São Pedro procura casa em Lisboa

PUB.

Ora viva minha prezada gente. Há quanto tempo! Como vai essa saúde? E a família, tudo em ordem? Espero que sim! Ora parece que este ano o ditado que diz “em Outubro, fogo ao rubro” até soa a piada de mau gosto. Em vez de andar sossegado pelas lareiras anda aí à solta a dar trabalho e chatices fora de tempo. Isto hoje em dia já não está para ditados. Não dá para lhes fazer a atualização, por isso ficam descontinuados. Nem para ditados nem para castanhas! Compreendem agora para onde é que vai grande parte da taxa aeroportuária. São Pedro, ele mesmo, tomou-lhe o gosto. Chinelo no pé, barba bem aparada, smartphone, chaves do carro, maço de tabaco e óculos de sol em cima da mesa da esplanada, “era mais uma, se faz favor”, babes ao fundo a molharem os pés na orla da praia, isto merece uma foto, #não é fácil, #autumn of 2017. Sempre foi meio céptico, mas encontra-se completamente rendido às evidências, há quem diga que está a atravessar uma crise de terceira idade, outros dizem que foram os copinhos de chocolate da ginjinha de Óbidos. Primeiro a Secretaria de Estado do Turismo enviou-lhe uma carta, obrigado por toda a consideração e amabilidade que tem tido connosco nestes últimos anos, dentro seguia um bilhete de avião para vir cá em baixo ver isto com outros olhos. Tempos depois mandaram fechar o gabinete para lhe renovar o visto. Peixinho grelhado, copo de vinho branco, toucinho do céu. “Esta gente estraga-me com mimos”. Sacrilégio é não dar uma ajudinha para continuar a fazer de Portugal o país mais cool da Europa. Com o seu charme de sessentão renascentista tem sido visto no ginásio, consta que disse que o budismo até é uma cena fixe que não impõe nada a ninguém e que se não tivesse medo de agulhas até fazia uma tatuagem de uma daquelas mãos com olhos no meio das costas. Está a levar isto de ficar entre nós muito a sério e aos poucos vai ficando entendido na matéria, na sua opinião não havia motivo para grande penalidade, prefere o pão de Mafra ao pão alentejano, o bitoque não é bem nem mal passado e o café é sempre curto em chávena escaldada. Se for para ficar cá a viver ainda está indeciso entre um apartamento remodelado com ampla vista para o Tejo ou uma moradia na margem sul mesmo junto à praia. Diz que já andou a ver casas muito bonitas do outro lado do rio, mas todas têm o inconveniente de ficarem de costas para o Cristo-Rei e “isso é uma coisa que dá azar”. Enquanto e não, está a partilhar um quarto através do Airbnb, reconhece que podia estar num hotel com outras mordomias, mas assim “conhece-se pessoas e é mais humano”, embora o colega de casa agora tenha trazido a namorada para viver come ele e ela “deixe o lavatório cheio de cabelos”. Já sabe pedir “água com gás” em português, para meditar e encontrar-se com Deus gosta de ir à Boca do Inferno, não é particular apreciador de bacalhau e diz que acerta “quase sempre” no preço da montra final. Mas além de andar por cá a levar uma vida santa São Pedro também tem de mostrar serviço. Está responsável por não fazer cair uma gota de chuva e deixar o Verão ficar por cá até lhe dar na real gana, ano após ano. Se os governantes nos vendem lá fora como o país com “mais de 200 dias de sol por ano” com São Pedro entre nós podemos ir até aos 300. Nem precisamos de chuva, só serve para espantar as pessoas. É como mudar de canal e aparecer a Teresa Guilherme. Para justificar o investimento está com algumas ideias em carteira: primeiro essa coisa do 21 de Setembro, dos solstícios e equinócios tem de acabar, isso é muito pré-história, não reflecte os tempos modernos. O Outono não precisa de 3 meses para nada, pode ceder um mês ao verão e ainda lhe sobra tempo para andar a varrer folhas do chão. Depois também não tem jeito nenhum fazer a juventude começar as aulas com mais um mês de calor intenso pela frente. Um aluno não se consegue concentrar quando poderia estar lá fora a apanhar umas ondas e a curtir um festival de verão para ser forever young. Festivais de Verão até Novembro claro, permitiria realizar mais uns 120, pelo menos. Noites e festas temáticas, publicidade com gente descascada, bebidas que não são carne nem peixe, etc, toda uma indústria que poderia ser melhor aproveitada se não fizéssemos de conta que o Verão acaba mais cedo. São Pedro até costumava ser amigo dos agricultores, dos pastores e de todas as coisas campestres e com cenários bucólicos, mas isso já foi chão que deu castanhas. Pode ser que seja só uma fase. Forte abraço!

 

Manuel João Pires