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A Feira de Bragança ao longo dos tempos (2) Dos fins de oitocentos ao último quartel do século XX

No ano de 1864, o Código de Posturas Municipais para a Cidade de Bragança e seu Concelho, estabelecia que todos os géneros que entravam na cidade só podiam ser vendidos nas praças e mercados públicos, com exceção dos que se vendessem por pregão, a erva e a palha, estes seriam vendidos pelas ruas, “sem mais demora que a necessária para justar e descarregar”. Eram os seguintes os mercados e praças da cidade:
O Campo de Santo António, onde na feira mensal e anual se vendia, gado cavalar, muar e asinino a nascente do campo; suíno, ao sul, próximo da estrada do forte; lanígero e cabrum a ocidente; bovino a norte e centro do campo; Largo do Tombeirinho onde se vendia carvão feno, erva e palha; Praça da Sé, onde se fazia o mercado diário de cereais e de todos os géneros comestíveis; Eiras do Colégio, onde se realizava mercado às quintas-feiras e feira mensal de quaisquer géneros; Praça de São Vicente, onde se fazia o mercado diário de carvão, fruta, hortaliça, legumes, lenha, peixe e pão cozido; Muralha da cadeia, onde se fazia comércio de cabeças, “forçuras”, mãos, pés e tripas de gado. O mercado semanal também funcionava no Loreto, às quintas-feiras, no qual se vendiam cereais, legumes, frutas e mais géneros alimentícios.
No ano de 1871, Bragança tinha duas feiras por mês, nos dias 3 e 21, e a feira anual que se realizava na segunda-feira seguinte ao oito de setembro, chamada feira do Loreto, feira em que se vendiam gados, louças, frutas, sedas etc.. A feira do dia 3 de maio era conhecida por feira de S. Vicente, por se realizar na Praça de S. Vicente, tinha sido concedida a 3 de março de 1856, pela Junta Geral do Distrito, por ser essa a vontade da maior parte dos negociantes e habitantes da cidade, local onde se vendiam cereais, legumes, peixe, carnes secas, chapéus, linho, sedas, mantas, sola, ouro, prata, etc. Na feira do dia 21 de setembro, a mais antiga, conhecida por feira de S. Mateus, vendiam-se os mesmos produtos que na de São Vicente.
Nas aldeias havia feira anual em Babe, no dia 29 de junho, de géneros alimentícios e de contratação de criados de servir e pastores; em Vale de Nogueira, nos Chãos, a feira mensal realizava-se nos dias 7 e 20, feira central para várias aldeias do concelho de Bragança e de Macedo de Cavaleiros, era mais conhecida pela transação e troca de gado; Izeda tinha feira mensal dia 26, aí se transacionava gado, cereais, carnes, sal, etc; a antiga vila de Outeiro tinha feira mensal dia 14 e anual dia 3 de maio, ambas de gado, cereais, carnes, sal etc; Parada tinha feira mensal inicialmente ao dia 12 e mais tarde foi mudada para o dia 9, aí se transacionava, gado, cereais, legumes, batatas, e outros produtos (esta feira deixou de se realizar em meados da primeira década deste século; Frieira gozava do privilégio de uma feira de homens, que se fazia pelo S. João, onde se deslocavam feirantes vindos de terras longínquas como de Chaves e Barroso para contratar a mão-de-obra que aí se oferecia.   
No ano de 1910 Bragança continuava a ter duas feiras mensais, nos dias 3 e 21. No ano de 1916, a 12 de fevereiro, foi-lhe concedida autorização para realizar mais uma feira mensal, no dia 12. Neste ano a Câmara Municipal decidiu autorizar a realização de mercado na aldeia de Santa Comba de Rossas, ao dia 4 de cada mês. Este novo calendário de feiras na cidade de Bragança, que desde há vários anos, quando o dia de feira coincidia com o sábado ou domingo, passava para a segunda-feira seguinte, durou um século. A partir de 1 de janeiro de 2014, por deliberação da Câmara Municipal, a feira passou a fazer-se todas as sextas feiras de cada mês.
Na foto, de fevereiro de 1970, identifica-se parte da área da feira na zona nascente do Toural ou de Santo António, frente à entrada principal do Cemitério, onde ainda existia uma vasta área livre e se concentravam os vendedores ambulantes de roupas, sapatos, e bens diversos, era a entrada principal da feira. Ao fundo vê-se a Pousada de S. Bartolomeu, inaugurada no ano de 1959.
No antigo Toural, uma ampla área no limite urbano a norte da cidade, na parte mais afastada, estava o Campo de Jogos da cidade, o conhecido campo de jogos do Toural, cuja construção se iniciou a 22 de junho de 1947. A bancada e a vedação eram de madeira, aí jogava o Grupo Desportivo de Bragança, fundado a 11 de junho de 1943, tendo como génese a equipa do Sport Lisboa e Bragança, criada no final da década de vinte, início de trinta. Durante as festividades da cidade, aí se realizavam jogos internacionais com os clubes de León, La Bañeza, Zamora, Valladolid e Salamanca. A Câmara Municipal decidiu a 21 de junho de 1963, transferir o campo para a Zona do Posto Hípico, onde hoje estão as piscinas municipais.
No antigo Toural, contiguo ao “Cemitério Velho”, construído no ano de 1786, nos dias de feira prevalecia a ocupação com animais, touros, vacas, porcos, galinhas, ovelhas, cabras e outros animais, a área de venda ambulante era menor e situava-se entre a rua Dr. Francisco Felgueiras, a rua Nova do Cemitério e a frente principal do Cemitério, toda a restante vasta área era destinada à feira do gado, onde existia um grande tanque de água para os animais beberem. Tratava-se de um amplo espaço de terrado, existia a preocupação com os detritos que aí ficavam depositados, restos de alimentos para os animais, dejetos dos animais etc., situação que a 24 de março de 1961 foi notícia no Jornal Mensageiro de Bragança.
O 6.º Concurso da Raça Bovina Mirandesa, promovido pela Comissão de Festas, com apoio da Câmara Municipal, decorreu no dia 22 de agosto de 1960, subsidiado pela Direcção Geral dos Serviços de Pecuária. O concurso foi muito participado, após conhecidos os resultados, os criadores desfilaram com os animais premiados pela Avenida João da Cruz onde foram distribuídos os prémios, tendo presidido à cerimónia o Presidente da Câmara Municipal.

COMPETÊNCIA E MEDIOCRIDADE

A António Domingues foi-lhe apontado, não só a sua obstinada teimosia na recusa em apresentar, ao Tribunal Constitucional a sua Declaração de Rendimentos, mas igualmente o salário milionário que lhe foi atribuído. Curiosamente, quando foi anunciada a sucessão do ex-administrador do BPI pelo antigo ministro da saúde o mesmíssimo salário, antes qualificado como anormalmente alto, deixou de ser considerado exagerado. E porquê? Porque Paulo Macedo passou por um processo de intenções idêntico quando a então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, o convidou para dirigir a máquina fiscal com uma remuneração que, na altura, escandalizou meio-mundo. Não tardou que os seus detratores metessem a viola no saco quando os resultados apareceram e demonstraram que na balança do deve e haver a luxuosa contratação afinal foi um excelente negócio, um investimento excecionalmente rentável para o erário público. Mas se essa evidência anterior não tivesse sido patenteada nada nem ninguém evitaria que os epítetos dirigidos ao ainda presidente da Caixa Geral de Depósitos fossem replicados para o senhor que o vai substituir.
O que arrastou a Caixa para a situação grave que agora enfrenta não foram, seguramente, os salários do seu Conselho de Administração. Bem pelo contrário, foi a atuação inadequada e incompetente dos seus mais altos dirigentes.
Diz a implacável lei do mercado que o é melhor e mais vantajoso tem, naturalmente um valor maior, logo um preço acrescido. Se o que se pretende é contratar uma equipa com competências melhores que as suas antecessoras, é natural que a remuneração seja igualmente e substancialmente superior.
Nesta gama de salários, seja qual for o montante, haverá sempre quem pense, julgue e ajuize que é exagerado. Mas há uma verdade inelutável. Em tudo, mas principalmente em lugares estratégicos e de alto risco, a competência costuma ser cara. Mas é igualmente certo que, nesses locais, a incompetência acaba por ser muitíssimo mais. A melhor forma de economizar e acautelar os recursos comuns passa, seguramente por não poupar na remuneração da gestão de qualidade. De outra forma a delapidação pode atingir proporções épicas.
Quando alguém reclama a demissão de outrém ou tenta justificar o seu afastamento, alegando o “exagero” da sua remuneração, só mostra o caráter redutor da sua forma de pensar e racicionar.  Infelizmente, esta atitude vulgarizou-se sobretudo em gente pequenina, muito miudinha e com reduzida capacidade de reciocínio, que não consegue ver para além dos números de um salário mensal, demonstrando a sua incapacidade de distinguir um custo de um investimento. E isso sim, é sinal de incompetência. Quando a fundamentação se resume ao “exagerado” salário, demonstra bem a ausência total de “qualidade” de quem alardeia falta de qualidade a outrém.
É verdade que poderá haver grandes salários imerecidos. Haverá, seguramente, quem seja remunerado acima das suas reais capacidades e volume de produção. Mas, nesses casos, o mais fácil é, precisamente, apontar as falhas, as deficiências ou a baixa produtividade. Por isso mesmo quando o único argumento carreado é o valor da folha mensal, mais do que ao beneficiário, caracteriza e qualifica quem brande tal alegação.
Este é, sem dúvida, o fundamento dos medíocres, por não serem capazes de articular, com credibilidade, mais nenhum outro.

Prelúdios do natal a nordeste

Todos os anos repetimos gestos, emoções à beira deste natal transmontano. Um natal onde a neve já raramente se faz anunciar na memória do esplendor doutros invernos antiquíssimos em que os lobos desciam ao povoado e os netos se aconchegavam no colo da avó embrulhados no xaile, refúgio de todos os perigos e de todos os males.
Por isso, cá estamos neste prelúdio do natal, do acontecimento que mudou a História, com a diáspora fantástica dos Apóstolos que partiram pelo Mundo desenhando peixes nas encruzilhadas e anunciando que o madeiro onde o Nazareno, nascido em Belém, foi crucificado, se resolveu em Paz, Fraternidade e Amor.
As bases do cristianismo são verdadeiramente simples na sua estrutura formal, mas duma exigência ímpar que impõe ao homem uma mudança de vida, rompendo com os privilégios, e com uma imensidão de religiões vinculadas, profundamente, pelas culturas milenares.
Assim, o nosso natal é o natal possível neste caldo de culturas, de mitos, de lendas, de religiões, de crenças. O nosso natal é também o natal do capitalismo atento ao fenómeno da cultura de massas, reinventando um Pai Natal “presenteiro” que se faz ao mundo na abastança dos presentes, das compras, do consumismo, tudo condimentado com a candura bucólica das renas meigas e serviçais. 
E mesmo neste nordeste transmontano onde o cristianismo se impôs de uma forma definitiva a outras religiões, na altura do natal afloram manifestações ancestrais de outros ritos e outras práticas de iniciação, de apelo à vida e à mudança que se manifestam nos “caretos”, nas Festas iniciáticas dos rapazes, em símbolos que resistiram ao tempo.
A grandeza de um Povo, que tem uma cultura e um património a preservar, é esta capacidade de conciliar, sem conflitos, nem fundamentalismos, o profano e o religioso.
E as grandes considerações sobre a pobreza, os sem-abrigo, os sem Pátria, os famintos, os excluídos, cheiram a falso, porque invariavelmente, nós iremos cumprir todos os rituais do Natal, neste afago quente das “prendinhas” de papel brilhante e laços que fascinaram a nossa infância. E mais uma vez a cultura impõem-se ao religioso, ao fundamento do natal, escrito na pobreza dum estábulo nas cercanias de Belém.
E depois do natal tudo regressa ao mesmo. Os governantes voltarão a visitar o nordeste, fazendo-se anunciar com pompa e circunstâncias, trazendo medidas avulso para promover o desenvolvimento, (crescimento) não entendendo que não há nada a desenvolver se não se tomarem medidas de fundo que travem o verdadeiro problema que é a desertificação. Não há crianças a nordeste, não há futuro. É preciso criar atratividade que traga outras mulheres, outros homens, outras crianças para povoarem o nordeste.
E depois do natal e dos mil e um jantares de natal, tão fraternos e solidários, tudo volta ao quotidiano. E o gestor, o dirigente de nomeação política, de novo se acoutará no conforto do seu gabinete, pago pelo povo e não recebe os cidadãos, pois isso é tarefa menor dos funcionários do guiché. E o povo humilde que vem das aldeias do nordeste não resolve os seus problemas enredados nas teias da burocracia. E como é possível o dirigente ficar impávido e sereno no seu gabinete, em vez de se tornar presente, amigável e resolutivo?! Abrir as portas é o segredo. É por causa de alguns governantes, de alguns dirigentes que o Estado, às vezes, parece uma organização legitimada, vocacionada para complicar, enredar, para fazer mal aos cidadãos.
Admiro-me como os humilhados e ofendidos não saem à rua e gritam às portas de algumas instituições: - Afinal, quem manda aqui?! 
Mas o natal é esperança, é a madrugada dum novo dia, talvez mais feliz, solidário e fraterno. Por isso, temos que agarrar a esperança, nem que seja a última esperança, pelo futuro, pelo nordeste.
Um bom natal para todos.

«O Arreda»

Sondagem recente da confiável Universidade Católica coloca o PS à beira da maioria absoluta, com 43 % das intenções de voto, enquanto o PSD, com apenas 30%, resvala, aflitivamente, para o seu mínimo histórico.
Bem mais distanciados, ainda assim, surgem o BE, com 8%, e o CDS-PP e a CDU, que apenas recolhem desmoralizadores 6%, cada.
Quanto às duas principais personalidades políticas ficamos a saber que Marcelo Rebelo de Sousa recolhe impressionantes 97% de avaliações positivas e António Costa 81%.
É certo que sondagens há muitas e com propósitos diversos, muitas vezes bem divertidos, até. Umas são feitas no ar para previsão meteorológica, outras são líquidas e muitas são subterrâneas como certos estudos de opinião eleitoral que os políticos depreciam quando não lhes são favoráveis ou não tanto assim se lhes agradam.
Não é de admirar, portanto, que esta sondagem da Universidade Católica tenha deixado Jerónimo de Sousa aos pinotes e António Costa com indisfarçável sorriso de orelha a orelha, não sendo difícil adivinhar porquê.
É evidente que a maioria absoluta do PS ditará o fim da “geringonça” sem apelo nem agravo, não havendo santo de esquerda que lhe valha, por melhores intenções que o BE e o PCP professem. Basta imaginar uma Assembleia da República com o PS sem necessidade de fazer cedências ao BE e ao PCP.
Naturalmente, ao Presidente da República não se percebeu qualquer reacção pública ou privada. A sua popularidade é verdadeiramente comovente o que nos leva a admitir que está a assumir a postura política mais acertada. Ainda que já haja quem diga, sobretudo do lado do PSD, que Marcelo Rebelo de Sousa se está a esticar demais na bênção de Costa e da “geringonça”, fazendo lembrar uma popular figura da monarquia, o Infante D. Afonso, irmão mais novo do rei Carlos I, que anedoticamente ficou conhecido pelo “Arreda”, porque corria pelas ruas de Lisboa, na sua primitiva viatura, gritando «Arreda, Arreda!», procurando que as pessoas saíssem do caminho.
No presente é o primeiro-ministro que vai ao volante mas é o Presidente da República que, sentado a seu lado, vai gritando «Arreda, Arreda!», tendo Catarina Martins e Jerónimo de Sousa como embevecidos companheiros no banco de trás da maravilhosa “geringonça”. Um quadro digno de Rafael Bordalo Pinheiro, sem dúvida.
Ironia à parte, em meu entender o Presidente Marcelo joga claramente no sucesso do Governo da “geringonça” para bem de Portugal, eventualmente por pensar que tal sucesso, traduzido na maioria absoluta do PS, fará com que a “geringonça” se desconchave sem tragédia.
Depois, só com o PS e PSD fortalecidos e purificados, se poderá concertar a reforma do Regime e do Estado que por bem se deseja.
Esperemos que o Presidente da República esteja certo e que a “geringonça” não acabe por atropelar as multidões indefesas e distraídas.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

 

NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS MESQUITA, Francisco de Sá (1679 – 1723)

Ganhou lugar de destaque na história dos judeus e marranos de Trás-os-Montes pelo pior dos motivos – delator e falsário. Perante as suas denúncias, fica-se com a impressão de que elas não foram forçadas, ou visando a própria libertação, como geralmente acontecia, antes foram voluntárias e planeadas. E se a princípio o alvo principal de suas denúncias era a família Samuda, onde ele, seu irmão e sua irmã estavam casados, depois entrou de denunciar a “fina flor” da sociedade de Beja (médicos, advogados, ourives, boticários, mercadores), incluindo cristãos velhos. Das suas denúncias resultaram dezenas de prisões e alguns dos prisioneiros não aguentaram, acabando por endoidecer. Foi uma autêntica razia entre a gente da nação de Beja! Os próprios inquisidores se confessaram enganados por este delator sem escrúpulos. E entregaram-no ao tribunal da Relação, como falsário.
Francisco de Sá nasceu em Faro, terra para onde emigraram os seus pais, Rafael de Sá e Luísa Mesquita, naturais e moradores em Bragança. Ambos foram presos em 1660, sendo ainda solteiros, saindo penitenciados no auto de 9.7.1662. (1)
Ao findar de 1703 Rafael era já defunto e a família morava em Lisboa no bairro de Alfama. O filho mais velho, António da Mesquita, médico, pai de 6 filhos encontrava-se preso na inquisição de Lisboa, tal como a sua mulher Guiomar Maria e o cunhado João Esteves, marido que fora de sua falecida irmã Grácia Mesquita. Refira-se que João e Guiomar eram irmãos entre si, filhos do médico Simão Lopes Samuda. (2)
Francisco tinha então 24 anos, encontrava-se solteiro e era também formado em medicina. Convicto de que os presos o denunciariam e receando ser também preso, meteu-se a caminho de Coimbra e apresentou-se na inquisição confessando suas culpas e pedindo perdão. (3) As pessoas que  denunciou como seus cúmplices estavam todas presas e, na generalidade, moravam em Lisboa. E a grande maioria pertencia à poderosa família dos Samuda, de Beja. Como usa dizer-se, Francisco atirou-se aos Samuda “como gato a bofe”.
Autuadas as suas confissões, foi mandado embora, mas que voltasse em Janeiro seguinte. Cumpriu esta ordem e ouviu a sentença: abjuração em mesa perante os senhores inquisidores, com penitências espirituais, podendo regressar a Lisboa e aos seus negócios.
Que negócios teria não sabemos. De contrário, sabemos que era muito viajado e conhecia uma grande parte de Espanha e muito Portugal. Em Setembro de 1705 estava em Lisboa e foi ali apresentar-se no tribunal da inquisição onde denunciou mais uma série de pessoas.
Não sabemos quando é que ele mudou a residência para Beja onde, em Setembro de 1718,o administrador do assento da comarca, João Nogueira da Silva recebeu de Lisboa uma procuração do mercador Luís Cardoso da Paz, para o executar por uma dívida de 300 e tantos mil réis.
Ignoramos se então era já casado com Isabel de Sequeira, mulher viúva. Ficamos sim com a impressão de que em tal casamento o médico Francisco Sá procuraria solução para os seus problemas financeiros, pois andava carregado de dívidas.
Entretanto em Beja havia uma forte comunidade de cristãos novos judaizantes, contando-se entre eles muitos médicos, advogados, ourives, assentistas, homens de negócio. E juntavam-se algumas vezes na roda do ano em casa do “latifundiário” João Álvares de Castro, na celebração de Academias e Comédias e em reuniões de Sinagoga. A escolha da casa justificava-se por ter amplos salões e ser retirada da cidade, no sítio do Carmo Velho.
Em Fevereiro de 1720 ter-se-á ali celebrado uma dessas Academias e, dias depois, uma reunião em Sinagoga na qual terão participado 57 pessoas, conforme relato feito por um dos participantes, na inquisição de Évora, em 22.11.1720. (4)
Outro dos participantes foi o nosso médico Francisco Sá Mesquita que a ela foi levado pelo administrador do tabaco das comarcas de Beja e Ourique, Diogo José Ramos, aparentemente o seu único amigo e que nele depositava confiança, em termos de declaração religiosa. (5) Certamente se arrependeria sabendo que, em 9 de Setembro daquele mesmo ano, Francisco Mesquita se apresentou na inquisição de Lisboa e contou pormenorizadamente como fora levado a essa casa e participara em duas ou três dessas reuniões, denunciando 93 pessoas que nelas participaram e cujos processos estão identificados. (6)
No mês de Outubro seguinte, o diabo andou à solta pelas ruas da cidade. Só no dia 18 foram ali aprisionados 21 homens. E muitos outros se seguiram, levados uns para as masmorras de Évora e outros para as de Lisboa. O estudo destes processos e a análise aprofundada desta “cumplicidade de Beja” daria uma obra fantástica e dela resultaria um retrato inigualável da sociedade e da região. Esse, porém, não é o nosso objetivo.
Estamos então em Beja acompanhando aquelas manadas de prisioneiros que, de imediato e “uniformemente” deitaram as culpas sobre “o cão do Sá”. Esta notícia correu “por toda a cidade de Beja e todo o Alentejo e ainda nesta Corte por todos os cristãos-novos”. Depois, à medida que os diferentes processos iam prosseguindo, a dúvida instalou-se nos inquisidores. Alguns dos presos foram considerados inocentes e soltos. Outros, como José Pereira Botelho, conseguiram provar que eram cristãos-velhos, falsamente acusados. Francisco Raposo, alferes do regimento de Arraiolos, endoideceu e foi morrer no hospital real. O mesmo aconteceu com Tomás da Costa Travassos, lavrador, proprietário da quinta da Aguieira. Sinais de loucura apresentava também o caixeiro Estêvão da Silveira que foi entregue ao Dr. Francisco da Costa para que o tratasse. Mais determinado e reafirmando a sua inocência se mostrou o médico Simão Gonçalves Bravo “que se não quis tratar” e faleceu no cárcere. 
Enquanto isso, Francisco Mesquita viu-se excomungado por dívidas à igreja e o reitor dizia tê-lo “em conta de mau cristão e de muito má alma e homem de pouca verdade”. Para cúmulo da desgraça, em Outubro de 1721 foi preso e levado para a cadeia civil de Évora, executado por uma dívida à Casa do Infantado, contraída ainda antes de casar. E estando preso na cadeia civil, foi umas 15 ou 16 vezes levado sob escolta ao tribunal da inquisição de Évora para ser interrogado por questões referentes a matérias da fé, naturalmente. E isto avolumou as suspeitas de delator e falsário que sobre ele caíam.
Finalmente, em 23 de dezembro de 1722, foi preso pelo tribunal da inquisição de Lisboa. O processo tem mais de 2 000 páginas e o seu estudo daria uma boa tese de doutoramento. Por nós diremos que, a partir de certa altura, os inquisidores se preocuparam  fundamentalmente em buscar “alguma clareza para averiguação da falsidade do réu”. E na sentença pode ler-se, nomeadamente:
- Sem temor de Deus e da justiça, induzido pelo demónio, em grave dano de sua consciência e notável prejuízo dos fiéis cristãos (…) temerariamente, em seu próprio nome e com outro suposto, variando também de trajes para não parecer o mesmo (…) informou também falsamente na pureza do sangue, declarando serem cristãos-novos, dando ocasião com este diabólico artifício a que fossem presos no cárcere do santo ofício com fatura grande de honra e fama, saúde e fazenda, ( …) sem se poder acudir a remediar o dano dos miseráveis que inocentemente teriam padecido por causa de suas falsidades…”
Acabou condenado à morte “por convicto e confesso do crime de haver testemunhado falso na mesa do santo ofício contra cristãos-novos e cristãos-velhos” comparecendo no auto da fé com carocha e rótulo de falsário, depois do que foi entregue ao poder civil. Assim, no seu processo aparece também a sentença proferida pela Relação de Lisboa que mandou levá-lo “com baraço e pregão pelas ruas desta cidade até à Ribeira” onde foi enforcado, em 10 de Outubro de 1723.
Haverá explicação para o inqualificável procedimento deste homem? Só Deus saberá. Por nós diremos que ele foi um médico que se enterrou em dívidas e não conseguindo pagá-las e vendo-se acossado, ensaiou uma fuga para a frente tentando “meter na inquisição” todas as pessoas que, de algum modo o vexavam ou podiam vexar. Certamente que em muitas das suas denúncias de judaísmo havia uma base de realidade mas o castelo de falsidades construído desabou sobre a sua cabeça.
NOTAS
1-ANTT, inq. Coimbra, pº 6008, de Rafael de Sá; pº 2023, de Luísa da Mesquita.
2-IDEM, inq. Lisboa, pº 8247, de Guiomar Maria Henriques; pº 8337, de João Esteves Henriques Samuda; pº 153, de António da Mesquita. Este foi condenado em 7 anos de degredo para S. Tomé.
3-IDEM, inq. Coimbra, pº 11300, de Francisco Sá Mesquita.
4-IDEM, pº 678, de Manuel de Sousa Pereira. Entre os 57 denunciados contou-se o médico brigantino Henrique (Jacob) Castro Sarmento, depois fugido para Londres – ANDRADE e GUIMARÃES, Jacob Castro Sarmento, ed. Veja, Lisboa, 2010.
5-IDEM, inq. Lisboa, pº 1647, de Diogo José Ramos. Um verdadeiro calvário foi a vida deste homem depois que foi preso pela inquisição e condenado a servir nas galés.
6-IDEM, pº 11300-2, Francisco Sá Mesquita.

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

O São Nicolau na Suíça

Ter, 13/12/2016 - 10:34


Olá familiazinha! Neste passado domingo tivemos o nosso almoção de Natal da Família do Tio João e, pela décima quarta vez, em Folgozinho, no tio Albertino dos sete pratos, onde estiveram presentes cerca de quatro centenas de pessoas. Fica já a promessa de que para a semana vamos fazer referência a este evento.
Esta semana apresento-vos a nossa tia Irene Hostettler, emigrante na Suíça, que é participante assídua do programa do Tio João e assinante deste jornal, que nos traz a tradição do S. Nicolau na localidade onde vive, que se realiza dia 6 de Dezembro e por isso mesmo, lá o Natal começa mais cedo.