens. Há coisas simples que podemos fazer, como o desenvolvimento de uma página na internet, onde todos os alunos oriundos de Vila Flor se encontram, de uma forma virtual, e onde têm o devido apoio. A câmara entra aí com uma função não tão de carácter financeiro, mas de apoio logístico. E também criar o espírito de “orgulho” de ser vila-florense, porque vamos ter uma possibilidade maior de que os jovens retornem à sua terra, nem que seja por iniciativa própria, desenvolvendo os seus próprios empregos. Temos muitos jovens em Vila Flor que fizeram isso e é de louvar, nas circunstâncias actuais. Nós devemos dar as ferramentas para se trabalhar e não o pão. Ou seja, temos que desenvolver a nossa agricultura, os nossos produtos, temos de gerar riqueza essa via, através do turismo também. Um turismo ligado ao agroturismo, enoturismo, turismo religioso, turismo de natureza. Temos trilhos fantásticos, percursos pedestres registados internacionalmente, e ao gerar essa riqueza, os jovens dotados das ferramentas próprias, ou seja, de uma educação e formação competente, tenho a certeza que muitos vão criar as suas próprias oportunidades.

Tendo em conta o balanço que fez da situação da câmara, que medida quer tomar no imediato? O que quer mudar o mais rápido possível?

Quero dotar esta casa de meios informáticos digitais o mais rapidamente possível, porque isso é realmente um entrave muito grande numa gestão eficiente. Esta câmara ainda despacha em papel e não é viável, este é realmente o passo que mais me apraz dar de imediato. Mas são muitos os passos e como não sou só eu que estou a dar esses passos, como temos uma equipa muito larga, incluindo todos os colaboradores da câmara, estamos a dar muitos passos em paralelo e em simultâneo, em variadíssimas áreas. A câmara está a mexer-se, as pessoas estão a ganhar uma autonomia de vida e estamos a ver melhorias em todas as áreas de actuação da câmara. Parece que havia um adormecimento, porque havia uma asfixia devido a uma gestão muito própria, muito característica, de uma pessoa e agora continuamos a ter uma pessoa que é a camara do município, continuamos a ter um presidente, mas partilham-se decisões, partilham-se estratégias e eu tenho a certeza que essa é a forma correcta de se viver e de se gerir a coisa pública.

Foi vereador nos últimos quatro anos. Candidatou-se pela segunda vez e ganhou. Agora que está neste cargo, este caminho que tem a percorrer nos próximos quatro anos, é mais difícil do que esperava?

Mais difícil não, porque sempre estive pronto para o grau de dificuldade, nunca tive dúvidas de que iria ser um grande desafio. Estou preparadíssimo, tanto a nível pessoal, como a nível familiar. A dedicação total e inequívoca à causa pública, o que traz um afastamento muito grande da família. Estes últimos quatro anos de vereação fez- -me ganhar convicções. E nada acontece por acaso. Em 2017 talvez não fosse a altura certa, mas em 2021 era a altura mais do que certa.

Jornalista: 
Ângela Pais