Bragança dos pequeninos

Qui, 06/02/2014 - 10:42


» Presépios, figuras criadas ao pormenor, edifícios da cidade de Bragança reproduzidos à escala menor pelas mãos de José Santana.

Além do Rio é um recanto da cidade de Bragança muito especial. Um lugar pequeno, onde só o barulho do rio Fervença quebra o silêncio e onde há um mundo encantado que atrai miúdos e graúdos: o jardim do senhor José Santana. Não é um jardim qualquer. É habitado por pequenas figuras de esferovite e massa de azulejo que representam vários monumentos da cidade, em ponto pequeno.
Imagine o imponente Castelo, a Catedral, a Junta de Freguesia de Santa Maria ou a Igreja de Santa Clara em miniatura. Consegue visualizar? São verdadeiras obras de arte feitas pelas mãos sábias de José Santana, um brigantino de 73 anos.
Foi há nove anos que o senhor Santana descobriu a habilidade para fazer bonecos ou monumentos, edifícios em ponto pequeno, depois não parou mais.
“Comecei por fazer o presépio quando cheguei de França e coloquei-o, na altura, na Torre Alta. Comecei a fazer e nunca mais parei”, conta o artesão.
Foi em França, onde esteve emigrado 37 anos, que fez os primeiros presépios, em miniatura para as filhas.
Não é de estranhar a habilidade para estes trabalhos. É que José Santana construía pontes em território francês. “Ajudei a construir pontes famosas. Fiz uma ponte de 5 quilómetros para comboios. É um trabalho difícil. Foram muitos anos na construção, cheguei a ser chefe de equipa”, realça.
E foi a vivência em França que inspirou José Santana a construir a Torre Eiffel, monumento emblemático daquele país, não no tamanho real, mas com cerca de três metros, que atrai a atenção de quem por ali passa.
Memória fotográfica

José Santana não precisa de fita métrica ou de esboços muito elaborados dos edifícios da cidade. A memória fotográfica é o seu melhor instrumento de trabalho. José Santana observa, tira notas e coloca mãos à obra. Às vezes confessa que tem que voltar a passar junto do edifício para se recordar de alguns pormenores.
A Praça da Sé, o Santo Condestável, a Catedral, entre outros locais e monumentos emblemáticos estão representados ao pormenor e quem olha tem a sensação que está a ver o edifício real.
Os trabalhos são minuciosos. “Tenho que os fazer com calma. Às vezes faço, desfaço e volto a fazer. Em nove anos fiz isto tudo. Não sei dizer quanto tempo demorei a fazer cada um mas foi bastante”, afirma.
Outro trabalho que desperta a atenção de quem passa é a Torre de Pisa, o conhecido monumento italiano. José Santana não teve uma inspiração especial, viu numa revista de viagens e decidiu fazer, tal como o Taj Mahal da Índia.
“Ninguém fica indiferente. Toda a gente gosta e pára para ver. As crianças adoram o presépio, mas este ano choveu muito e não conseguiram tirar muitas fotos”, enfatiza o artesão.
Figuras marcantes e tradicionais
São José, Maria, o Menino Jesus e o burrinho são as figuras que despertam mais interesse nos mais pequenos. São verdadeiras obras de arte, construídas por José Santana. “Faço isto tudo sozinho. Ninguém me ajuda nem a fazer nem a desfazer o presépio”, confessa.
Todos os trabalhos são especiais e não têm preço. “Faço por gosto e para mim. Já houve pessoas que quiseram comprar, mas não quis vender”, diz o artesão.
São muitas as pessoas que já sugeriram a José Santana mostrar os seus trabalhos em feiras de artesanato, mas este recusa-se. “É uma paixão e não uma forma de ganhar dinheiro”, justifica.
De entre as várias figuras no jardim dos pequeninos de José Santana, os “bêbados” despertam a atenção. São três amigos sentados à volta de uma mesa como se de um ambiente de café se tratasse. A barba e o cabelo são reais. “Sempre que cortava o cabelo guardava e assim fiz a barba e o cabelo deles”, conta.
José Santana recria ainda profissões perdidas no tempo e que fazem parte do presépio do artista. A senhora que vai à água com o cântaro na mão, a fiadeira, o ferrador ou os pastores parecem ganhar vida no jardim dos pequeninos de José Santana.
E que dizer dos conhecidos Homens da Luta? De guitarra na mão e megafone, uma réplica fiel das figuras revolucionárias.
Os brigantinos não se cansam de observar as obras de arte de José Santana, tal como os turistas, especialmente os franceses. Tiram fotografias e os que todos os anos visitam Bragança ficam curiosos para saber se há figuras novas.
José Santana olha atentamente para todas as obras de arte que criou nestes nove anos e pensa já no próximo trabalho que vai fazer. O Santuário de Fátima. Um autêntico desafio para o artesão, que em breve vai meter mãos à obra para recriar em ponto pequeno o lugar sagrado.
José confessa que é “um trabalho complicado”, mas que quando começar não vai descansar enquanto não o terminar.

Destaques
Próximo desafio de José Santana é criar em miniatura o Santuário de Fátima

Turistas que visitam Bragança todos os anos ficam curiosos para saber se há figuras novas

Coluna ou caixa
Recordações do futebol
Mas, o talento de José Santana não é de agora e estende-se a outras áreas. José Santana jogou futebol, oito anos no Grupo Desportivo de Bragança, a médio e sempre titular. “Não era jogador de banco, nunca estive no banco”, conta com orgulho e nostalgia.
O artesão gosta de lembrar os jogos com o rival Mirandela, onde os adeptos viviam intensamente os dérbis. As rivalidades eram muito grandes, mas José Santana era dos poucos brigantinos bem-vindos em território inimigo. “Eu nunca tive problemas. Em Mirandela costumavam dizer que era o único que podia ir lá sem problemas”.
Perdido nas memórias da vida e neste caso do futebol, José Santana recordou com saudade os tempos da bola e da forma como outrora era vivido o futebol. “O futebol não era como agora. Hoje têm boas botas, bem preparadas, antigamente pesavam mais as botas do que nós. Jogávamos no campo do Toural e para chegarmos à baliza no Inverno era difícil com a lama que havia no campo. Antigamente suavam bem a camisola. O prémio era de 100 escudos, na altura dava para uns cafés com os amigos”, recorda.