Este Novembro de todos os Santos

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Neste mês de Novembro repetimos as emoções, como se um chamamento vindo da eternidade nos obrigasse a revisitar temas banais, mas, que para nós, são duma infinda importância.
Há pouco chegamos a casa, acendemos a lareira, amiga de mil Invernos. A ruralidade do nosso espaço aldeão é profanada pelo espavento dum computador onde demoradamente escrevemos pedaços de vida, coisas sem importância, ou então, intervenções que em nada mudarão o mundo, mas que pelo menos nos devolvem o sonho de podermos tornar a humanidade um pouco melhor e mais fraterna.
   E nós aqui estamos, à volta com este mês de Novembro, mergulhando na intimidade das nossas recordações, efémeras, vindas dum passado onde a morte era tão-somente um acontecimento que tinha lugar na casa dos outros e levava os idosos para um céu feito de algodão em rama e coisas doces. Um dia, a gata branca foi triturada pela camioneta do correio e pela primeira vez sentimos a morte como um acontecimento injusto e tremendamente trágico. Crescemos e a morte entrou várias vezes em nossa casa deixando este frio de Novembro à beira do escano onde o pai construía mundos no contar de contas fantásticas, mas que terminavam sempre em paz e em beleza. 
Este ano, no dia de todos os Santos, bem cedo, para evitar o choro teatralizado, com frases ouvidas desde sempre e nos chocam, fomos visitar os nossos Santos que repousam em campa rasa no cemitério Bragançano. Os cemitérios são tragicamente taciturnos e o de Bragança encheu desmesuradamente. Um novo cemitério foi construído, igual a quase todos os cemitérios portugueses. Sem dúvida que todos os cemitérios são profundamente tristes, mas poderiam ser mais humanizados, como um jardim, com muita relva, com árvores, com bancos para os vivos repousarem na proximidade e na companhia daqueles que partiram e somente nos deixaram esta solidão enorme.
Continuamos esta romagem a Novembro pelas terras da Lombada onde ainda se acende o magnífico lume de Todos os Santos. Reza-se pelos mortos, o sino toca a finados e no entretém da longa vigia assam-se sardinhas, ou na sua ausência, o frango caseiro e tudo pela alma daqueles que Deus já lá tem.
E já agora, descendo um pouco à terra dos vivos, ouvimos dizer que o Primeiro-ministro, em breve, visitará o Nordeste. Uma boa notícia, pois a sua ausência, por estas terras, já se nota, passado um ano no cargo.
Também o Partido Socialista inaugurou uma nova sede, abandonando o histórico mas decrépito edifício, da Rua Abílio Beça que timidamente ostentou na fachada, durante muitos anos, uma singela placa de acrílico com o logotipo do Partido Socialista. Pois, o PS, abriu uma nova sede, ainda bem, era urgente que tal acontecesse, os tempos mudaram, as dinâmicas são outras. Mas essa sede, na linha dessa nova dinâmica, ostenta uma nova e imponente imagem de marqueting, com uma publicidade partidária bem visível, talvez para contrair algum pessimismo que a crise veio para ficar.
E assim, depois desta duas breves notas, regressamos ao tema da morte que seria tão-somente o absurdo se as Religiões não nos conferissem o dom da fé e a aceitação da transcendência que devolve a dignidade à tragédia do fim.
Mas esta é a nossa contradição, a morte só é verdadeiramente trágica se andar por perto e muitas vezes esquecemos, como por exemplo na Síria, que a morte entrou em quase todas as casas, dizimou famílias inteiras, semeou o caos e a dor. 
E pronto, o lume apagou-se, John Donne está por perto com este recado que nos causa um enorme desassossego: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”

Fernando Calado