O Nordeste tem geografia, tem história, tem impante património imaterial e material, tem gastronomia, tem, tem tudo se me é permitido tentar fazer graça lembrando o comércio do Senhor «tem tudo», o qual acabou por nada ter. A velha urbe bragançana tem grandes activos dizem os entendidos, dizemos nós bragançanos aos vizinhos e aos forasteiros, no entanto, se meditarmos entre o Ser e o Ter, basta lermos os editoriais do director do Nordeste para percebemos que falta a outra metade.
Acerca do Ser e do Ter relativamente à real/realidade Nordestina não vou agrafar palavras melancólicas ou vibrantes, seria redundante, repetitivo, debotado. Nós somos, dizemos que temos (e temos), porém a violenta quebra demográfica produziu e produz enorme passivo político a suscitar o riso cínico dos contabilistas dos votos pois valemos três deputados. Valem três deputados! Só? Então valem muito pouco…
Os decisores políticos do centrão comentam entre eles os queixumes das gentes do Nordeste e interrogam: então porque se queixam desta maneira se só elegem três deputados? Elas têm a ciência da certeza de possuírem as resoluções eficazes para os problemas existentes?
E, no meu parecer chegamos ao âmago da questão. Nós temos princípios pessoais pelos quais afirmamos a identidade e o território, isto é, que o Nordeste tem de receber forte desenvolvimento atingindo o grau de fixação e atracção de mulheres e homens em idade de ambicionarem construir mundos no Mundo. Mas como?
Os estudos de prospectiva não devem servir apenas como ornamento recitativo nas comunicações, a sua utilidade está no fornecer elementos de análise das incertezas críticas relativamente ao futuro no pressuposto de os decisores dela saberem retirar proveitos intensivos e extensivos às populações.
Estamos em ano de eleições autárquicas, não quero comentar as torções à coerência na preparação das listas, prefiro convidar os leitores a pensarem qual vai ser o seu papel no próximo prélio eleitoral. Vai ser o de papel de embrulho? Vão deixar-se embrulhar nas serapilheiras? Vão servir de laçarote?
Esta crónica está recheada, repleta de interrogações. Não é preciso beber-se água cristalina para o leitor entender quanta perplexidade carrego no tocante ao plano de trabalhos a conceber de molde a conseguir-se conceber a tal metade em falta. O Gôngora poderia apreciar o invólucro, nos tempos de hoje só apreciamos fórmulas tempestivas de rápido entendimento e persuasivas de exequíveis sem demoras e custos fora da especulação.
As interrogações defendem os decisores e defendem-me, a errância também nelas se escora. Outros articulistas (cf. Jorge Nunes e Manuel Vaz Pires) cada qual à sua maneira têm gasto tempo a pensar a cauda das negatividades que nos afligem, os artigos publicados trazendo à correnteza dos dias gente talentosa obrigada a exilar-se dado defender e às escondidas praticar a religião mosaica, se não contém a essência do problema ajudam a intuir quão urgente é estabelecerem-se prioridades no aproveitarmos a onda de desconfiança caída sobre instituições e elites políticas e financeiras para soltarmos não o grito de Ipiranga, sim o da afirmação inteligente recorrendo a capitais próprios (inteligência e vontade) independentemente dos desejos partidários e/ou de ocasião.
O sagaz Gato das Botas quando dedica tempo a ler alguns escritos da minha autoria meneia a cabeça e vai miando a chamar-me lírico, acredito na possibilidade de vários leitores secundarem o sagaz felino, respeito o epíteto, isso não significa acordo, muito menos resignação. Não detenho virtudes declamatórias, muito menos no deserto, continuarei a de vez em quando clamar contra a nossa inércia no que tange a esmigalhar os pedregulhos impeditivos do progresso dos nossos terrunhos numa lógica de racionalidade vinculada à fruição de uma existência normal, isto é: harmónica, onde cada qual possa usufruir a felicidade por ele pensada e conseguida. Obviamente, dentro do normativo da sã convivência e respeito pelos outros.
Será assim tão difícil? Se quisermos não é. Será que queremos? E, as interrogações continuam. Outros me precederam no interrogar sobre a causa das coisas. Muitos pagaram duramente a irreverência. Vivemos noutra época (Vade retro…), as indagações que formulo só apaziguam o autor e estão longe de suscitar quebras de sono aos detentores do poder, para meu pesar. O tom sombrio desta crónica procura apaziguar os meus receios ante o rodar do tempo. O tempo, esse grande escultor, escreveu Yourcenar.
FALTA A OUTRA METADE
Armando Fernandes