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Cartão branco e um medicamento chamado futebol na acção “Ética no Desporto”

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Qua, 19/12/2018 - 08:46


Os valores e regras que o desporto oferece, tornando-o num instrumento pedagógico na formação do ser humano, foram tema central da formação dirigida pelo coordenador do Plano Nacional Ética no Desporto, em Mirandela.

Que mensagens transmite aos outros através da sua imagem

Quando se olha ao espelho já se perguntou sobre o que a sua imagem transmite às outras pessoas? Essa imagem que vê relaciona-se consigo, tem a ver com o que realmente é ou gostaria de ser?

Na realidade a imagem que cada individuo transmite é um conjunto de características e uma série de comportamentos que podemos visualizar numa pessoa. Não se trata apenas da sua aparência física ou da forma como se veste, mas também da postura, da maneira como anda, como se senta, das inflexões vocais, da linguagem corporal seja durante uma conversa social, seja numa uma entrevista formal, qual o estilo que adota (relacionado com acessórios, maquilhagem, penteado e cores).

Estudos efectuados (pelo

“Management Institute of Technology”/EUA) referem que são necessários apenas alguns segundos (dez a sessenta segundos), para caracterizarmos um indivíduo, e isto através da roupa, tom de voz, expressões faciais, gestos e atitudes. Do impacto que a imagem exerce perante os outros retém-se uma primeira impressão desse individuo, baseada 55% na sua aparência física e ações, 38% na entoação da voz e 7% no que se diz e nas capacidades intelectuais óbvias. E em poucos segundos (na primeira impressão) formulam-se opiniões sobre o indivíduo como idade, género, raça, religião, nível sócio económico, status, nível de sucesso, entre outros. E também se projectam sentimentos como simpatia, antipatia, desejo ou rejeição nesta primeira impressão.

Causar uma boa primeira impressão é quase um requisito para o sucesso nos dias de hoje. Aliás, frases já bastante populares como “a primeira impressão é a que fica” ou “nunca terá  uma segunda oportunidade de deixar uma primeira impressão” são quase “máximas” de vida que praticamente todos conhecem.

O primeiro olhar é aquele que ficará para sempre gravado no subconsciente de quem nos conhece. Assim, a imagem pessoal é um factor crucial para refletirmos aos outros a nossa personalidade, mas, mais do que isso, é essencial para demonstrar a nossa auto estima (boa). Essa, inevitavelmente, irá contribuir de forma positiva e decisiva para a “primeira impressão”.

Por certo não podemos alterar uma primeira impressão, mas ela pode ser sobreposta por uma segunda e terceira impressões. A questão é que em muitos casos não temos essa oportunidade. Daí a importância de termos a imagem que nos define.

Na sociedade actual, imagem e aparência têm uma importância vital. Tanto aparência (roupas, acessórios e cuidados pessoais), como comportamento (acções, atitudes e postura) e comunicação (verbal e não verbal) são de suma importância para a construção da imagem pessoal e profissional.

Platão, na Grécia Antiga, escreveu em “A República” que... “imagem é tudo aquilo de algum modo criado por alguém para representar algo…”

Quer se queira ou não, todos os indivíduos têm uma imagem pessoal. Através dela cada indivíduo é percebido pelos outros e é criada uma reputação fundamentada nessa imagem.

A imagem não é estática, é dinâmica e deve ter coerência com a verdade de cada um. Ela pode ser uma grande aliada para se atingir o sucesso pessoal e profissional, mas também pode destruir uma reputação em poucos segundos.

As roupas, um dos fatores determinantes da composição e construção da imagem, funcionam como símbolos. Posicionam-se também entre o individuo e o mundo externo.

Funcionam ainda como uma “interface” entre o ser interior e o ser exterior, de que emanam ideias, sentimentos e conceitos elaborados por cada um. São criadas representações a partir de perceções distintas de si ou de outros.

Já parou para pensar o que as suas roupas simbolizam? O que as suas roupas falam de si? Porque, inevitavelmente, as roupas que cada um veste, a forma como se combinam peças e cores, comunicam mensagens que, idealmente, deveriam transmitir a verdadeira essência de cada um.

A roupa que se veste é uma forma de apresentação ao mundo social, facto que é de grande relevância, mas nem sempre se lhe dá a devida atenção. Não se trata de “estar na moda”, mas sim transmitir mensagens que os elementos de design das roupas exprimem. Estes elementos de design referem-se às linhas, às formas, às texturas, às cores, aos padrões e estampados existentes nas peças de roupa. Esses elementos revelam significados sobre quem a veste. O desejável é dar significado à sua personalidade.

Quem não se confrontou já com profissionais rígidos a necessitarem de mostrar mais flexibilidade, mulheres demasiado “sensuais” ou “delicadas” a precisarem de ter mais autoridade sobre a sua equipa ou clientes, pessoas com elevado conteúdo humano e/ou intelectual parecerem superficiais, pessoas exigentes transmitirem desleixo?  Todos estes casos têm em comum a  incapacidade de comunicarem o que necessitam ou o que realmente são.

A escolha das roupas certas pode ajudar. De facto, existem roupas que transmitem autoridade, solidez, força, segurança, confiabilidade de acordo com os seus elementos de design. Algumas pessoas naturalmente comunicam essas características de personalidade, mas outras não as possuem ou não conseguem expressá-las. E se for importante e necessário para esse individuo (profissional ou socialmente) apresentar essas características, pode e deve usar a roupa a seu favor. 

Inversamente, quem possui essas características, se as reforçar ao vestir, pode apresentar uma imagem demasiado rígida e autoritária. Neste caso recomendar-se-ia o oposto, isto é, deveria usar peças de roupa que transmitam mais leveza, delicadeza, acessibilidade, cooperação.

As roupas funcionam através de um efeito psicológico na auto imagem e na auto estima de quem as veste, e, principalmente, na percepção que os outros têm sobre esse indivíduo. Podem mesmo construir-se várias identidades para se estar mais próximo do que se quer ser ou parecer ser.

A imagem pessoal que se mostra é vital para todas as áreas da nossa vida, é um forte meio comunicativo e, de certo modo, manipulador, fundamental para as relações pessoais e profissionais diárias. Ela antecipa-nos sempre para além de qualquer forma de comunicação, seja real ou direta. Nem sempre se conseguem traduzir as nossas intenções de forma positiva, mesmo que  incutindo-lhes algumas distorções e alterações. Este risco pode conduzir-nos ao sucesso (imagem de sucesso), ou, por outro lado, pode arruinar expectativas futuras relativamente a uma determinada situação, um encontro ou um qualquer evento.

Saber utilizar a imagem a nosso favor é um acto de inteligência e sabedoria, uma vez que uma imagem adequada, que transmita as mensagens pretendidas e sendo parte integrante de um percurso para alcançar os objetivos comunicativos que se estabelecem, pode ser decisiva para todo esse processo.

Através dos media criou-se no imaginário coletivo a ideia de imagem ideal correspondendo a padrões de certa forma impostos pela indústria da moda. Contudo a imagem ideal não é real, não existe.

Mas por outro lado, a imagem pode ser projetada e construída em conformidade com a realização dos projetos pessoais e profissionais que cada um pretende atingir e com o seu propósito de vida.

A imagem pessoal induz opiniões e pode direcionar comportamentos dos outros em termos de vontade, de atender aos nossos pedidos, de aceitar opiniões e propostas e garantir-nos mais acesso a informações e oportunidades, ou por outro lado, rejeição.

Sendo um veiculo de informação e comunicação poderoso, as vantagens em fazer uma gestão estratégica da imagem pessoal são infinitas.

Para uma Imagem de sucesso são requisitos essenciais a atitude, a credibilidade e a coerência na comunicação verbal e não verbal.

Melhorar a imagem controlando a impressão que transmitimos é um ativo que devemos analisar, desenvolver e rentabilizar de forma adequada, sensata e inteligente.

Não devemos jamais negligenciar a Imagem. Uma imagem coerente e diferenciada vai permitir, para além de aumentar a auto estima e a auto confiança, um reconhecimento de valorização pessoal por parte dos outros, quer seja na vida pessoal e social, quer seja na vida profissional. Através da imagem damo-nos a conhecer e somos também conhecidos. É a marca que deixamos e que diz realmente quem somos.

É vital na sociedade atual construir uma imagem alinhada com a personalidade de cada um, com a sua essência e com os seus propósitos de vida. Ela pode ser trabalhada e “manipulada”, com atitudes e ferramentas adequadas de modo a se alcançar uma imagem de sucesso, mas sendo sempre uma extensão do eu interior de cada um.

Já Epicteto dizia “Primeiro saiba quem é, depois vista-se conforme”.

A resistência poético-política em Apenas Madrugada, de Francisco José Lopes

 

Criar não é comunicar, mas resistir.

Gilles Deleuze

 

1. Prólogo

A quinta obra de poesia de Francisco Lopes, apresenta uma estrutura tríplice. A primeira parte, composta por vinte e cinco poemas, está subordinada ao título “em pleno dia”; a segunda, com o mesmo número de composições, apresenta o sugestivo e romântico título “noite dentro”. A noite, como momento propício para a criação artística e poética, é uma herança romântica. A noite é o momento da viagem e da inquietação do poeta, mas é, sobretudo, o solo onde germina e cresce a poesia. A terceira, com vinte e quatro poemas, responde pelo nome “apenas madrugada” que acabará por dar título à obra.

 

2. Uma poética de resistência

A poesia e a imaginação asseguram ao ser humano

a possibilidade de libertação.

 

Em tempo, asseverei que a poesia de Francisco Lopes era “a poesia da vida”. Agora, afirmo que a sua poesia é uma poética de resistência, não só em seu benefício, mas sobretudo em prol da coletividade.

A pessoa do autor resiste, encontrado o poeta formas de dizer o mundo e o homem através da linguagem, questionando, em simultâneo, o seu próprio meio de expressão, ou seja, o seu modus faciendi, ou, por outras palavras, o seu processo poético.

Temos, assim, mundo, sujeito e linguagem, três formas de combate no território – não neutro – da página em branco, lembrando Mallarmé. O vate recorda-nos, na composição “Poema da liberdade”, que: “as palavras querem-se livres / mesmo na palma da mão / e uma folha branca / é como a própria vida / nunca se deve usar em vão!”. A linguagem, isto é, a palavra nunca é utilizada em vão, comporta sempre alguns riscos, tanto para o emissor, como para o receptor. A este propósito, lembro o poeta Carlos Oliveira que, no poema “Vento” do livro Cantata, escreve: “quem vos ferir / não fere em vão, / palavras”.

A resistência é, pois, um ato de desafio ao status quo que está escorado e acomodado à menoridade. Neste contexto, a obra poética, como toda a literatura, vale pelo que lá está escrito, isto é, as palavras, mas também pelo que não lá está, ou seja, pelas ideias que promovem e, sobretudo, por compelir o leitor a pensar. E sobre as teias de sentidos que enformam os poemas, recorro às palavras do poeta Nuno Júdice que afirma: “os fios de uma lógica que não passa apenas pelo sentido ou pelo que é dito, mas sobretudo pelo que só a perceção instintiva, sensorial, pode captar, no que está para além do que é dito e se solta das próprias palavras”.(1)

Chegados aqui é tempo de colocar três interrogações, a saber: quem ou que tipo de voz pensa, escreve e resiste; ao que resiste e, por fim, como resiste.

À pergunta quem ou que tipo de voz resiste, respondo que, antes de mais, é a própria poesia, que resiste através da linguagem. Ora, sendo na enunciação literária, a voz que resiste poética e ao ser poética não deixa de ser política, isto é, de ter implicações políticas, pode concluir-se que quem resiste é essa voz poético-política.

Em toda a escritura, e em especial na de Francisco Lopes, está patente a preocupação de fazer da vida algo mais do que o estritamente pessoal, de libertar a vida do que a aprisiona, ou seja, o eu tornar-se voz da comunidade, como já mencionei a propósito de outro livro do autor, pois os problemas que enfrenta e sobre os quais reflete, nos seus poemas, afligem todos. O poeta resiste continuamente, visto que reage ao pensamento dominante cuja finalidade é inferiorizar-nos.

Passando à segunda pergunta, ao que resiste a poesia ou a voz poético-política que no poema se configura. Em primeiro lugar, resiste à própria linguagem, forçando-a a alargar os seus limites, procurando dizer pela linguagem o que ela não diz, ou como já referi, ler o que não está no poema, ou, dito de outra forma, sugestionar outras leituras e interpretações. Neste contexto, esta voz poético-política resiste de forma ontológica e epistemológica à linguagem, lutando contra as formas hegemónicas de articular o mundo.

A página moderna, tal como a linguagem, está já povoada e sobrepovoada pelas intenções dos outros, para usar uma formulação de Mikhail Bakhtin, e a poética de Francisco Lopes, como já referi em vários locais, está pejada de vozes, ou seja, mantém um permanente diálogo intertextual com a tradição literária.

O autor ao escrever de forma diferente do que é esperado desafia a moralidade e a normalidade vigentes, desobedecendo à norma.

Em resumo, a metáfora da página em branco, que a partir do século XIX se impôs, é usada para representar os dilemas criativos do artista perante o vazio que preexiste ao ato criador.

Entrando na terceira questão, como se resiste? Ou por outros vocábulos, como se constrói uma poética da resistência? Há várias formas de resistir, a saber: por oposição, por recusa, por defesa, por não-cedência, por persistência, por insubordinação etc… Francisco Lopes armadilha os seus poemas com o propósito de rebater o convencional e tentar criar uma atitude de pensamento que leve à práxis, criando, assim, uma rutura textual, formal e ideológica.

O próprio estilo, inconfundível, do autor é, também, uma forma de resistência. A língua, para quem escreve, revela-se um sistema desequilibrado, daí que o escritor tente escrever, nessa mesma linguagem, mensagens potenciais que quer fazer passar e aparecer como uma luz que salte da folha escrita e nos faça ver e pensar o que está encoberto pelas sombras das palavras.

Na poesia do autor, como já tive ensejo de escrever, ressoam ecos do romantismo, na medida em que a sua forma é autorreflexiva, onde o poeta procura sentido na experimentação das palavras e na sua relação referencial com o mundo. O ritmo e a musicalidade dos poemas de “Apenas Madrugada” lembram-nos os

poetas simbolistas e modernistas dos finais do século XIX e limiar do XX, onde Camilo Pessanha e Pessoa, entre outros, pontificavam.

Afirmo que opções de leitura e escrita são formas de resistência cultural e não só. O prazer do leitor, perante as composições poéticas de “Apenas Madrugada”, dependerá da sua capacidade de participar na leitura penetrante que os poemas desta obra exigem. Pois estes carmes, mais do que regulamentos de leitura, oferecem experiências que auxiliam a compreensão do outro e do mundo.

 

3. Epílogo

Na primeira parte da obra, encontramos grande agitação exterior, assumindo o poeta a sua culpa por não ter estado atento aos que lhe acenavam em “pleno dia”. Pela segunda perpassa um desassossego interior, onde o poeta “noite dentro” dá azo à sua criatividade literária. Na última parte de “Apenas Madrugada”, o poeta convoca, de novo, à ação os seus contemporâneos para que, decifrando as suas metáforas, se insurjam e lutem por uma vida mais consentânea com a dignidade humana, que é imperativo conquistar, hoje mais do que nunca.

Em resumo, na obra poética de Francisco Lopes e, em especial, no livro Apenas Madrugada o leitor pode encontrar resiliência e inconformismo, intervenção e cidadania, educação e cultura, tudo mediado pela memória e o sonho quimérico de transformar mundo. A memória e o sonho são o património imaterial que alimenta o homem. A memória é o que nos prende à terra, é a raiz que nos sustenta em dias de vendaval. O Sonho é a tentação de quebrar essas cadeias e de ser totalmente livre, realidade inatingível, mas sempre almejada.

Recorrendo a uma linguagem poética cristalina e depurada, o poeta lembra-nos, entre outros cantos e desencantos da vida, que é tempo de resistir e de ter esperança, que ainda é tempo de canção de Abril, abril e maio são dois meses abundantes e significativos na sua produção poética.

O que alimenta a poesia de Francisco Lopes é a paixão pela vida. Por isso, ela é sempre recetiva, dialogando com os outros textos e com os leitores, convocando-os, de forma permanente, para um esforço de memória literária e para uma cumplicidade de camarada de (desen)cantos poéticos e existenciais. Na sua poesia, marcada por um intersecionismo de vozes diferentes, por tempos desencontrados, por leituras diversificadas, o que fica é o que foi resistindo às contrariedades da vida e da literatura.

Numa permanente lucidez à Álvaro de Campos, com uma contínua análise à realidade, a poesia de Francisco Lopes fascina pelo engenho e arte do verso e da organização estrófica e pela coloquialidade que cativa o leitor. Por todos estes atributos, a sua poesia é de grande rigor e maturidade, predicados que o leitor pode encontrar nesta como nas restantes obras do poeta.

Termino, citando as palavras de Jorge Luís Borges. Diz o narrador/Borges no conto “Biblioteca de Babel”: “preparo-me para morrer a poucas léguas do hexágono (biblioteca) em que nasci. Morto, não faltarão mãos piedosas que me atirem pela balaustrada; a minha sepultura será o ar insondável; o meu corpo precipitar-se-á longamente até se corromper e dissolver no vento gerado pela queda, que é infinita”.

Este morto não é o autor empírico, ou seja, a pessoa biológica, mas o autor textual, isto é, a obra, que não perecerá.

Oxalá, que destino semelhante e fecundo tenham os poemas de Apenas Madrugada, vivendo perenemente, na aceção horaciana, na mente e no coração dos leitores.

 

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Vasco Fernandes Campos (n. Vila Flor, 1618)

Nasceu e foi batizado em Vila Flor por 1618, sendo filho de Garcia de Campos e Leonor Henriques, ambos de Vila Flor. Criança ainda, seguiu para Castela com seus pais e dois irmãos. Viviam em Andújar quando o Vasco recebeu o crisma. O irmão mais velho, Pedro Rodrigues, casou já tarde, cerca dos 40 anos, e morava em Jaén, vivendo da mercancia. O outro irmão, Jusepe Henriques, foi casado com Marquesa Cardosa e morador em Jaén, falecendo em um desafio.

Em Jaén viveu também Vasco Fernandes e ali casou com Isabel Luís, nascida na mesma localidade. Tiveram 5 filhos, o mais velho nascido por 1647.

Por 1636 Vasco Fernandes e os pais viviam em Madrid. E então, numa das suas deslocações a Jaén onde vivia seu tio Manuel Henriques Valentim, este o terá doutrinado e introduzido no judaísmo. Vejamos a sua confissão, pois nos apresenta aspetos muito importantes para o estudo do marranismo e comportamento dos marranos:

— Seu tio lhe disse que as pessoas que viviam em Portugal e Castela não podiam observar (o judaísmo) porquanto a carne de vaca e carneiro que comessem se vende nos açougues e era morta contra a forma que mandava a lei de Deus de Israel; e procurou ensinar umas orações que havia de rezar e lhe disse que o nome que Deus mais se agradava era de Adonay, Dio de Israel, e que era uma só pessoa e que o verdadeiro batismo era a circuncisão e que se achasse em lugar próprio não deixasse de a fazer porque sem a circuncisão não era certa a salvação…(1)

Repare-se: em Portugal e Castela não podia cumprir-se a lei de Moisés e sem a circuncisão não havia salvação.

Fica implícito que, mais cedo ou mais tarde, todo o judeu devia procurar uma terra onde pudesse circuncidar-se e viver abertamente o judaísmo, cumprindo as regras da lei de Moisés, ou melhor, a lei de “Adonay, Dio de Israel”.

As mesmas certezas lhe foram transmitidas um mês depois por seu pai e, de seguida, pelo tio e padrinho de crisma Valentim Fernandes. E a verdade é que todos 3 agiram em consequência. Assim, o tio Manuel, pelo ano de 1645/6, deixou Castela e foi-se com a família para Livorno onde se fez circuncidar. O mesmo fez seu pai, pelo ano de 1657, o qual, na circuncisão, tomou o nome de Abraham. E o mesmo tinha feito o tio Valentim que, em 1650, vivia já em Bayonne, antes de rumar a Livorno. Àquela cidade francesa foi Vasco encontrar-se com ele e com ele celebrar a festa do Kipur.(2) Para além do tio, Vasco teve outros contactos de “edificação” e aprofundamento da lei judaica, devendo referir-se um Francisco Nunes de Leão “que fora a Holanda, de onde então vinha e se circuncidara e lia por uma Bíblia em castelhano e explicou algumas coisas”.

Enquanto o tio Valentim se abalava para Livorno, Vasco Fernandes regressou a Castela e, certamente em plano comercial de rede familiar, pegou na mulher e filhos e regressou a Portugal, fixando morada em Sendim, terra de Miranda do Douro, próximo da fronteira. A sua vida, porém, passava-se sobretudo nas alfândegas e nas feiras, como diria António Lopes Fernandes, mercador da vila de Muxagata que acrescentou:

— Sempre anda, de ordinário, de terra em terra, umas vezes assiste em Freixo de Espada à Cinta, outras em Vila Chã de Miranda, Porto, Entre Douro e Minho e no Alentejo e nestas partes fazia muita demora porque muitas delas eram de um mês, dois meses, três, e às vezes muito mais tempo…(3)

Por exemplo, no ano de 1655, desde 15 de julho até 9 de setembro andou pelas feiras do Alentejo. Enquanto isso, andando ele pelas “feiras, alfândegas e guindas”(4) e a família vivendo em Sendim, o filho mais velho tinha-o em Muxagata, hospedado em casa do mercador Gaspar Fernandes, a aprender as letras na escola da localidade.

Breve o mercador Vasco Fernandes Campos se fez conhecido “por ser homem de grosso trato” e por isso mudou a casa da família e a sede da sua empresa para a cidade do Porto, na Rua de Belmonte, assistindo ele por largas temporadas em Lisboa. O seu “trato grosso” era então baseado na importação de bocaxim de França, tafetás de Espanha, pólvora e panos de Holanda… com exportação de açúcar e tabaco que recebia do Brasil.

No seu processo desfila quantidade de mercadores Trasmontanos, como ele, estabelecidos no Porto e geralmente encontravam-se na “casa de jogo” de António Ledesma, oriundo de Bragança e que, na generalidade foram presos pela inquisição naquela vaga de 1658.

Relações especiais tinha-as Vasco com seu primos segundos Diogo e Francisco Vaz de Oliveira, de Freixo de Numão. Com o primeiro tinha mesmo a parceria de um armazém alugado e ao segundo estava devendo 345 mil réis, de fazendas que lhe forneceu.

De início, quando vivia em Sendim e ao chegou ao Porto, Vasco teve negócios com Francisco da Costa Henriques e seu sogro, António Henriques, naturais de Vimioso.(5) Depois desentenderam-se e passaram a inimigos capitais, com lutas e um processo judicial instaurado por aquele em 11.8.1656. Vamos contar, pois que o caso ajuda a entender as linhas do mundo comercial da época.

De Amesterdão, compradas por Vasco Fernandes, chegaram ao Porto 30 peças de sarjes dirigidas àqueles, no valor de 253 mil réis. Para além daquela fazenda, por ordem de Vasco foram entregues aos mesmos, por João Molendes, duas partidas de dinheiro no montante de 87 212 réis, por ordem de Vasco Fernandes. Comprometiam-se os de Vimioso a empregar aquele dinheiro e o procedido das fazendas em tabaco e açúcar que mandariam vir do Brasil. Obviamente que não trabalhariam de graça e receberiam a sua comissão.

Vasco deu ordem para que mandassem, por José Henriques Correia, uma carga de tabaco para Sendim. Efetivamente seguiu a carga de tabaco mas… ao fazer as contas, Vasco dizia que lhe levaram 2980 réis mais que o devido, já que o tabaco pesava menos 280 arráteis do que o faturado.

E vindo do Brasil 4 caixas de açúcar mascavado, Fernandes Campos encarregou Digo Vaz Oliveira de as receber. Só que, Francisco da Costa Henriques antecipou-se e levantou o açúcar, dizendo que lho enviara António Rodrigues Mogadouro.

Não sabemos como terminou o processo judicial instaurado por Vasco Fernandes Campos contra Francisco da Costa Henriques, nem isso é importante. Significativo é ver que um mercador que então estava estabelecido em Sendim e andava “de ordinário de terra em terra”, fazia compras e vendas em lugares distantes (Holanda, Porto, Brasil…) bastando a palavra ou um escrito e a identificação da mercadoria com um “selo e sinal”.

Nada era mais importante para aquela gente do que ser “mercador de muita verdade e consciência e muito verdadeiro em seus contratos” e a pior injúria seria de não dar contas certas, “chamando-lhe ladrão, pois retinha em si o que era alheio e que não era mercador nem pessoa de consciência”.

Resta dizer que Vasco Fernandes Campos saiu condenado em confisco de bens, abjuração em forma, penitências espirituais, cárcere e hábito perpétuo, no auto-da-fé celebrado em Lisboa em 17.10.1660.

Notas:

1 - Inq. Lisboa, pº 4603, de Vasco Fernandes Campos, tif 367.

2 - Idem, tif 368: — Porquanto se acharam em Bayonne de França e fizeram ambos o jejum do dia grande e naquela ocasião lhe declarou o dito seu tio Valentim Fernandes que se ia para Livorno e que sabia que na dita cidade estava o dito seu irmão Manuel Henriques, havendo-se circuncidado, e com efeito seu tio Valentim se passou a Liorne e ali vivia ao tempo da sua prisão, conforme notícia que teve…

3 - Idem, tif 325.

4 - Guindas eram postos da fronteira do Douro internacional onde, em boa parte do ano, não era possível atravessar o rio e a troca e as mercadorias eram passadas por cordas presas em ambas as margens.

5 - ANDRADE e GUIMARÃES – Carção Capital do Marranismo, pp. 29-35, ed. Associação Cultural dos Almocreves de Carção, Associação CARAmigo, Junta de Freguesia de Carção e Câmara Municipal de Vimioso, 2008.

Estrelas da cozinha bragançana

A exposição do Mundo Português realizada no ano de 1940 debaixo da batuta de António Ferro (leia-se a sulfúrica biografia de Orlando Raimundo) foi a exaltação do salazarismo de modo a alardear os «sucessos» do opressivo regime utilizando talentos e criatividades de intelectuais desafectos à Ditadura, não imunes à maestria de Ferro e da sua mulher Fernanda de Castro autora de livros para a infância e adolescentes, bem como incursões na arte poética. A dona Fernanda de Castro manteve largos anos uma tertúlia literária de múltiplas tonalidades e doutrinas ideológicas até às proximidades da sua morte ocorrida em 1994. A também tradutora e amiga de comeres bem cozinhados nasceu em 1900.

A exposição da apoteose a Salazar movimentou todas as áreas artísticas e criativas, por essa razão as artes culinárias integraram o painel principal e por isso mesmo Bragança indicou quais as preciosidades do receituário local e dos restantes concelhos do distrito. Importa mencionar o decisivo papel de António Ferro na criação das Pousadas de Portugal, a primeira na recta do cabo, a hoje fenecida Estalagem do Gado Bravo.

As autoridades de Bragança informaram o Secretariado da Propaganda Nacional das ditas preciosidades culinárias, relativamente à cidade do Braganção, lembraram e elogiaram: alheiras (época própria, de Outubro a Fevereiro) – alheira assada –, almôndegas de lebre (esta receita é originária da Pérsia), arroz de lebre e repolho, bifes de presunto e de vitela com batatas fritas, cabrito assado e guisado com batatas, caldo verde, chouriço de pão com grelos cozidos, cozido transmontano, empada de sardinhas, enguias fritas ou assadas, folar, frango abafado, grelos com bacalhau às tiras e pedaços de ovos cozidos, grelos de couve penca guisados com ovos batidos, leitão assado, lombo de porco assado, migas de bacalhau, pasteis de lebre, perdiz assada e de cebolada, rabas guisadas com ovos, salpicão assado, trutas fritas de escabeche e assadas na grelha, tabafeias, melão da Vilariça e queijo de ovelha. Este magnífico rol de comeres referentes a uma cozinha urbana e rural de gente de posses permite aos chefes e cozinheiros, às Mestras cozinheiras, a uns e a outras conceberem formidáveis recreações seja no respeitante ao escrupuloso respeito pelas receitas tutelares, seja no tocante às configurações modernistas da cozinha contemporânea. A descrição leva-nos a carpir mágoas ante o desaparecimento ou quase apagamento de algumas referências (almôndegas de lebre, trutas dos rios limítrofes, rabas guisadas), também enuncia sem margem para dúvidas a clara distinção entre alheiras, chouriços de pão e tabafeias. Ao longo dos anos através da palavra escrita e falada tenho denunciado de forma veemente a torpeza de postergar as tabafeias dizendo serem a mesma coisa que alheiras. Não são, possuo receitas a provarem as diferenças na sua composição, no entanto, sabichões de pouco estudo prático erguem muros de palavras furadas no intuito de provarem o afã igualitário. Em seu socorro podem invocar rechonchudos querubins, serafins e seráficos anjos, alheiras são alheiras, Tabafeias não são iguais às primeiras.

No que tange à doçaria a lista enumera: bolo doce, amêndoas doces enfeitadas com canela, cavacos, súplicas, doce de melão, pastéis de ovos, bolos de chá e folares.

Se pretendermos fazer um estudo analítico à escolha de 1940 é evidente estarmos ante a vivaz realidade de um reino circular pontuado pela dualidade noves meses de Inverno e três de inferno, cujas assimetrias climatéricas influíam na colheita e caça de matérias-primas, sua conservação e fórmulas de as cozinhar. Bom seria que esta resenha patrimonial desse azo a investigações, estudos e propostas de sua revigoração e divulgação. A estrela bem concedida a Óscar Gonçalves pode servir de luz nesse propósito pois a competição é fervente quanto a água necessária à massa destinada às célebres tabafeias ora esquecidas por obra e graça do descuido e consequente preguiça. Ao meu amigo Alberto Fernandes lanço o pedido: recupera as Tabafeias.

Boas Festas, boas comidas!

 

PS. A condição sazonal das alheiras desfaz a lenda ardilosa de terem sido concebidas pelos judeus no intuito de enganar a Inquisição.