QUAL FACEBOOK?

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Passado o túnel do Marão é num ápice que se ultrapassa Vila Real e começa a haver condições para sintonizar as rádios locais do Nordeste. Motiva-me a curiosidade sobre as notícias locais, ditas em primeira mão, com entrevistas no local com os protagonistas. É uma forma de continuar a alimentar as raízes, sedentas da cultura materna, seja pela revisita das tradições, seja pelo doce sabor do som do linguajar local. Mas não só. Entre os vários programas radiofónicos que preenchem o espaço hertziano há os que, diferençando-se entre si por alguns pormenores e estilos, obedecem a um padrão que me remete para os meus tempos de infância – o dos discos pedidos. Nessa altura ouvia com atenção e curiosidade as preferências de ouvintes distantes, tão anónimos como o próprio locutor, mas com que, naturalmente, mais me identificava. Os que hoje nos são oferecidos pelas diferentes Rádios Locais são muito mais que isso e vão mais longe. Sem grandes exceções os participantes são repetentes, usuários habituais deste espaço público, conhecem o locutor (mesmo que se adivinhe um conhecimento especial, sobretudo baseado na voz) e conhecem-se igualmente entre si.
– Então como está? Já melhorou da gripe? Tenha cuidado que o frio anda por aí e se apanha um resfriado ainda acaba com uma pneumonia e isso pode ser-lhe fatal.
– Ai credo, nem me diga tal coisa. Mas olhe que eu agasalho-me bem. Você já sabe que comigo o frio não quer nada.
– Sei, sei. E qual é a música para hoje?
– Hoje a escolha é sua. É a que você quiser...
– Ai eu é que escolho? E como sabe que é essa que quer? Bom, mas diga lá então a quem é dedicada.
Lá vem um enorme rol de amigos, conhecidos, familiares e outros. Não raramente termina com “ e para todos os ouvintes” fechando o círculo universal e que, aparentemente, inutilizaria a anterior “indispensável descrição”. Mas também há lugar a ralhetes, recados e acusações.
– Olhe, também quero mandar uma saudação para o senhor Zeferino. Ele falou há pouco para aí e não disse nada para mim. Não me nomeou e eu nunca me esqueço de falar nele.
E ainda, frequentemente, por parte do locutor, uma “necessária” separação de águas.
– Olhe ti’António...
– António, só. Trate-me apenas por António. Isso dos tios é de outro programa e de outra rádio e eu não quero confusões!
Não posso deixar de estabelecer um paralelo com as redes sociais tanto em voga agora e usadas preferencialmente pelas camadas mais jovens embora haja uma participação, cada vez maior, de outras faixas etárias. No caso destes programas, pressente-se pela voz, discurso e conteúdo, uma pirâmide de forma invertida à anterior. Mas no resto são mais as semelhanças que as diferenças. É verdade que uma se baseia na escrita e na imagem e a outra é exclusivamente baseada na palavra. Mas em tudo o resto são semelhantes: Uma lista grande de amigos, alguns encontrados e conhecidos neste espaço restrito; a frequência da plataforma com regularidade; o convite para a partilha de pensamentos, de estados de alma; a descrição com ou sem pormenores da última ou da próxima refeição. Numa das edições recentes uma belíssima voz feminina entoou, à capela, um hino à sua aldeia. Encantador. O facebook não faria melhor. Merecedora, sem dúvida de um “like”! Gesto que no caso da rádio passa pela vontade a concretizar de ouvir o programa, de novo, que as vicissitudes da vida me permitam regressar ao Nordeste e logo que ultrapasse a luz ao fundo do túnel do Marão ou que comece a descer da Guarda para Celorico. Os próprios modelos de negócio são semelhantes. Quer um quer outro têm o seu sustentáculo económico na publicidade associada que vendem e que é proporcional ao número de pessoas que os vêm ou ouvem.
De regresso a Lisboa e pensando já nesta crónica para o Jornal Nordeste interrogava-me como seria a audiodescrição das interações entre os utentes do Facebook. Fazendo as necessárias alterações e que passam pela substituição óbvias das fotografias pessoais, recolhidas na internet ou pedidas emprestadas a amigos, pelas canções dos artistas preferidos, gravações de um grupo regional ou mesmo executando-a pessoalmente e em direto e substituindo o acesso à internet e à respetiva plataforma, pelo telefonema para o locutor de serviço,  não encontraria melhor exemplo que o destes encantadores e úteis programas característicos das nossas rádios locais.

José Mário Leite