NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Luís Álvares Nunes (n. Vinhais, 1650)

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Luís Álvares Nunes nasceu em Vinhais pelo ano de 1650, sendo filho de Baltasar Mendes, mercador, e Branca Nunes. Trata-se de uma família numerosa e que deu largo “pasto” ao “fero monstro” da inquisição.
Com efeito, andava Luís pelos 8 anos quando levaram presos para Coimbra os seus pais e 3 de seus irmãos: Francisco Cardoso, Leonor Marcos e Filipa Nunes.
Posteriormente, a espaço, foram presos outros 6 irmãos e apenas a irmã Ana Maria Nunes escapou da prisão porque foi para Roma com o seu marido, Duarte Pereira. E a saga da família nas prisões do santo ofício haveria de continuar pelas gerações futuras, como aconteceu com uma filha, Catarina da Costa e mais de meia dúzia de netos, nomeadamente os 5 filhos de sua filha Maria Lopes casada com João Lopes Pimentel e muitos sobrinhos e primos.
Tal como continuaram as fugas de membros da família para fora do reino, como aconteceu com Francisco Ramos da Silva e sua mulher Luísa Maria Perpétua, primos entre si, sobrinhos de Maria Lopes, primos em 2º ou 3.º grau de Luís Álvares Nunes, que foram dar vida a chãos de Inglaterra  (1)
Contava uns 30 anos quando, em 1680, Luís Álvares casou com Maria Lopes, de Vinhais, filha de Jerónimo Álvares e Francisca Rodrigues a qual lhe deu 13 filhos, 6 dos quais faleceram solteiros. A casa de morada seria na zona muralhada da vila, encostada à cadeia e, entre os seus bens, contava-se uma vinha, no sítio do Redondo.
Por 1702, faleceu Maria Lopes e Luís tratou de casar novamente, agora na freguesia de Rebordelo, com Clara Nunes, filha de Luís Álvares de Sá e Maria Marques, 25 anos mais nova do que ele. Deste segundo casamento, temos notícia do nascimento de duas filhas, uma das quais se chamou Catarina da Costa, nascida por 1707 e que viria a casar com Luís Henriques Tota, mercador, o patriarca de uma poderosa família de banqueiros. Também ela seria presa pela inquisição, em 1754, juntamente com sua filha Clara Maria. (2)
Vinhais… Rebordelo… A economia nacional e europeia entrava então no chamado “ciclo do tabaco”, assistindo-se a uma autêntica corrida no que respeita à distribuição do produto. Falta ainda fazer o estudo sobre a participação dos “homens da nação” de Trás-os-Montes nessa “corrida”, não apenas em Portugal mas também em Espanha e noutros países da Europa. Daria tal trabalho uma boa tese de doutoramento. Os dados que temos, se bem que muito parcelares, permitem-nos, porém, afirmar que eles tiveram um papel de grande relevo e, entre todos, sobressai o nome de Diogo (Moisés) Lopes Pereira (1699-1759), condecorado com o título de Barão de Aguilar, pelo arquiduque da Áustria, país onde teve o monopólio da venda do tabaco ao longo de 16 anos. (3)
Pois, também o nosso biografado se meteu na “corrida” abandonando Vinhais e Rebordelo e rumando à cidade do Porto onde arrendou ao contratador geral dos tabacos, Manuel de Aguilar, (4) um estanco na praça da Ribeira.
No entanto, o nosso estanqueiro do tabaco, não largaria os negócios tradicionais de estopas, sedas, baetas… e a atividade prestamista, a avaliar pelo inventário de seus bens. Com efeito, para além das fazendas existentes na loja, tinha na alfândega, chegados de barco e à espera de despacho, “6 fardos de baetas, 3 de cochinilha e 3 de cores” que valiam um conto e 500 mil réis e para o Brasil tinha enviado “uma carregação de panos de linho e um manto de barbadilho”. Tal como tinha em seu poder um cordão de ouro de uma pasteleira do Porto, a quem emprestara 20 mil réis.
Significativo das suas relações com Manuel de Aguilar, a quem estava devendo 300 mil réis, era o facto de ter “em sua casa 20 varas de estopa que são de Branca Teresa, (mulher de Manuel Aguilar), que tinha em sua casa para lhe remeter para Lisboa, que tinham vindo da tecedeira.
Em meados de junho de 1710, Luís Álvares foi preso pela inquisição, com base em denúncias feitas por pessoas de Lebução, Vinhais e Bragança que se encontravam presas e escrevendo de Rebordelo, o abade António Barbosa de Almeida, dizia:
- Ainda não estou muito capaz para lhe dar novas minhas e da terra que está em miserável estado. – Certamente que o “miserável estado” significava práticas de judaísmo.
Enquanto preparavam a condução para o tribunal de Coimbra, o prisioneiro foi metido em casa do familiar da inquisição Moura Carvalho, morador em “Vila Nova do Porto”. E tendo consigo 3 moedas de ouro, Luís entregou-as ao “carcereiro” para que as desse a sua mulher. Este porém, entregou-as ao depositário dos bens que foram sequestrados, não sem que antes descontasse uns tostões por despesas efetuadas.
Metido na cadeia do santo ofício, Luís Álvares logo começou a confessar seus pecados, dizendo que fora instruído na lei de Moisés 30 anos atrás pelos seus sogros, Jerónimo Álvares e Francisca Rodrigues, que lhe terão dito “que se queria casar com sua filha, havia de crer e viver na lei de Moisés”.
E vários dos seus pecados estavam exatamente relacionados com a morte do sogro, acontecida por 1698, em que ele e 7 filhos do defunto, seus cunhados, se juntaram para fazer jejuns judaicos por alma do falecido. E também o seu sobrinho José Rodrigues, o Traça, de alcunha, “pediu a ele confitente alguns vestidos do dito Jerónimo Álvares, para fazer jejuns judaicos por sua alma”. (5)
Pecado semelhante cometeu-o quando uma Branca Cardosa, a sanjoanina de alcunha, “lhe foi pedir um pouco de baeta para uma saia, e dizer que lhe pagaria em jejuns judaicos”.
Aliás, uma das denúncias que estiveram na base da sua prisão foi feita pelo citado José Rodrigues, o Traça, nos seguintes termos:
- Haverá 8 anos, em Vinhais, em casa de seu tio materno Luís Álvares Nunes, viúvo de Maria Lopes, agora casado com Clara Nunes, se achou com (…) na ocasião Luís Álvares pediu para fazerem um jejum judaico por alma de sua mulher maria Lopes e para isso lhes deu 6 vinténs a cada um. (6)
Não vamos continuar com as confissões de Luís Álvares, muito repetitivas, aliás, de declarações de judaísmo com seus familiares, conhecidos e amigos. E porque logo confessou e pediu perdão, seria condenado em penas espirituais, ao cabo de um ano. Resta dizer que, no seguimento da sua prisão, também a sua mulher, Clara Nunes e a sua filha Maria Nunes, foram igualmente processadas pela inquisição de Coimbra, saindo os três no mesmo auto da fé celebrado em 8.6.1711. (7)

Notas:
1- ANDRADE e GUIMARÃES  - Jerónimo José Ramos  ( 1726-1754)  in:  “ Jornal Nordeste  - de 22 Novembro de 2016  -p. 27
2-ANTT, inq. Lisboa, pº 2622, de Catarina da Costa; pº 2449, de Clara Maria. Nascida em Rebordelo, Catarina e o marido moraram no lugar de Peleias de onde se transferiram para a freguesia do Sacramento, em Lisboa e depois para Alhandra, onde tinham uma loja de fazendas, quando a prenderam. Mais tarde, a família constituída por Luís Tota e Catarina da Costa foram para França, fixando-se em Bordéus. Adotaram publicamente o judaísmo, tomando Catarina o nome judeu de Sara e Luís o de Abraham.
3.ANDRADE e GUIMARÃES, Um administrador do Tabaco na Áustria, in: jornal Terra Quente de 15.10.2001.
4-IDEM, Francisco Lopes Pereira (1617-1683) rendeiro dos milhões, in: jornal Nordeste nº 190, de 3.1.2017.
5-Ainda hoje, em muitas localidades de Trás-os-Montes, as famílias se sentem na obrigação de vestir uma pessoa com a roupa dos defuntos, para que ele não ande nu na outra vida. Será costume herdado dos judeus?
6-ANTT, inq. Coimbra, pº 9119, de Luís Álvares Nunes.
7-IDEM, pº 3241, de Clara Nunes; pº 6379, de Maria Nunes, casada com João Lopes Pimentel.
 

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães