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Vitória pela margem mínima

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Ter, 11/04/2017 - 15:22


O Argozelo recebeu, no domingo, a taça de campeão distrital após a vitória por 4-3 frente ao Sendim, um jogo relativo à jornada 17, penúltima, da Divisão de Honra da A.F.Bragança.

Equipa com ADN de vitória

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Ter, 11/04/2017 - 15:19


Os últimos sete anos são inesquecíveis para o Argozelo. O clube iniciou um ciclo de vitórias em 2010 com a conquista do primeiro título, na altura sob o comando técnico de Fernando Teixeira, e assumiu um lugar de destaque no futebol distrital.

Literatura, sociedade e ironia em Passos Perdidos, de Ernesto Rodrigues

Este confirmado romancista teve a coragem e a sageza de satirizar com grande mestria, acutilância e sentido de ensejo histórico os tempos hodiernos, no geral, e os conluios que sempre se estabeleceram entre política e economia, em particular. Enresto Rodrigues revela ousadia ao abordar este tema premente na nossa sociedade e ao pôr a descoberto as teias que são urdidas no “santuário” da democracia e que têm enredado o país, desde as sementes de Abril até ao presente.

O título Passos Perdidos só é identificável pelo ícone do espaço homónimo do edifício da Assembleia da República, que serve de capa ao romance. No entanto, este título é polissémico, uma vez que perdidos, ou melhor, gorados foram, também, os intentos dos corruptores.   

A obra abre com uma epígrafe retirada da Arte de Furtar, capítulo LX, “Dos que furtam com unhas políticas”, que dá, ab initio, o mote para a trama do romance e permite, segundo cremos, ao leitor inferir o tema a escalpelizar na obra.

Passos Perdidos ergue-se como uma obra fortemente estruturada, visto que é composta por dezasseis capítulos, agrupados em duas partes (cada uma com oito) - note-se a simetria -, seguidos de um sucinto, mas elucidativo epílogo. Quanto à estrutura, o romance apresenta duas partes: a primeira subordinada ao título “A queda de um Anjo”, que, sem dúvida, faz ressoar na memória literária do leitor a obra homónima de Camilo. Outra ilação que o leitor facilmente estabelecerá prende-se com a associação de ambos os protagonistas. João Félix Filostrato é, de imediato, associado à imagem de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda. Contudo, esta associação perde nitidez com o título da segunda parte do romance, “Redenção”, indicando, desde logo, uma inflexão de conduta em relação ao modelo literário adotado por Ernesto Rodrigues. O leitor, facilmente, concluirá que esta queda é mais metafórica do que real, uma vez que a mesma não passa de um subterfúgio para desvendar o ardil, por um lado, e assumir as responsabilidades pretéritas, por outro.

Que Camilo e Eça, nomeado na obra pelo título do romance O Primo Basílio (p. 101), são vultos a quem Ernesto Rodrigues presta contínua e apurada homenagem corrobora-o, para além do que já foi dito, o facto de a intriga do romance ser narrada, nos onze primeiros capítulos, em analepse pela personagem João Félix Exposto. Este narrador/personagem é fruto de uma relação da juventude do deputado João Félix Filostrato, que, também, ignorava este facto. O ritmo cadenciado e preciso da narrativa, mais uma vez a fazer lembrar os dois romancistas do século dezanove, e o desenrolar programado da história prendem o leitor ao texto.

O tempo da ação, à semelhança do que acontece na tragédia, é bastante concentrado em, apenas, nove dias. O narrador desfila diante dos nossos olhos, como se de uma representação teatral se tratasse, os acontecimentos que, efetivamente, vão sendo apreendidos pelo leitor.

Porquê literatura? Porque o romance está pejado de referências literárias tanto explícitas como implícitas. Recordamos, apenas, não querendo ser exaustivos: Camões, Bocage e Garrett. Terminamos com a alusão à “Lacailândia”, isto é, Portugal, onde ressoam ecos da obra A Montanha da Água Lilás de Pepetela. 

Todo o romance é um retrato irónico da sociedade atual, lembrando a arma mais eficaz de Eça. É patente a intenção do autor em desvelar a realidade portuguesa atual, recorrendo a truísmos e a provérbios, por vezes alterados, na senda de Saramago, para provocar no leitor a reflexão, durante o ato de ler, e levá-lo, como é apanágio do teatro épico, à ação, no final da leitura.

Epitomando, Ernesto Rodrigues não ficou aquém dos dois modelos literários, que se propôs preitear neste seu livro, uma vez que as personagens de Passos Perdidos não destoam das que Camilo perpetuou, nos seus romances. Por outro lado, qualquer leitor mais atento deste livro não hesitará em apelidá-lo de queirosiano, devido à forma como a realidade portuguesa atual, filtrada pela ironia, se encontra plasmada nele.

NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS Gonçalo Marcos, juiz em Vila Flor (n. T. Moncorvo c. 1503)

Os anos de 1556 – 1559 foram de sobressalto para os cristãos novos de Vila Flor, com mais de dezena e meia de prisões pela inquisição. Muitos processos, especialmente os primeiros, foram abertos pelo vigário geral da comarca, Aleixo Dias Falcão. Quase todos os presos se queixaram dele, considerando-o parcial e inimigo. Também as denúncias e as testemunhas são as mesmas nos diferentes processos. Quase todos os prisioneiros acabaram absolvidos ou condenados em penas ligeiras. E em vários acórdãos os inquisidores consideram deficiente a prova da justiça.
Acusados de crimes da fé, os marranos defendem-se dizendo tratar-se de uma questão de “política local” e inveja pelos cargos municipais que ocupavam, incluindo o de juiz. O quadro foi assim expresso por uma das mulheres aprisionadas:
- Os cristãos-novos andavam sempre em eleições e requerimentos da dita vila e algumas pessoas disso se escandalizavam, tanto que com inveja difamaram deles. (1)
Este episódio de resiliência dos cristãos novos de Vila Flor à “máquina” da inquisição merece particular realce. E não seria por acaso que, em 1561, no seguimento desta “luta”, o rei D. Sebastião tenha assinado um alvará proibindo os cristãos-novos de Vila Flor de servirem em cargos públicos (2) - lei que, anos depois, seria extensiva a todo o país.
E se entre os cristãos novos de Vila Flor, podemos apontar um líder, certamente seria Gonçalo Marcos, que nasceu por 1503, em Torre de Moncorvo. Era filho de Luís Marcos, um judeu batizado em pé, e que “deixou em seu testamento dois almudes de azeite para a lâmpada que está em uma igreja da Torre” (3) e de Beatriz Álvares “que era fidalga que veio do reino de Castela”. (4)
Casou com Beatriz Fernandes, (5) de uma conhecida família de cristãos-novos de Vila Flor, onde fixou residência. Entretanto, um dos irmãos de Gonçalo, João Marcos de seu nome, abalou para a cidade de Fez, no Norte de África, fazendo-se judeu e adotando o nome de Jacob Marcos.
Mercador de sucesso, Gonçalo adquiriu propriedades e tornou-se lavrador. Homem de cabedais, ascendeu à classe dos rendeiros. Em 1545 foi eleito juiz, o que bem mostra o crédito de que gozava na terra. No decurso do mandato de juiz sucederam dois casos que iriam influenciar o curso da sua vida.
Um deles aconteceu em volta das eleições da direção da Misericórdia, protagonizadas por André Pires, Gonçalo Gonçalves e Fernão de Almendra. Este seria eleito provedor. Só que… muita gente contestou a legalidade do ato, com o juiz Marcos à frente, conseguindo que a eleição fosse nula e o “provedor” metido na prisão.
Cumpre dizer que Fernão de Almendra era um dos homens de maior fidalguia da terra e tinha uma irmã casada com Gonçalo de Seixas, homem de igual nobreza que o juiz também “prendeu e condenou em mil réis”.
Estas desavenças deixariam mágoas profundas e tratando-se de um juiz da nação hebreia, caminho fácil para a vingança era “metê-lo na inquisição”.
Outro inimigo declarado de Gonçalo era um André Pires, da aldeia do Arco, irmão de uma criada/amante daquele e que foi despedida por sua mulher “por grandes desgostos e ciúmes que dela tinha”. E também era inimigo o padre Diogo Maçulo, cura da matriz, que o juiz Diogo Marcos, sobrinho de Gonçalo, prendeu, acabando condenado por “infame e criminoso” e degredado por 4 anos.
Estes e outros “inimigos capitais” tinham fácil acolhimento junto do vigário geral da comarca, Aleixo Falcão, nomeado pelo arcebispo de Braga Frei Baltasar Limpo, e do seu “delegado” padre Amaro Gil.
Seriam crispadas as relações entre cristãos velhos e novos de Vila Flor quando, em setembro de 1556, Aleixo Dias ali foi em visitação. Choveram as denúncias contra os “judeus”, com os denunciantes aparentemente a serem “recrutados” pelo padre Maçulo.
Adivinhando tempestade, os cristãos novos não ficariam quietos, especialmente Gonçalo Marcos. Meteu-se a escrever uma carta para o rei e outra para o cardeal D. Henrique, denunciando tropelias e ilegalidades dos seus acusadores, visando particularmente o vigário geral. E com as cartas escritas, pôs-se a caminho de Lisboa a entregá-las a Suas Majestades.
Em simultâneo, Aleixo Falcão escreveu para a inquisição de Lisboa dizendo que, para não ser preso, Gonçalo Marcos fugiu de Vila Flor a embarcar para Marrocos e fazer-se judeu, tal como o seu irmão Jacob. Acrescentava que, quando foi Juiz, na semana santa, foi ter com o pregador a quem “rogou muito e lhe deu muitas razões” para não falar dos judeus e os não acusar da morte de Cristo. Mais o acusava de ter participado em reuniões na “sinagoga” de Lopo Dias, e ir a casa de João Rodrigues ouvir ler a Torah.
Andava Gonçalo por Lisboa, buscando oportunidade para entregar as cartas que trazia, quando foi preso por Brício Camelo e metido nos cárceres da inquisição, com base na carta enviada por Falcão como consta do processo:
- Aos 5 dias do mês de dezembro de 1556 anos, em Lisboa na casa do despacho desta inquisição, estando ali os senhores inquisidores, foi apresentada uma carta do senhor licenciado Aleixo Dias Falcão…
Não sabemos se as cartas de Gonçalo chegaram aos destinatários pois “tanto que ele réu foi preso, o alcaide deste santo ofício lhe tomou a petição e capítulos que trazia para mostrar ao senhor cardeal, os quais papéis os deu ele em prova ao mesmo Brício Camelo que lhos tomou, e deu como testemunha o senhor Manuel de Sampaio camareiro” de el-rei e os seus criados Monteiro, Camelo e Pero Gouveia.
Se aqueles papéis serviam para mostrar as “indignidades” de Falcão e seus acólitos, obviamente que também constituíam a sua melhor defesa, cujos pontos essenciais foram:
- Além de “muito suspeito e odioso” Aleixo Dias Falcão não poderia ser vigário geral porque era homem de menor idade e o direito canónico exige o mínimo de 40 anos. Além disso, ele era secular e a lei exige que o vigário tenha ordens religiosas.
- Como seu inimigo declarado, foi de Torre de Moncorvo a Vila Flor, à meia noite, a “tirar testemunhos” contra ele e os mais. Nisso foi ajudado pelo padre Amaro Gil a quem fez seu delegado dando-lhe poderes para ir pelas aldeias de Samões e Freixiel recolher testemunhos contra Gonçalo e os outros. E também este Amaro Gil era de menor idade e não podia ser delegado do vigário e menos ainda fazer inquirições em matéria de fé.
Da sua defesa tiramos mais uma nota interessante para dizer que a igreja matriz de Vila Flor andava então em obras e Gonçalo foi “uma das quatro cabeças” das obras. Finalmente, veja-se como terminou a defesa do réu! Um verdadeiro repto laçado aos inquisidores:
-Peço a Vossas Mercês que vejam bem isto tudo com o mais que são obrigados e me despachem com brevidade para ir trabalhar meus negócios e recuperar minha fazenda perdida.
Dias depois acordavam os inquisidores “que vistos os autos deste processo e a qualidade das culpas e o defeito das provas delas e como não é bastante para condenação, vista juntamente a defesa e abonação, se absolve o réu…”
A sentença foi lida em mesa a 14 de outubro de 1557 “e foi mandado em paz…”
Quanto ao vigário Aleixo Falcão devemos dizer que desapareceu de Moncorvo e no ano seguinte o cargo era ocupado por Pero Fernandes Lima. E as prisões efetuadas em Vila Flor pela páscoa de 1558 não foram já conduzidas pelo vigário mas pelo solicitador Luís do Rego, da inquisição de Lisboa. No entanto, Aleixo Falcão seria um comissário da inquisição muito empenhado em servi-la, homem de confiança de Baltasar Limpo e porventura do próprio inquisidor mor. Não foi posto no “olho da rua” mas enviado para o extremo oriente a instalar o tribunal da inquisição de Goa. Promoção ou castigo? ... O assunto está a ser estudado pelos autores que prometem um novo trabalho.
NOTAS
1-ANTT, inq. de Lisboa, pº 2893, de Maria Álvares.
2-MORAIS, Cristiano de – Cronologia Histórica de Vila Flor 1286 - 1986, p. 10
3-ANTT, inq. Coimbra, pº 8455, de Leonor Marcos. 4-IDEM, inq. Lisboa, pº 12801, de Gonçalo Marcos.
5-IDEM, pº 892, de Beatriz Fernandes, que foi presa em pela inquisição de Lisboa em cujos cárceres faleceu.

Isto começa a chatear…

Pobres rebentos! Sofreram tanto, alarmes, falsas alegrias, hipocrisias de um céu traidor. Por diversas vezes quiseram acreditar. Estava ganha a partida, a Primavera chegara, o sol mostrava-se generoso quando saía do seu edredom de nuvens. Cansado! Teve de recuar. Um bocado de neve, numa manhã cinzenta, cobria os montes e trazia uma brisa fria. Um bocadinho mais outro dia. E assim, por diversas vezes este Inverno esquisito provocou os arbustos, as árvores e as flores e castigou a imprudência dos rebentos que tinham saído demasiado cedo do seu esconderijo. Ventos fortes e gelados, certos dias, dobraram e queimaram os seus frágeis ramos. No meio do povo dos rebentos imaginavam que era tempo de sair e depois, pumba, as desilusões desencantaram-nos, em Janeiro, em Fevereiro, em Março…Não, a Primavera retomará mais tarde. Vão para dentro pobres rebentos. Princípio de precaução.

O que é que se passa na mente de um rebento para que, apesar da dureza dos tempos e do rigor do clima, queira, custe que custe, acreditar? Para que persista no ser, no projeto de crescer, de se desenvolver, de reviver? Muitos ter-se-iam desencorajado, voltado para a sua concha, e dizer-se: “inútil, este ano nem vai haver Primavera, nem sequer ponho o nariz à janela.” Contudo, os rebentos não pertencem à raça dos fracos. Estes últimos dias, continuavam a engordar, a colorir-se e a abrir-se, a sair do colarinho. Os rebentos tinham guardado a fé no futuro. A sua crença no facto de que, depois da morte hibernal, a vida devia continuar intacta. No fundo, nunca deixaram de acreditar. Fé ingénua e arriscada? Aposta insensata ? Cegueira recreada por algum ilusionista populista do povo dos rebentos ? Não era a primeira estação dos rebentos? Não, já tinham conhecido invernos rigorosos e rudes e também invernos incrivelmente temperados. E muitos verões sobreaquecidos e com falta de água e muita, muita sede. Ventos maus vindos de todos os lados. Mas nunca nada perturbou a sua esperança, nem o ciclo encorajante da morte e ressurreição. 

À volta da natureza, a actualidade humana ergue as suas muralhas feitas de mil sofrimentos, mil e uma calamidades, desesperos em multidão; polémicas bem acesas à volta doutros paraísos fiscais na Finlândia ou Luxemburgo. Nações desunidas pelas calamidades económicas que as assombram. Críticas e ataques injuriosos aos políticos, populistas e outros. Nações em guerra, tão longe que nem fazemos ideia que existem, mas que vão ensanguentando o nosso mundo através dos seus ódios ameaçadores. Nomes para estes conflitos reavivados, como silveiras à beira dos caminhos: Palestina, Síria, Iraque, Turquia, África… Mas em guerra também contra a Europa. Em guerra contra a mundialização de todos os “outros”, que nos expedem os seus migrantes e os seus produtos a preços mais baixos. Quase em guerra com a Alemanha e os alemães, insuportáveis numa orgulhosa eficácia em todos os domínios. Contra a Inglaterra e a superioridade dos seus galões, bem longe já do sexagésimo aniversário europeu.

O Cristianismo e a sua quaresma talvez devam ser vistos como geniais neste contexto, à imagem do seu pastor. Com efeito, o cristianismo faz um grande bloco com tudo isso. As misérias, as violências, os sofrimentos, os gritos, as lágrimas, os medos. Faz um grande montão e põe-no aos pés da cruz. Essa cruz que não é para os cristãos, o sinal da morte, mas o da etapa seguinte: a ressurreição. Sem ela não há cristianismo que valha. Esperança que se justifique. Sem a ressurreição, só restaria fechar as igrejas todas. Fechar os livros de teologia, da história do cristianismo e mesmo dos evangelhos.

Pura loucura, do ponto de vista humano, esta história da ressurreição. Promessa insensata, bem mais incrível que as promessas dos políticos em campanha. O quê, depois da morte (fatal) voltaremos, nós também? E seríamos felizes? Bem, isso é tomar-nos por crianças ingénuas que acreditam em contos de fadas! Sim, crianças ingénuas! É preciso assumir esse estatuto. Assumir a parte de loucura desta aposta. No fundo, temos de nos tornar como os rebentos, que despontam apesar de tudo. Que sobem em direcção ao céu, na sua força serena, apesar dos alarmes, dos ventos maus, do gelo provocador. Passando a palavra entre eles, na sua linguagem discreta: “ A vida vai renascer, meninos, haverá sempre uma Primavera!” Um pouco mais, ouvi-los-íamos cantarolar. 

Cacharros e Panelas

A moça viu o latagão aproximar-se, no entanto, não conseguiu elevar a panela de barro de modo a o impedir de a apanhar, apanhou-a, de propósito, alarvemente deixou-a ciar no chão, partindo-se sem apelo de poder continuar a ser utilizada no jogo na categoria de cacharros suplentes. O estouvado correu aos pinotes na direcção de outra demonstração do jogo pascal da panelinha, também chamado da pandelinha.

A rapariga exibiu na face ruborizada o desgosto ante a perda da panela de barro vidrado oferta da mãe sob o olhar reprovador do pai, a irmão ao vê-la triste espicaçou-a dizendo-lhe: ela anda com o olho em ti, fez isso porque te quer. Ainda não percebeste? Pois pode querer, eu quero outro respondeu em voz velada pois ninguém tinha de saber da sua vida.

Ao anoitecer principiou o baile na palheira pois a Páscoa tinha caído cedo, no mês de Março, o terreiro lamacento não permitia bailações escorreitas, para lá disso as mães e as avós sentadas em bancos, tripeças e talhocos enquanto coziam o decorrer do dia vigiavam os rebentos femininos no intuito de evitarem tentações capazes de atrofiarem as florações dando frutos temporões cognominados de zorros.

À ceia, a irmã resmoneou o tema da tarde, o pai nada disse, limitou-se a espetar com mais força o garfo na rodela de chouriça retirada do folar para acompanhar as batatas cozidas, a mão atalhou a conversa antes de principiar dizendo estar o assunto atado e bem atado.

A pressa na arrumação da cozinha entendia-se, o baile coroava o dia de Páscoa chuvoso, no dizer do pai a dizer o dito por um falecido padre vindo de Carção, daí ter recebido a alcunha de «o Carção», sobre a qualidade das nozes naquele ano iriam sair furadas O sacerdote no decorrer do ofício religioso ao sentir forte zurvada na Igreja não resistiu a dizer: cagai nas nozes.  

Aprontou-se, viu-se no espelho pendurado, a balouçar, por cima do lavatório de esmalte, empinou o busto, levou o indicado à boca, molhou-o e salivado compôs um caracol, a mãe à frente de xaile a tapar o cachené de ramagens ia à frente a balouçar a lamparina, as duas cochicharam até à entrada da palheira. E, o lampantim já estava à espreita qual gavião vigilante.

O friso de mulheres observadoras circundava o espaço da bailação, o garoto ficou ao pé da avó, ouvia e via. E viu. Viu o rapaz pedir à dona da panela o irem dançar e ela menear a cabeça negativamente, reparou nos beiços sorridentes dos outros rapazes, reparou no trejeito da requestada quando não foi pedida por quem ela queria e ouviu comentários ciciados.

E, a rapariga repetiu as negas ao lafrau destravado, durante todo o baile repetiram-se as danças, repetiu as negas, dançou e voltou a dançar, porém não dançou com quem quis, assim foi até à última música.

Já em casa o menino voltou a ficar de olhos fechados e ouvidos bem abertos deitado num banco defronte das labaredas provenientes dos rachos secos de carvalho. A avó mastigava as palavras trazidas do baile a outra mulher também lá presente respondia e acrescentava, adormeceu.

Na segunda-feira de Páscoa continuaram as celebrações, o Senhor Padre procedia à bênção das casas, à tarde jogos na faceira, baile à noite. A avó exigia a presença do neto na cerimónia, não podia faltar, mais a mais o Padre tinha sido companheiro de armas do avô na primeira guerra mundial, os émulos de Afonso Costa mobilizaram os padres sem apelo e desprovidos de patente.

O ritual repetia-se ano após ano, solene, respeitosa, um mordomo dava a beijar Cristo, nós de joelhos dobrados, o Sr. Padre abençoava a sala, depois perguntava pelo meu avô, mordiscava um palito doce, bebia um cálice de vinho do Porto, os mordomos comiam folar, bebiam vinho tinto, um deles retirava o dinheiro e enfiava-o numa saquita, os meninos das sinetas preferiam os doces metendo-os nos bolsos atafulhados, escondidos debaixo das opas. E, corriam a anunciar a chegada da cruz brilhante, não sei se em prata lavrada.

E, o jogo da panela começou, em vez da panela as raparigas atiravam umas às outras um cacharro, lançavam-no sem pressas, a meia-altura, três ou quatro de bigode a despontar também participavam no jogo, o lapuz aproximou-se, anunciou a sua entrada no prélio. Colocou-se ao meio da roda, ficou à mão de semear e a mão da despeitada atirou violentamente o cacharro esboucelado na direcão do rosto dele. Salvou a face estendendo a mão, não salvou a mão de um lanho sangrento. O jogo terminou. As raparigas passaram para outra roda, uma cantarinha de lata rodava sem cair, risos estrídulos ressoavam na faceira, um pouco distanciada a mãe sorria veladamente. Mãe é mãe.

O lesionado desinfectou a ferida borrifando-a com aguardente. Nessa noite não lhe pediu uma dança, nem dançou.

O rapazinho registou na memória os principais acontecimentos ocorridos naquela Páscoa.

Armando Fernandes

PS. Ainda estão vivas personagens do acima narrado, por esse motivo entendi por bem não mencionar nomes, nem a localidade. Neste último pormenor, gato escondido com o rabo de fora.

Dada a ausência de raparigas e rapazes nas aldeias não sei se ainda se joga a panelinha.

Boa Páscoa.

Agnus comei

Ora boa tarde a todos. Como têm passado? Essa Primavera quase acabada de chegar, a natureza no seu esplendor, tão bom de se ver. Por falar em Primavera ocorre-me falar da celebração que, entre outras coisas, comemora o primeiro domingo de lua cheia depois do equinócio da Primavera, a Páscoa. Há quem fale de festividades pré-cristãs na sua origem, há quem aponte a herança de uma ceia judaica, que todos os anos lembrava o êxodo dessa comunidade, acolhida nos primeiros anos de Cristianismo. Seja como for, esta coisa de Cristo ter nascido a 25, dia fixo e redondo resvés solstício de Inverno quando mal era conhecido, e de subir aos céus em dias diferentes, umas vezes em Março outras em Abril quando meio mundo o perseguia, às vezes é de deixar uma pessoa meio baralhada. Mas não é de botas e perdigotas de que vos venho falar. Venho falar de tradições. Tradições trasmontanas. Que me lembre este é o período do qual mais tradições recordo. Recuemos uns dias. Carnaval. Segundo os mais velhos havia uma tradição que era fazerem-se os casamentos. A rapaziada juntava-se nessa noite em dois grupos e munida de grandes funis de ferro “casava”, de uma forma tanto ou quanto carnavalesca alguns casais, passem o pleonasmo, da aldeia. Em locais estratégicos, de uma encosta à outra da povoação, para que todos ouvissem, eram anunciados esses inusitados e exagerados matrimónios. A última geração que fez isto foi a de meu irmão, meia dúzia de anos mais velho que eu, depois disso a tradição morreu. Na Páscoa a tradição era os homens na noite de sábado juntarem-se num forno e comerem o cordeiro. Não sei se é preciso o esclarecimento, mas entenda-se forno como o espaço ou divisão (dos que o tinham ou têm) onde se cozia o pão, etc. Comia-se o cordeiro pela noite fora e durante a madrugada ia-se cantar a ressurreição. Tocava-se o sino e cantava-se a ressurreição. Estou a escrever ia-se, mas posso escrever vai-se, porque esta tradição ainda se faz, ainda persiste. Muito menos gente, muito menos vontade de comer, muito menos pela noite fora, mas mais pessoas de todas as idades e mais igualdade de género, o que só prova que as tradições por mais recônditas também se sabem actualizar. Quando eu andava mais por aí ainda se fazia o cordeiro dos solteiros e o dos casados, agora creio que há só um, e a ressurreição não se cantava num ponto só, no adro da igreja parece-me, mas percorria-se a aldeia toda em alegre caminhada e sacra cantoria. Era uma tradição dentro da tradição e servia também como uma espécie de intervalo para desmoer. Depois voltava-se ao forno e atacava-se o cordeiro novamente. Mas havia mais. Fazia-se algo bastante poético que era pôr flores às janelas das raparigas solteiras. Diz que eram coisas mais elaboradas noutros tempos, incluindo vasos e bilhetinhos e tudo, e também com propósitos mais concretos. Houve um ano em que eu e outros ainda chegámos a fazer mas muito mais na desportiva. Creio que na manhã seguinte foi maior a fúria das vizinhas que ficaram com os canteiros semi-destruídos do que propriamente o contentamento das raparigas visadas. Mas fez-se tradição! Agora é mais uma já finada. Em suma, cordeiro e ressurreição lá vão resistindo. Muito devido à teimosia de uma mão cheia de puristas. Flores e casamentos já se perderam. E pronto, é assim a vida, fica o registo, muito bons dias e até amanhã. Ora bem, o que é curioso no meio disto tudo é que segundo sei estas tradições não têm igual mesmo nas aldeias vizinhas. Não se faziam sequer nas localidades próximas, o que demonstra como viviam isoladas e que apesar de haver um contexto sociocultural semelhante, dentro disso cada comunidade desenvolvia os seus próprios hábitos, as suas próprias interpretações e tradições. Quer-me parecer até improvável que não houvesse ou não haja outras aldeias trasmontanas com iguais ou semelhantes tradições, mas sinceramente desconheço. Para mim não pode haver Páscoa sem que se cumpra a noite do cordeiro e oxalá assim seja por muitos e bons anos. Força! Páscoa feliz!

Vendavais - Juventude irreverente

Nas últimas décadas já apelidámos a juventude de muitas formas e todas elas tinham algo de substancial nessa união. Nos nossos tempos e não no desta juventude, os anos 60 marcaram a grande transformação e afirmação da juventude perante uma sociedade bastante conservadora e ciosa dos seus princípios. E a Inglaterra foi o palco dessa enorme mudança. Nascia a famosa Generation Gap. Afirmou-se com novos princípios, novos valores, novas metas e objetivos, mas não abandonou a tradição. Foi o desapertar dos laços inibidores e o dizer o que queriam realmente. Foi a juventude do amor, da paz, da alegria e do repúdio pela guerra. E foi esta juventude que acabou por escolher como palco da sua afirmação maior, os Estados Unidos em 1969, para dar um outro salto e fazer nascer a juventude Hippie. Este salto foi mais perigoso e assustador para todo o mundo.
Desde essa altura, um pouco por todo o lado, a juventude tem tido laivos de mudança, mas de pouca duração. São tiques mais ligados a ondas musicais do que a uma mensagem global que agregue a juventude como um todo. Recorrem à moda e à música para ter alguma ligação, mas não basta. É muito pouco e o cimento é demasiado fraco para aguentar a obra feita que acaba por ruir.
Em Portugal a nossa juventude não é muito diferente das outras e vai facilmente a reboque do que a moda traz, do que vêm, do que ouvem e do que se diz. Não há um mote de afirmação digno e nacional que só a ela diga respeito.
Este fim-de-semana, fomos confrontados com notícias deveras decepcionantes, relativas ao comportamento de alguns milhares de alunos que resolveram ir para Espanha passar alguns dias de férias e comemorar o que supostamente seria o ano dos finalistas do ensino secundário.
Cerca de oito mil alunos portugueses espalharam-se pelo Sul de Espanha, em dois locais deferentes e resolveram dar largas a esse contentamento, numa euforia irreverente e inapropriada, que acabou mal.
Mil alunos que estavam em Torremolinos, foram expulsos do hotel onde se sediaram porque praticaram atos indignos e desacatos com destruições à mistura, o que não foi aceite pelo dono e lhes deu ordem de expulsão depois de chamar a polícia. Os outros sete mil que estavam em outra localidade, divertiram-se, cantaram e dançaram e passaram uns dias esplêndidos sem causarem problemas a ninguém. Então porque é que estes sete mil se divertiram e souberam estar em harmonia e os outros mil só arranjaram complicações?
Penso que é tudo uma questão de cidadania, de educação, de formação cívica para não ir mais longe. É urgente formar civicamente esta juventude que sem rumo certo, quer afirmar-se pela negativa, usando métodos que põem na lama o nome do país a que pertencem e das famílias que se vêm confrontadas com situações complicadas e comprometedoras.
Não pode ser através de métodos irreverentes e sem sentido como o deste fim-de-semana, que a nossa juventude se vai afirmar. É certo que também numa concentração desta natureza há sempre alguma irreverência comportamental, alguns excessos, mas é necessário saber até onde se pode ir e essas metas têm de lhe ser ministradas o quanto antes por quem de direito, sejam os professores, sejam os pais. Agora que parece voltar a Formação Cívica às escolas, é tempo de alertar para estes problemas de irreverência que não dão bons resultados a ninguém.
Depois de toda a poeira assentar, ouvimos várias versões, tanto dos alunos como dos pais ou mesmo dos espanhóis e até podemos ficar perplexos e sem decidir a quem atribuir as culpas, mas onde há fumo, há fogo e quem o ateou não foi certamente o dono do hotel. Mas se houvesse fogo, era fácil mil alunos apaga-lo imediatamente e o que vimos foi reanimá-lo ainda mais. Assim não! Sabemos que de Espanha não vem nem bom tempo, nem bom casamento, mas então porquê ir até lá quando temos cá locais esplêndidos para passar uns dias com os colegas e amigos? Puxem pela cabeça e esqueçam as euforias do Sul de Espanha que leva sempre a maus resultados. No ano passado morreu um aluno, lembram-se? Pois foi. E onde ficou a culpa? Ninguém a quis trazer. Irreverência, somente.

 

Depressão e alimentação

Recentemente, têm sido discutidas abordagens apoiadas em alterações do estilo de vida para a prevenção e tratamento destas perturbações.

Segundo alguns trabalhos científicos, um padrão alimentar saudável, rico em fruta, hortícolas, cereais integrais, carnes brancas, peixe e laticínios com baixo teor de gordura – tal como aconselhado pela “Dieta Mediterrânica” – assim como o acompanhamento por um nutricionista, poderão ser eficazes na redução do risco de depressão, e suas comorbilidades.

As relíquias da Semana Santa

Ter, 11/04/2017 - 09:58


Olá familiazinha! Tivemos um fim-de-semana em cheio. No sábado fizemos uma emissão especial do Bom Dia Tio João acerca da Feira do Folar e Azeite de Izeda, com a presença nos estúdios de vários convidados da Associação de Desenvolvimento da Região de Izeda que, juntamente com o município, são os promotores da feira. No domingo estivemos em directo de Caçarelhos a fazer a emissão Especial Domingão na Feira do Pão, com a participação da família do Tio João e dos tios e tias da aldeia.