A minha esplanada lá longe - Ver sempre o mundo de perto e de longe

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Esta manhã de domingo, saboreio o meu café e folheio o jornal à disposição. Nas proximidades, outros clientes vagueiam nas suas ocupações, pausas diversas ou ócio. Apesar desta primavera tão inconstante, uma luz suave alegra a esplanada do castelo. Mais longe, atrás das árvores e à direita da torre de menagem, adivinha-se o vale que leva à fronteira de Quintanilha, aos Pirenéus e muito para lá. É assim por todo o mundo, milhões de micro lugares onde a nossa comunidade humana se constrói, se pensa, e se destrói também. Encontro sempre filosoficamente fascinante meditar sobre esta contradição banal da metafísica e da existência: aqui, além, pertinho, muito longe, em culturas e modos de vida aparente ou totalmente estrangeiros, pequenas pessoas, existências, sentem se não for a mesma coisa, pelo menos algo muito semelhante.  
Toda a gente parece estar consciente do que vou dizer; todo o ser humano dá a impressão ao observador exterior de viver unicamente no seu mundo imediato e nas suas preocupações locais. No entanto, este acaba de chegar de Madrid ou de ter feito o caminho de Santiago, aquele talvez acabe de chegar de Roma ou de ter dado a volta ao Vietname ou ao Egito. Vejo à minha volta bastantes pessoas; turistas de diversas proveniências que passam, pessoas diferentes, alguns empresários talvez, operários, intelectuais certamente, desportistas, reformados. Somos um microcosmo em si mesmo. Entre a quinzena de pessoas da esplanada e os transeuntes, quantas conceções do mundo, convicções, pensamentos, esperanças – quantos rancores ou deceções também! 
Vivemos num equilíbrio instável, numa paz relativa, a não ser que de repente surja uma discussão política, futebolística ou ideológica demasiado entusiasmada. O jornal em cima da mesa lembra-nos os tormentos, as turbulências, os horrores do mundo. Trata-se efectivamente do nosso mundo, do mesmo mundo. Esta guerra interminável narrada, lá longe, podia ser a nossa, outra embarcação infeliz no mediterrâneo, um avião que se despenha e onde poderíamos ter viajado também. Apesar de tudo, no fundo de nós mesmos, e é completamente natural, não acreditamos que ISSO nos possa acontecer a nós.   
Não acreditamos nessa possibilidade, não queremos, não desejamos nada disso para nós. Mas em quê que nós somos diferentes daquelas e daqueles que, há algumas horas apenas, acabam de ser tomados pela infelicidade ou por qualquer outra atrocidade ou catástrofe? Todos nós, no nosso cantinho desta região pacífica (ou monótona, dirão muitos), só poderemos ser atingidos por pequenos problemas ; demasiada chuva ou demasiado calor, uma trovoada que destrói a vinha ou a horta, por pequenos dramas privados ou familiares. Ora todos estamos bem conscientes de que, quando um crime horrível ocorre perto de nós, a intensidade desse crime é rigorosamente idêntica à atrocidade das mortes e das violências do mundo lá bem longe, longe de nós, muito longe do mundo. Amanhã, um de nós fará uma viagem, dará uma volta ao mundo lá longe, ou fará alguma viagem menos longa e irá respirar a atmosfera do microcosmo de além, algures. Poderá desta forma medir a distância minúscula que nos separa uns dos outros e sonhará talvez com uma filosofia mais “pronto-a-vestir”, com uma pequenina metafísica da condição humana. É isso que me leva a pensar sempre em termos de direitos do Homem, em vez de direitos humanos, porque a verdade é que os direitos são os concretos, deste homem ou desta mulher, nunca dos direitos humanos abstratos. Reconhecer no rosto de outrem outro si-mesmo, respeitar-se a si-mesmo como ao seu semelhante, aqui na minha esplanada ou nas longínquas varandas ou miradouros deste pequeno mundo que nós temos em comunhão: tal poderia ser a nossa Tarefa.

Por Adriano Valadar