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Vendavais - Tourada de galinhas

Cada vez mais fico estupefacto com o que por cá vai acontecendo. Do mundo chegam-nos, a cada passo, notícias de teores diversos que têm o condão de nos alertar para o que vai acontecendo. É esse o objetivo da comunicação social.

A verdade é que as notícias que correm em catadupa abrangem tantas vertentes que não conseguimos analisar tudo e termos uma opinião abalizada sobre todas elas, mas há sempre uma ou outra que nos deixam a pensar. Por vezes a incongruência entre elas é de tal maneira grave que temos de expressar a nossa opinião ou, pelo menos refletir sobre o assunto.

A este propósito, fiquei surpreendido com a zanga entre os compadres, Costa e César, sobre o IVA de 6% nas touradas. O governo é contra e a assembleia PS quer a proposta aprovada. E, o curioso da questão é que o PAN não se quis pronunciar sobre o assunto. Mas que tourada! Então o defensor dos animais nem sequer tem opinião sobre o que lhe deveria dizer mais respeito? Afinal é ou não contra as touradas? Se é, então não há espaço para IVA algum e muito menos a descida para 6%. Tem que o dizer obrigatoriamente, a não ser que ande a reboque de outros interesses, como os do IRA, por exemplo.

Mas voltemos a César e Costa. Então o grupo parlamentar não deveria estar em sintonia com o governo? Parece que não. António Costa ficou deveras estupefacto com a situação e disse imediatamente que se estivesse na Assembleia votaria contra. E o recado ficou, mas não valeu de grande coisa, já que a proponente manteve a sua posição e parece não querer desistir dela. Assim, caberá ao grupo parlamentar ajustar-se ou libertar-se do compromisso uníssono e unívoco e cada um votar como lhe parecer. Seja como for, ficará sempre a desavença e o desencontro entre o governo e, pelo menos o líder parlamentar do PS para não falar do grupo todo, ou melhor, e isso foi mais visível, entre o Primeiro-ministro o e líder parlamentar Carlos César. É bem demonstrativo da tourada que vai no parlamento! É sempre curioso o facto de se preocuparem com a tourada em aspetos económicos e não em outros como o direito dos animais, à custa dos quais e do seu sofrimento, se divertem milhares de pessoas. É deveras incompreensível o comportamento de determinadas pessoas quando o assunto não lhes convém discutir. O deputado do PAN deveria ser o primeiro a pronunciar-se, mas nada disse como se estivesse comprometido com o facto. Mas Costa que é contra as touradas, nada fez ainda para que as mesmas sejam objecto de análise legislativa. Mas mostra pelo menos uma coerência: se é contra as touradas também é contra a descida do IVA, claro. Mas é preciso fazer mais.

Outro aspeto com alguma graça e emparelhada com estas touradas é o facto de ter sido oferecida uma galinha ao Ministério do Ambiente para alertar para a necessidade de reciclar o lixo que produzimos diariamente. E chegou-se mesmo a apresentar contas sobre o que a galinha consegue consumir ou reciclar do lixo que efetivamente fazemos todos os dias. Tem a sua piada. Contudo, e sabendo que há necessidade de tomar providências sobre este assunto importantíssimo, não é isso que está em questão, a notícia em horário nobre das televisões nacionais e logo a seguir ao IVA das touradas, fez-me questionar, rindo, será que vão taxar a galinha com IVA por reciclar o lixo? Francamente!

A verdade é que parece que nos querem desviar dos assuntos nacionais de interesse para se discutirem minudências como as desavenças dos compadres sobre descida de IVA nas touradas e sobre a importância das galinhas na reciclagem de lixo. Parece ridículo. Será? Certo é que o IVA referente às touradas envolve seriamente o facto de se sacrificar um animal para gáudio de milhares e o caso da galinha envolve um animal que se quer pôr a trabalhar comendo o lixo que os outros fazem. Visto assim, parece-me de muito mau gosto toda esta tourada.

Bem, o melhor mesmo seria não ter touradas, não haver IVAs sobre o sacrifício dos touros e sobre quem se diverte à sua custa e, quiçá, pegar nas galinhas e, antes que desapareçam pois estão em extinção algumas das espécies nacionais, oferecê-las a quem quisesse, para reciclar todo o lixo que se faz neste país, a começar pela Assembleia da República.

Para concluir e porque também veio a lume em horário nobre, melhor seria que o governo se preocupasse em resolver definitivamente o caso das contratações dos estivadores portugueses que estão a pôr em risco a economia portuguesa e a funcionalidade da maior fábrica de automóveis em território nacional, obrigando os barcos a procurar outros portos para embarcar os quase seis mil automóveis que estão à espera de embarque. Isto é que é deveras sério e ultrapassa todas as touradas em que nos querem meter. Não brinquem connosco.

Virgens ofendidas

A deputada Emília Cerqueira declarou não existirem virgens. Pa­-ra meu sossego verifiquei que no tocante a azeites continuam à venda os extra-virgens. Ainda bem. Para lá da ironia um pouco pesada a graçola da honorável vinda do Alto Minho deu salientes provas de desconhecer ou não querer saber o que caía sobre a rapariga desflorada antes de casar.

Na cotação bolsista denomi-­nada – honra e vergonha – a perda dos três vinténs desvalorizava-a de modo pungente restando-lhe esperar o aparecimento de um homem compreensivo, viúvo ou velho solteirão. Não há muito tempo entrevistei uma senhora de oitenta anos a qual foi enganada, logo estigmatizada. Um viúvo deu-lhe apelido e carinho, ela concedeu-lhe amor e fidelidade até o «seu homem morrer».

Não vou socorrer-me dos tremendos costumes relativa­men­te às mulheres medievais seduzidas ou forçadas, limito-me a recordar um episódio ocorrido no concelho de Vinhais, nos anos vinte do século passado, após a cerimónia de casamento o pai da noiva no decurso das libações à volta da mesa levantou a voz, chamou o genro e a filha, e disse: aqui a tens – bonita, rica e virgem –, só que passados três meses ela pariu. O pai coberto de tristeza nunca recuperou da violenta humilhação.

Os anos consumiram calendários, a evolução social provocou enormes alteridades no comportamento sexual e respectivas práticas fundamentalmente no universo feminino e abaixo dos cinquenta anos com o multiplicado contributo da Internet disseminada por tudo quanto é sítio de Portugal.

Abundam os debates acerca de sexo e sociedade, sobre as diferenças e o direito a ser diferente, raramente se analisa e discute o conceito de virgindade para lá das jocosidades grosseiras ou de salão, a sua validade para inúmeros jovens, a conflitualidade entre os conservadores e os liberais expressa em silêncios ruidosos, o nebuloso paradoxo do para mim e para os outros. Em suma: uma coisa é o pudor em falar seriamente num ambiente sério e a palrice obscena, do comentar ordinário encobridor de pulsões enterradas no sepulcro da mente.

Sim, a deputada laranjinha procurou salvar Silvano de novas explicações minimizando custos políticos, a emenda saiu pior que o soneto, «admiradores colegas deputados» da sua bancada desmentirem a prática de acessos indevidos dando claridade à luta intestina dos deputados adversários (inimigos) de Rio e os seus apoiantes. Porque nestas frondas prevalece o vale tudo brotaram como cogumelos em tempo chuvoso insinuações de falta de inocência de Maria Emília, sim de oportunismo caucionadoras sua integração em lugar elegível na lista a ser sufragada nas eleições do próximo ano.

Uma coisa é certa, modelos de contornarem crivos de controlo na Assembleia da República sempre existiram e vão continuar a existir, desde o esquema das viagens ao de quatro deputados viajarem no mesmo automóvel e cada qual apresentar a folha de quilómetros vão sendo conhecidos quando as comadres ficam zangadas ou o prevaricador é descoberto oferecendo aos eleitores motivos de gáudio e crítica acesa.

A cupidez não é exclusivo de uma casta, é extensiva a todas as castas, nem os reis, nem infantas e demais nobreza escapam, o dinheiro é engodo triunfante, só que se algumas mulheres e homens detêm liames motivadores de cederem à tentação, outras pessoas, a maioria, repele-a, sendo sustentáculo ou trave mestra da democracia. Há dias pessoa minha conhecida sofreu condenação a pesada pena de cadeia dado o seu envolvimento em negócio desastrado de oitenta milhões de euros, penaliza-me, não deixarei de o cumprimentar e falar com ele se o encontrar, no entanto, obrigo-me a pensar na razão de pessoas donas de vidas desafogadas enveredarem por caminhos tão tortuosos concedendo substância moderna ao velho anexim – quem tudo quer, tudo perde –, levando a chistes de uns, a manifestações de tristeza de outros. As mães de antanho constantemente lembravam aos filhos o preceito de não caírem em tentação. Alguns tinham os ouvidos cheios de cera e afundam-se no poço do opróbrio. Talvez não existam virgens ofendidas no circuito do comportamento político, porém ainda as há virgens na causa pública permitirem-lhe rasgar as vestes.

As folhas e a sua linguagem colorida

As folhas secas apanham-se com pás e outras máquinas mais imponentes hoje em dia. Com a preocupação da competitividade, nestes dias, vemos trabalhar inúmeros funcionários das câmaras, apetrechados até à cabeça, varrer e transportar montões e montões de folhas secas. Despejam-nas depois nos contentores do lixo. Como deve ser prático desembaraçar-se rapidamente ad patres, em grandes quantidades, das invasoras e incomodantes chuvas de folhas deste outono avançado.  

Nada de aditamento, nenhuma piedade, pouca consideração por estas infelizes que, mal se desprendem das árvores sobre as quais viveram o seu tempinho de folhas, são transportadas em direcção à saída, ao exílio.

E mesmo assim ! Fixemo-las um momento, estas folhas ditas “mortas”, antes da sua colheita. Mortas? Que impostura! Não é porque mudaram de cor que deixaram de viver. Não é porque caíram da árvore que renunciaram a toda a sua vida interior. Ou cessaram de nos interpelar, na sua própria linguagem. Se falamos da “linguagem das flores”, porque não da linguagem das folhas?

Vede as folhas amareladas como mil sóis que correm ainda sobre o alcatrão com o mínimo sopro de vento. Vede como estas anunciadoras das primaveras vindouras se alegram (sem razão) querendo despertar os nossos olhares. Vede rodopiar as outras, mais pequenas, como asas de borboletas brancas. Têm um ar feliz e parecem dizer que embelezam o chão negro das nossas ruas e passeios. E como nos devem deixar alegres. Vede os tapetes de folhas ainda verdes juntar-se ao pé das árvores ou nos cantos dos jardins, ou nas valetas, bem vivas, persuadidas da sua imortalidade. O mais pequeno raio de luz fá-las brilhar. Que belo otimismo!

Vede os ramos cujas folhas caiem no chão em família, juntinhas. Parecem passar-se a palavra: “ upa, vamos? Mantenhamo-nos unidas, hein, meninas ». E atingir o solo, confiantes. Ignoram ainda, enquanto cobrem o chão, que não passarão o inverno e que o homem cujos pés indiferentes as esmagam, têm uma única preocupação: vê-las desaparecer para sempre. E as mais resistentes, alaranjadas, acastanhadas, secas, largas, que fazem mais barulho quando deslizam ou quando são empurradas com os pés, será por já não serem verdes que podem ser consideradas defuntas?

Escutemos as mensagens das folhas, por mais alguns dias ainda, depositadas diante dos nossos olhos como testemunhas das lindas estações de antigamente. Escutemos o seu otimismo inato, natural, estas luzes que deixam no chão como para nos dizer que o sol voltará, que o ciclo das estações é a única certeza que temos, que a forte ligação entre os ramos resiste a tudo. Vejamos como estas se movem em grupos bem organizados, em multidão percorrer os paralelos. Lá em cima moviam-se com o vento, aqui em baixo movem-se em espaços maiores, como numa liberdade reencontrada. 

Porquê que não as deixamos, no seu louco otimismo, correr pelos caminhos fora ou dormir em montes serenos, longe do ruído dos homens? Porquê essa necessidade de as amontoar, de as colher em sacos negros ou verdes e transparentes para as levar onde? Para que cemitério de folhas, em que incinerador, em que morgue administrativa? Onde é que as folhas ditas mortas podem viver tranquilamente (digamos: na natureza), não poderão permanecer onde caíram? Estas fabricam o húmus. Na cidade, nada de húmus, é o grande problema das cidades. A sua limpeza (relativa…) é um sinal do seu desprendimento. E talvez da sua desumanidade.