O dia de Reis dos caretos de Salsas

PUB.

Ter, 07/01/2020 - 11:57


As ruas da aldeia de Salsas, concelho de Bragança, ganharam vida com o encontro de mascarados no último fim-de-semana.

Chocalhos, bombos e alguns berros animaram quem, por curiosidade, visitou a aldeia e ficou a conhecer os caretos. De vários pontos de Portugal, mas também de Espanha, os caretos reuniram-se num encontro que já se realiza há seis anos. Os caretos de Lazarim, concelho de Lamego, já não é a primeira vez que vêm até Salsas. Maria de Lurdes Silva também não quis deixar de vir e contou que é uma maneira de conhecer outros grupos e depois levá-los para o Carnaval de Lazarim. A tradição nesta aldeia tem vindo a sobreviver com o passar dos anos. “Toda a gente gosta disto com alma e coração. Eles vestem mesmo a pele de caretos. Temos muita gente nova a fazer máscaras e depois ficam com o bichinho e já não querem sair do grupo”, disse. Da região também não faltaram os de Torre de Dona Chama, os de Torre de Moncorvo, Mogadouro, Grijó e os da casa, os de Salsas. João Pinto tem 16 anos e desde pequeno que desfila pelas ruas com o fato dos caretos de Mogadouro. Fez questão de ir ao encontro de mascarados, porque diz ser um “convívio entre todos os chocalheiros”. Ter nascido no seio da tradição é algo do qual se orgulha. “É uma tradição que nasce connosco”, afirmou, acrescentando que com aquele fato consegue ser “outra pessoa”, porque ninguém o conhece, e “libertar a origem do chocalheiro”. Os vizinhos espanhóis também quiseram mostrar os seus fatos e, por isso, desfilaram pelas ruas de Salsas. Bertran veio de Sanabria mascarado de careto para “brincar” e “passar uma boa tarde”. Maria Jesus também faz parte do grupo com Bertran e contou que tem sido difícil manter a tradição na comarca. “A tradição tem origem no tempo Romano e já se tinha perdido, mas conseguimos recuperá-la. É difícil manter a tradição. Antes eram só homens, agora como não há gente também participam mulheres”, explicou. Um grupo de caretos de León também marcaram presença. O representante contou que o que os motivou a participar no encontro foi que são muito bem recebidos pelo povo português e têm uma ligação com Bragança e Salsas. Quem já conhece a tradição e o encontro de mascarados conta que este ano a animação superou a expectativa. Para outros, a curiosidade falou mais alto e não puderam deixar de ver os caretos. Rosé percorreu cerca de mil quilómetros para conhecer esta cultura. “Sabia que havia aqui um festival de máscaras, encantou-me. É a primeira vez que venho e estou a gostar muito. Não esperava tanta gente, tanto movimento e tanta música”, salientou. Já Maria Helena Gonçalves é da terra, mas vive em Lisboa e veio de propósito para a festa. “Eu gosto das tradições e acho que é importante mantê-las”, afirmou. Quanto aos emigrantes, alguns deixam de visitara a família e vêm na altura dos Reis para poderem participar na festa dos Reis. Este ano, participaram mais grupos do que no anterior, perfazendo o total de 18. “Começámos com o encontro de mascarados e caretos há seis anos e temos aumentado de ano para ano. Se há mais animação é uma maneira de trazer os nossos emigrantes a passarem aqui os reis”, disse Filipe Caldas, da organização, acrescentando ainda que eventos como este dão “animação” e “visibilidade” à aldeia. “Aquilo que nós temos de melhor são as nossas tradições e o nosso passado e se preservarmos o nosso passado a nossa identidade mantém-se”, sublinhou. Segundo Filipe Caldas este é o único encontro de mascarados e caretos, a nível nacional, realizado numa aldeia, que tem o intuito de promover o convívio e a troca de experiências, mas sem nunca perder a genuinidade. No final do dia de sábado foi ainda queimado um boneco que simbolizou a despedida do ano velho e a entrada no ano novo.

A tradição que ainda se mantém

De 1 a 5 de Janeiro os caretos têm a oportunidade de fazer aquilo que sabem melhor: chocalhar as mulheres solteiras. Mas, nestes dias, há ainda outra diversão associada: roubar fumeiro. Marília Gomes é da terra e participou no encontro de mascarados e caretos vestida de careto. Lembra-se bem como era a tradição naquele tempo. “Do 1 ao 6, de manhã, todas as noites os caretos iam saber das raparigas e elas tinham muito medo e escondiam-se debaixo das camas. No dia 6 os caretos iam buscar os enchidos e davam-lhes cebolas, feijão e cascas e era arrematado para a missa das almas”, contou. Filipe Caldas, antigo presidente da Associação Cultural e Recreativa dos Amigos dos Caretos de Salsas e organizador do encontro de mascarados e caretos, referiu que esta é uma tradição que ainda se mantém. “Nós mantemos ainda os caretos a saírem pela surrapa da noite e entrarem nas casas das pessoas, chocalhavam as meninas e roubavam os fumeiros”, explicou, acrescentado que no dia 6 são cantados os Reis, o chamado peditório das almas, para angariar dinheiro para a missas das almas

Jornalista: 
Ângela Pais