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Se queres ver o vilão mete-lhe a maioria absoluta na mão

Talvez a pensar na nobre cooperação partidária agora evidenciada no processo Tutti Frutti, Augusto Silva, presidente da Assembleia da República, defendeu, em sessão organizada pela JS, ser falsa a tese de descredito do PS e do PSD, os dois maiores partidos, que são as duas faces do sistema. Ficamos a saber, portanto, que, na ideia de Augusto Silva, o regime político vigente está bem e se recomenda. Como se vê pelos frutos. De salientar que Augusto Silva, não se limita a defender a honra da sua dama, o PS, mas se bate igualmente pela do PSD, partido da direita em que gosta de malhar sem dó nem piedade. Quem diria! Tenha-se em conta, todavia, que o que diz Augusto Silva até poderá ter sentido se consideramos que se trata de um famoso militante socialista, ex-deputado do PS eleito pelo círculo Fora da Europa, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, actual presidente da Assembleia da República e que aprecia a situação alcandorado na varanda do Palácio de São Bento. Na verdade, têm sido raras as manifestações de rua em frente ao palácio de Augusto Silva, contra os sucessivos escândalos e trapalhadas do Governo. Somos levados a supor que o povo tem mais que fazer e que o futebol e as novelas sempre são mais divertidos. Mas Augusto Silva não desconhecerá, por certo, a crise generalizada nos serviços fundamentais do Estado com realce para a Saúde, o Ensino ou a Justiça. Lamentável é, por tudo isso, que Augusto Silva, enquanto Presidente da Assembleia da República, não assuma, e daí retire consequências políticas, que tais crises tudo têm a ver não só com o Governo, mas igualmente com o Regime que o gera e que não se trata de fenómenos que dignificam a democracia. Bem pelo contrário. Já o seu correligionário António Costa veio a público, na mesma ocasião, sentenciar, a seu estilo, que é preciso “dar oportunidades à classe média” para se defender a democracia, tendo em conta que quando este “estrato social se sente desamparado” é tereno fértil para a extrema direita, sem mais nem menos! Depreende-se que, para António Costa, a grande ameaça para a democracia é a extrema direita,” tout court”, que salta de paraquedas vinda sabe-se lá donde, para se acoitar na classe média infeliz que se sente desamparada. Inacreditável! Será que António Costa não reconhece aos milhões de portugueses que integram a anónima classe média, infeliz e desamparada, direito e inteligência bastantes para procurar abrigo preferencial noutras paragens, na estrema esquerda, designadamente? Ou será que o único receio de António Costa é ser apeado do poder pela extrema direita, convicto que continua a ter a extrema esquerda na mão e que o PSD de Luís Montenegro não aquece nem arrefece? Populismo e demagogia é o que é! Certo é que dar prioridade à resolução dos problemas concretos de Portugal e dos portugueses não é com ele. Contrariamente ao que António Costa proclama, porém, as grandes ameaças para a democracia são, isso sim, a corrupção, o nepotismo, a incompetência, a desigualdade e a mentira prevalecentes. Sendo que a presente crise, que antes de ser política é ideológica, económica, social e ética, é o somatório de muitas crises provocadas pela má conduta do Governo. Nada tem de artificial até porque é igualmente sistémica porque se não fosse a permissividade do Regime vigente nunca teríamos, por certo, um governo como este que é um verdadeiro aborto governativo. Acresce que para Augusto Silva e António Costa o socialismo não passa de um slogan, de uma máscara para dissimular as suas políticas de favorecimento dos interesses dominantes, para lá de que, para eles, em democracia vale tudo, desde seja a seu favor. Quanto a reformas não são com eles e com outros que tais. Sentem-se bem como estão. António Costa já deu provas bastantes de não ter outro projecto para o país que não seja usá-lo como uma coutada de gestão partilhada com um grupo restrito de correligionários, familiares e amigos do peito, que continuam a trocar os olhos e esticar a corda dos impostos a todos os portugueses, que não só à classe média. É por estas e por outras que o descontentamento dos portugueses nunca foi tão alto e exasperante, sendo que já nem a manipulação demagógica dos indicadores macroeconómicos os convence. Vilões para todos os gostos e de todos os feitios há muitos na política portuguesa. Demasiados até. Como o ilustra à saciedade o espetáculo hilariante propiciado pelo inquérito à gestão da TAP, em curso, em que a mentira, a hipocrisia e a incompetência alcançam patamares nunca vistos. Tanto que somos forçados a concluir que Maquiavel está francamente desatualizado. Bem mais actual e assertivo é, sem dúvida, o velho anexim lusitano: se queres ver o vilão mete- -lhe a maioria absoluta na mão.

FEITORIA

Recebo, com alguma regularidade, comentários, opiniões, críticas e análises sobre os textos que, semanalmente, publico na imprensa regional. Porém, nenhuma das minhas crónicas recentes teve tanto impacto como a que foi dada à estampa por este jornal, sob o título “Os Feitores da Quinta”. Para além de algumas referências feitas em páginas de internet, foram muitas as pessoas que me abordaram na minha última viagem ao nordeste, para me manifestarem a concordância com a tese defendida no meu texto. Vários me repetiram a pergunta que eu deixara no ar: quem investiu os edis de poderes para disporem livremente do que lhes não pertence? Outros foram mais longe, apontando-me exemplos de outros casos que, igualmente justificariam análise e publicidade. Aceitando o repto decidi abordar, genericamente esta temática com base em casos concretos para melhor me poder pronunciar, com conhecimento de causa. A água é um recurso precioso, indispensável à vida, em todas as suas formas e, desde tempos imemoriais, causa de disputas e propiciadora de ganhos e preciosas mais-valias. A sua disponibilização ao domicílio em condições sanitárias certificadas é um dos melhores índices de desenvolvimento dos tempos atuais. Esta benfeitoria foi encarada por todos, com especial realce para as populações rurais, como um benefício comum. Tanto assim que muitos foram os que contribuíram, livremente, na medida das suas possibilidades e a troco de contrapartidas meramente simbólicas, para a rápida e eficiente implementação desta infraestrutura. São vários os casos em que os utentes, cientes da melhoria que a água canalizada, ao domicílio, representava, se uniram para darem do que era seu em proveito desse desiderato. Uns cederam materiais, muitos ofereceram mão de obra, alguns facilitaram a passagem de tubagens e outros permitiram a instalação de depósitos, casas de bombas e lugares de captação, de forma graciosa e benemerente. Será legítimo que a autarquia, demitindo-se de levar a cabo a função que esteve na origem destas doações, as ofereça de mão beijada e a troco de nada, a uma empresa que em vez de servir, explora a mesma população? Porque há de uma empresa que, com taxas, tarifas e regras draconianas, muito além do razoável, tendo abandonado o móbil do serviço público, apenas procura maximizar o seu lucro com base numa “oferta” que a Câmara Municipal lhe fez? Que razão moral assiste ao edil para reclamar o que quer que seja, daqueles que, mais do que ele, serviram a comunidade, a si lhe competia servir, em vez de ajudar quem a explora e dela beneficia, que lhes apresenta faturas de valor crescente e lhes corta a água sempre que se atrasam nos pagamentos? Se, por acaso, no final do mandato, o líder autárquico, como algumas más-línguas, injustamente querem fazer crer, vier a assumir qualquer cargo executivo na empresa privada gestora dos recursos hídricos públicos então a falta de moralidade fica ainda mais prejudicada com a possibilidade de pré-existência de óbvio conflito de interesses! À custa do erário público. Com prejuízo do eleitorado que lhe confiou os destinos concelhios para os gerir e proteger. À revelia da vontade de quem, de boa- -fé, voluntariamente deu do que era seu para beneficiar o bem comum.