Aqui o vírus deu positivo

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Caros amigos, tenho de vos dizer em primeira mão que deu positivo. Quem tem acompanhado as palavras que aqui vou debitando sabe que tal como quase toda a China estou de quarentena. Desde 22 de Janeiro, precisamente. Eram para ser 15 dias mas já lá vão seis semanas. Mês e meio sem sair de casa a não ser para ir buscar compras à porta do condomínio. Entre a vizinhança há quem o faça apenas de máscara (obrigatória), e quem vá equipado de fato, luvas e óculos de proteção. Os elevadores têm caixas de lenços de papel, película a cobrir os botões e um constante cheiro a lixívia que faz uma pessoa agradecer por estar de máscara. As encomendas e entregas ficam lá fora, a entrada do bairro vedada a não-moradores, mas as portas dos prédios encontram-se todas abertas de par em par para ninguém ter de tocar num puxador que seja. Os funcionários registaram as pessoas, há uma espécie de “cartão da quarentena” que inclui há quanto tempo uma pessoa está em casa e os sítios por onde andou antes disso. Volta e meia vêm bater à porta para medir a temperatura. Ou vai ou racha. As coisas estão timidamente a voltar à normalidade. As pessoas começam a perder o receio e até já começam a partilhar o mesmo elevador em vez de ficarem à espera do próximo para irem sozinhas. Os restaurantes estão a reabrir, mas ouvi dizer que cheios de regras, máscaras, distância de segurança entre mesas, parece que até estão a pedir o tal “cartão de quarentena” que eu referi. A malta dos pequenos negócios está com a corda ao pescoço, tem de voltar ao activo sim ou sim. Na sociedade chinesa há aspectos que nestas alturas são particularmente úteis, como a disciplina e a perseverança ou até a tecnologia que permite não ser necessária mais do que uma aplicação tipo whatsapp para pagar e receber em casa o que quer que seja. No entanto, apesar da prisão domiciliária, do cataclismo de informação e deste modo Transtorno Obsessivo Compulsivo de levar o quotidiano, deu positivo. Há muita coisa que ainda não se conhece e o que se vai sabendo varia entre o oito e o oitenta. Aí em Portugal acabou de chegar, demorou mas não foi por falta de força de vontade vossa. Vocês bem o evocaram, temeram-no, mas reversamente ansiavam a sua chegada como quem pedia de uma vez por todas “ponha, ponha, ponha”. Deve ter sido o único país que colecionou avidamente a suspeição de não-casos, mas que agora já pode temer genuinamente e não mais sentir-se excluído de participar nesta trama mundial. A Directora Geral da Saúde fala do tema olhos nos olhos com a maior clareza e transparência, sem ponta de alarmismo ou agitação, mas ninguém se dá por convencido, muito menos satisfeito. Escava-se a catástrofe conspirativa e o encoberto apocalipse. A comunicação social só quer saber quando chegará o juízo do tal “um milhão” e com ele a “semana do pico” final. O nosso negativismo, a nossa capacidade e imaginação para sofrer por antecipação é patológica. Portugalógica. Não há mindfulness nem terapeuta que nos possa salvar. Provavelmente não será nada de especial, mas sofremos, atormentamo-nos, antevemos o maior dos calvários prestes a abater-se implacável sobre a humanidade. Os asiáticos serenos na sua forma contida de aceitarem o que a vida lhes traz, os italianos na rua, beijoqueiros como sempre e os portugueses a desesperar, martelando forte as tábuas dos seus caixões sem tirar os olhos aflitos dos ecrãs. No início eram os chineses e a cerveja mexicana. Os sorrisos amareleceram de medo. Agora é o pânico, o princípio do fim, os americanos e os chineses, isto está lá tudo nas sagradas escrituras, ou nos clássicos de ficção científica. Visto daqui parecem os olhos de uma criança em dia de levar a pica. Fiquem descansados, não sofram, vão ver que é só um beliscão. Depois disto o papá compra um gelado.

A sério, todo esse excesso de informassões e emoções só atrapalha, sobretudo quando se está no olho do furacão. O que há a fazer é cerrar fileiras e preparar para o que der e vier. Ainda que por aí, volvido tanto tempo, não creio que venha nada de mais. No fundo é muito simples, meus caros. Por experiência própria vos digo que tudo o que devem fazer são apenas três coisas: confiar no trabalho das autoridades; seguir à risca as normas de prevenção recomendadas; e levar a vida normal e tranquilamente evitando ao máximo estar a bater na tecla do vírus. Certo, eu também sou português e sei que confiar em autoridades e seguir normas à risca pode ser pedir demasiado e que o bombardeamento sobre o tema é ininterrupto e surge de todas as frentes. Mas vocês conseguem, acreditem. É simples e é daquelas coisas que um a um e multiplicadas por muitos acabam por resultar numa vitória para todos. Espera, ganda frase que saiu daqui. Até vos dou uns segundos para a voltarem a ler. Caros amigos do nordeste, parece que acabámos de descobrir o vosso coronavírus coach. Só precisam de ter calma, estou cá para vos motivar. Eu também já tive medo e pânico e bebia em excesso todas as notícias que havia para beber sobre o assunto. Dei por mim no fundo a emborcar às escondidas shots de notícias do Correio da Manhã. Mas após seis semanas de clausura sou um homem com muito mais falta de vitamina D, muito mais forte a nível de confeção de bolos e também muito mais confiante em termos de praticar running no corredor. O deu positivo era mesmo sobre isto. Calma, minha mãe. Queria ter-vos falado destas seis semanas inesquecíveis que apesar de duras, num bairro sitiado que embora do tamanho para aí de uma vila portuguesa – e com mais gente que muitas cidades – chegou a ter 12 casos (oficiais), num tempo em que ainda pouco ou nada se sabia. Foi puxado, mas está a ser positivo como história de resiliência, como história desta pequena família, das coisas que marcam uma vida e que e nos dão uma grande força para a caminhada. Era disso que vos queria falar hoje, mas fica para a próxima porque o vírus apareceu aí a meio da escrita e o texto tomou outro caminho. É boa altura para puxar por nós e remarmos na mesma direção. É a parte boa desta história, conhecermos todas as forças que temos, percebermos que unidos podemos vencer tudo. Usa-se muito “sair da zona de conforto” por tudo e por nada. Mas acreditem que é bem possível sair da zona de conforto sem sequer sair de casa. Tem de dar positivo, minha gente, não há outra hipótese. Força, Portugal.

* Leitor de Português na Universidade de Sun Yat-sen

Cantão Guangdong – China

 

Manuel João Pires