Impõe-se

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Passado o período eleitoral e não havendo factos significativamente relevantes, impõe-se a reflexão sobre o novo figurino parlamentar e sobre aquilo que o mesmo traduz.

A gerigonça, pelo que se sabe, mudou-se para Espanha com o PSOE e o PODEMOS a ensaiar os primeiros passos num tango que não se augura muito feliz. Em primeiro lugar porque não sendo original, pretende ser uma cópia do que por cá se fez. Contudo, nem nisso foram bons já que ao escolher par, Sánchez esqueceu-se de que o primeiro-ministro português, ou porque não terá muito jeito para a dança, ou porque é um estratega nato, preferiu um joguinho de sueca que lhe permitiu estar relaxado, piscando o olho ora a um ora a outro dos parceiros, sem nenhum deles poder dizer que fez batota. Durante quatro anos, foi-os contentando e a legislatura, contra as expectativas, chegou ao fim para gaudio de todos, sobretudo do presidente da república. Quem conhecer melhor as cartas do que eu e estiver mais familiarizado com os jogos de mesa, pensará que a ignorância me leva a considerar que para a sueca só são precisos três jogadores em vez dos habituais quatros; no caso convém recordar que o PCP trouxe o amigo Verdes para a mesa.     

O PAN caminha a passos largos para a institucionalização e, por mais que reafirme o contrário, está bem patente, no seu discurso, esta nova forma de estar e de fazer política. Basta comparar o programa eleitoral de 2019 com o apresentado há quatro anos para constatar que suavizou o discurso e onde antes punha os animais, coloca hoje as alterações climáticas. Onde antes se falava dos animais não humanos que deveriam ter estatuto jurídico equiparado a menores, fala-se agora em animais simplesmente. Lamenta-se que um partido desta natureza tenha deixado cair a bandeira da caça desportiva, um claro sinal de que o aburguesamento já chegou ou, então, os cheiros da capital não lhe permitem ver os efeitos que a caça tem na natureza e nos animais que dela fazem a sua casa.

Face a isto, não admira que tenham surgido três novos partidos com assento parlamentar. Querendo parecer distintos entre si, e sendo-o de facto, também eles podiam reinventar uma gerigonçazinha capaz de dar dores de cabeça à governação. Contudo, porque não são partidos de causas mas de factos, não conseguem ir para além da circunstância e da espuma dos dias, sendo que o mais irónico é haver quem se diga antirregime e não só tomou assento no parlamento, como passou a financiar-se com o erário público.

Estando longe de entender como vai ser o caminho que os estreantes irão fazer, até agora, a relevância vai para a gaguez da deputada e para as saias do seu assessor que, não só conseguiram tomar conta dos canais mediáticos, como conseguiram que a opinião pública falasse dos políticos e esgrimisse argumentos ora a favor ora contra. Se sobre saias não me pronuncio, não me parece que a combinação de cores tivesse favorecido o manequim, mas, como gostos não se discutem e acredito que alguém lhe tenha dito que estava impecável… por aqui me fico. Já sobre a gaguez, num espaço em que a palavra é instrumento de trabalho e a oratória é a base do parlamentarismo ousaria apresentar o meu ponto de vista se para tal houvesse espaço. Não está em causa a legitimidade da deputada eleita democraticamente e, como tal, com poderes para representar quem nela votou, independentemente dos mecanismos que presidiram a tal escolha. Identificação? Desafio? Ou simplesmente um voto de protesto? – não se saberá; mas, seja qual foi o critério, receio que se esteja de novo perante um facto mediático, inconsistente e incapaz de se fortalecer no tempo. Prova disso, é que de todos os partidos com assento parlamentar, este é o único a não apresentar qualquer iniciativa legislativa, nem sequer um projeto de resolução que seja capaz de confrontar o governo com algo que já tenha feito. Como se tal não bastasse, já se ouvem as vozes do seu próprio partido a pedir que alinhe a sua agenda política por aquilo que são as causas do Livre. O palco mediático que lhe foi dado provoca engulhos no grupo de contato (direção) que queria ver uma agenda que fossa além da militância feminista e das causas racistas, com uma reinterpretação da história excessivamente livre para que seja levada a sério. Nem a ecologia nem o europeísmo – temas significativos para o fundador do partido, figuram na agenda. Podendo ser esta uma estratégia da deputada para se manter na sua zona de conforto, não será sustentável a médio prazo.

Como o tempo é bom conselheiro, e a época do natal se avizinha, mantenhamos a esperança de que a lufada de ar fresco que entrou pelas portas do parlamento não saia pela janela entreaberta dos gabinetes.

Raúl Gomes