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Moda: uma realidade sócio-cultural - Um pouco de história

A história da função do vestuário mostra que existe uma forte ligação entre cultura e moda, que se verificou ao longo dos tempos.

A moda, como a conhecemos, não existiu em todas as épocas nem em todas as civilizações. É necessário um conjunto de ideais estéticos, de desejos funcionais e vaidade “encoberta” para que se perceba a sua influência na sociedade.

A moda está ligada ao desejo de mudança, ao seu caráter efémero e à sua volubilidade, que é uma das características essenciais da moda.

Durante séculos homens e mulheres usavam uma túnica, igual para ambos os sexos. Nessa época não havia tendências nem estilos diferentes, nem moda masculina e feminina.

A diferença dar-se-á por razões sociais, em que o traje servirá para marcar as diferenças hierárquicas: clero, reis e faraós vestiam de forma diferente do restante povo.

Apesar  de que nestes primeiros tempos não houvesse traços de fugacidade característicos da moda, verificava-se  já uma íntima relação com o ambiente cultural. Na Grécia, as roupas defendiam o mesmo ideal de beleza clássica que a arte, que era a proporção entre as diversas peças.

Na Idade Média o vestuário relaciona-se com a pertença a um grupo. Havia nessa época os grémios, que se diferenciavam, entre outras coisas, pelos seus atavios. Começou então, a variedade e o movimento dos modelos.

Contudo, o aparecimento da moda só está referenciada a partir dos meados do século XIV. Surge uma nova forma de vestir, as mulheres e os homens deixaram de vestir-se da mesma forma e o estilo dos trajes está ligado ao contexto histórico-politico.

No século XVI o vestuário reflete o luxo e ostentação de um mundo em expansão.

No século XVII inicia-se o Século de Ouro francês, e desde então a França assume a batuta da moda, convertendo-se no principal cenário da moda, onde depois da revolução de 1789, se proclama oficialmente uma lei que outorga a liberdade total de vestimenta.

De 1868 a 1968, é chamado o século de Ouro da elegância, e vai desde Christian Worth, um costureiro instalado em Paris que teve grande êxito e foi ele o pioneiro a fixar as bases do que se denominará Alta Costura. Os seus desfiles contaram desde logo com luzes e música, convertendo-os num verdadeiro espetáculo. Foi, de certa forma, o pai das atuais “passerelles”.

Coco Chanel foi outro nome incontornável neste século, provavelmente a mais emblemática no mundo da moda.

Até então a moda “espartilhava” a mulher. Chanel percebeu que a verdadeira elegância só é possível com simplicidade e liberdade de movimentos. Adaptando o seu próprio estilo, trouxe para a moda um estilo baseado na simplicidade e harmonia. Ela era a criadora e a modelo, pensando na mulher real que iria vestir a roupa. Tinha, além disso, uma estreita ligação com uma élite de artistas e gentes da cultura.

Coco Chanel foi a precursora do “prêt à porter”. Os seus famosos conjuntos de saia e casaco, o famoso “tailleur” atingiram enorme sucesso, com o seu estilo funcional e delicadamente elegantes, nunca passaram de moda.

Este século de Ouro termina com outro genial costureiro, Cristóbal Balenciaga, estilista espanhol radicado em Paris, a que alguns chamaram o “Picasso da moda” ou o “Mozart da costura”. De facto, Balenciaga fazia dos tecidos autenticas obras de arte. A inovação era uma constante nas suas criações.

No final da II Guerra Mundial, verificam-se algumas mudanças que farão com que a moda ganhasse um ritmo vertiginoso, e que durou até aos dias de hoje.

As transformações que se deram ao nível da indústria permitiram baixar os custos e embaratecer a moda.

Antes, procurava-se a qualidade nas roupas, hoje pretende-se funcionalidade e o vestuário começou, então, a ser um produto de consumo da sociedade de massas.

Estas mudanças na moda dão-se também a par de mudanças sociais. A entrada da mulher no mundo do trabalho e na vida social exigiram que adequasse a maneira com se vestia a este novo estilo de vida. Nos anos vinte assiste-se a um encurtamento do comprimento das saias e os vestidos tornam-se mais cómodos e fáceis de usar.

A moda masculina mantém-se mais estável, enquanto a moda feminina muda rapidamente. A mulher do século XX trabalha, faz desporto, transforma a sua imagem e, indo mais além, adota uma peça até então exclusivamente masculina: as calças. Com este elemento de vestuário procura não só o conforto, mas veste-as também para manifestar, externamente, o seu desejo de alcançar, tanto no âmbito do trabalho, como no âmbito social, os mesmos direitos dos homens.

Nas últimas décadas do século XX observaram-se, de certa forma, duas “linhas” na forma de vestir. Por um lado há um estilo que vai variando com as “tendências” e de outro lado, manifestando-se como rebeldia a esta moda de algum modo “ditatorial” e como manifestação dos ideais da juventude, aparecem estilos de contraste, desde a estética hippy nos anos sessenta, ao punky dos anos setenta, à roupa desportiva dos anos oitenta ou ao grunge dos anos noventa. Estas tendências conjugam-se ainda com o estilo yuppie. Os yuppies vestem roupas de marcas poderosas, num estilo mais clássico durante o dia e muito luxo e glamour para a noite.

Nos últimos anos respiram-se “ares de completa liberdade” e nos dias de hoje as “fashionvictims”(termo utilizado para designar aquelas pessoas que corriam vertiginosamente atrás da última novidade de moda, sem consultar sequer o espelho, apenas por ser a última moda) são praticamente “espécie” em via de extinção.

Na moda, como em muitas outras facetas da vida, impôs-se a filosofia do “vale tudo”.

E podemos, de facto, comprovar esta nova tendência nas passerelles, onde vemos desfilar todos os estilos, que convivem amigavelmente desde o traje de noite com o estilo grunge, a estética hippy com as ombreiras , o couro com a seda, e por aí. Ou seja, impõe-se uma moda muito mais aberta que permita à mulher adaptá-la a si e criar o seu próprio estilo.

Vendavais - Piores, pelas melhores razões

Todos gostamos dos monumentos, de os ver de perto, de os fotografar, de os estudar e até pagamos para os poder admirar e visitar. O homem tem o dom inato da observação e admiração do que o rodeia e isso nutre nele, sentimentos agradáveis ou não, consoante o que se lhe depara. Não é nem nunca foi preciso frequentar a escola para aprender a admirar a beleza, seja ela qual for. Homem e mulher têm essa possibilidade admirável e posicionam-se na sociedade, um pouco ao sabor dessa condição, até porque ela pode e é melhorada a cada dia que passa.

Se a tudo isto juntarmos um pouco de sorte e saber, tanto o homem como a mulher que o conseguem, passam a ter alguma projecção social que acarreta fama e inveja à mistura, numa amálgama explosiva.

A busca da fama, com ou sem proveito, sempre foi um objectivo de todos os tempos para todos os que tinham essa ambição. Nem sempre se consegue fama e glória e muito menos por dá cá aquela palha. Heróis, havia-os na antiga Grécia e esses só depois de ganharem os jogos que disputavam com os melhores. Hoje os tempos são outros. A comunicação social promove rapidamente quem quer ou o seu contrário. De um dia para o outro tudo pode mudar.

Pois é o que está a acontecer com o nosso Cristiano Ronaldo. A comunicação social não se cansou de o elogiar e promover durante anos. Em Portugal e no estrangeiro, é considerado o melhor do mundo. A fama e a riqueza são a sua imagem de marca. É natural que a inveja e as críticas de uns, sejam o gáudio de outros. Ele sabe disso. O seu nome, o seu físico, a sua performance, são capas de todas as revistas e programas de televisão, publicidade de muitas marcas, que à sua custa ganham fortunas e com ele repartem, obviamente, algum desses ganhos.

Rapaz de poucos estudos, subserviente e amigo da família, lutador incansável, subiu as escadas da fama à sua custa e sem ajudas de terceiros. Impôs o seu estilo, o seu saber, a sua arte futebolística e guindou-se ao último patamar da fama. Ao longo de quinze anos, subiu a pulso cada degrau dessa imensa escadaria. Muitos quiseram subir com ele ou ao seu lado essa escada imensa. Aproveitou-se de alguns, mas depressa foram afastados. As razões, sabe-as ele.

Ronaldo e mulheres e mulheres e milhões, são duplas explosivas e incontornáveis. Que mulher em busca de fama e poder não se vê tentada a interferir no seu caminho? Houve muitas e nós nem sabemos quais. A comunicação social deu-nos a conhecer alguns nomes dessas aventureiras pretensiosas a que ele deu mais ou menos atenção, em determinado momento. Casos passageiros e sem grande projecção. Nada de mais, sem ditos e contos, o normal de qualquer paparazzi para uma revista de mexericos.

Hoje, Ronaldo vê-se confrontado com um caso diferente. Esta rapariga americana com quem ele contracenou numa noite de verão num hotel de Las Vegas, vem, dez anos depois, dizer que ele a violou. Francamente! O que a comunicação social divulgou em vídeo e fotografia, dá para ver perfeitamente que ela está satisfeitíssima ao lado dele numa discoteca, sem qualquer objecção, pretendendo passar um bom bocado com o jogador mais famoso do mundo, o que lhe daria um pouco de visibilidade publicitária, já que era, parece, uma simples modelo. Aliás, ela era acompanhante de luxo e angariadora de clientes VIP dessa discoteca que pertencia ao hotel onde trabalhava. Ela aceitou ir para o quarto do Ronaldo, não para aprender a dar uns toques na bola, mas para passarem uns momentos de sexo escaldante a troco de dinheiro e muito. Violada!

A verdade é que ela foi para a cama pelas melhores razões e com a pior das intenções. Na cama com o melhor do mundo é caso para se gabar, nem que sejam dez anos depois, já que na altura não conseguiu mais do que alguns milhares de dólares. Agora é a possibilidade da fama fácil. Eu sou contra qualquer tipo de violação sexual. Não está isso em causa e defendo as mulheres que têm a coragem de o denunciar e provar cabalmente. Provar é que não é fácil e muito menos dez anos mais tarde. O que Kathryn Mayorga quer agora é acesso fácil à fama, pelas piores razões. Claro que louvo a sua coragem em expor-se a muitas opiniões, a favor ou contra, tanto tempo depois e sem ter como provar essa suposta violação. O que existe são fotos e vídeos onde aparece a rir, contente e feliz, ao lado de um engate bem-sucedido e com propósito bem definido. Nada mais. Se ele fosse um simples jogador, ou empresário medíocre, ela não se dava ao trabalho de denunciar o seu ato, seja qual for, até porque casos desses, ela tem todos os dias, pois é para isso que lhe pagam.

Perante isto, temos um Ronaldo que passa a ser considerado dos piores, mas pelas melhores razões. Gostar da beleza e mesmo ter de pagar por ela para a ver de perto e usufruir dela, é o mais comum quando queremos observar a arte. Pena é que esta arte, seja efémera e banal.

O machucho e o salamurdo

 

A diferença de opiniões vem de longe, ainda o machucho usava mefistofélica barba, o salamurdo andava a escolher o carro destinado a ir fazer a rodagem à Figueira da Foz já gastavam tempo a esgrimir palavras sonantes o primeiro e o segundo esgares sibilinos num confronto que ciclicamente irá continuar fazendo sorrir a Ritinha e remoer irritações a Senhora Dona Maria Cavaco Silva.

Ou seja: o machucho inteligente, finório, de pensamento fulgurante e ágil e resposta pronta, cortante ou macia como manteiga quente chama-se Marcelo Rebelo de Sousa, o salamurdo, de poucas falas, de voz de timbre roufenho, arrastada, sonso quando lhe convém, especialista em «morder» pela calada é o Senhor Professor Cavaco Silva. Se consultarmos os anais políticos dos últimos quarenta anos, os livros de cada qual, sem esquecer sarcasmos, ironias e educados cortes de mangas escondidos nos punhos das camisas, percebermos a antinomia entre o passado e o presente destes dois Presidentes da República.

A última rixa é puramente de despeito rançoso do professor Cavaco contra o professor Marcelo porque este último pulverizou os recordes de popularidade a concederem-lhe folga política e popular para levar a água ao moinho dele sem atravessamentos de maior e críticas a suscitarem amplo aplauso. O móbil – La Dona é móbil – Joana de seu nome – prende-se com a bem sucedida substituição da Senhora contrariando todos os comentadores e políticos evidenciando-se na asneira a Senhora Cristas, a qual nunca deve ter ouvido a ária do terceiro acto da ópera Rigoletto, pois dessa ária retiramos o ensinamento de não serem só as mulheres volúveis. Entendido!

O machucho dá a impressão de ser volúvel, não é nos princípios, menos ainda nos objectivos, ao contrário do salamurdo leu O Príncipe de Maquiavel, sabe qual a causa do filósofo, diplomata e grande homem de leis Tomás Morus ter sido canonizado, daí ter contrariado os desejos, isso sim, dos volúveis pouco atreitos a descortinarem onde está o sol nos dias de cerrado cenceno. O salamurdo seguiu os passos do discípulo Passos que pretende regressar ao passado num alarde de analfabetismo político ou partindo do pressuposto de a maioria dos portugueses terem esquecido o ter ido para além da troika. As pessoas têm memória por muito que custe aos seus apaniguados.

O salamurdo insinuou cousas estranhas na passagem à disponibilidade JMV no exercício do cargo de PGR, o machucho respondeu sem carregar nas intonações, num registo de professor que não se limita a ensinar a perceber, também a imaginar, ora os contabilistas sabem contar notas, não sabem explicar a composição das cédulas que contam. Eis a lapidar diferença de um e o outro na transposição das armadilhas existentes nos caminhos pedregosos da política ora recheada de réplicas de imagens colhidas nos telemóveis, ora de escolhos de escutas a solto e a salto, leia-se o acontecido ao rei emérito espanhol, pense-se no rufado e ainda não esclarecido episódio de Tancos. De 1985 a 2018 tombaram na obscuridade ou vivem dias amargos centenas de rapazes videirinhos muito badalados em breves momentos de glória. A tal glória efémera!

Em 2018, as redes sociais intimidam, foram-se as alcoviteiras da Caleja das Pedras, do Bairro de Além do rio, da Estacada, da Vila, da Rua da Boavista, do Loreto, dos Batoques (devo ter esquecido algum poiso), vieram e estão nas nossas casas, a toda a hora e momento, o ensaísta António Guerreiro alude ao telemóvel grudado na nossa pele, sem surpresa o machucho nada nessas redes como barbos nas águas límpidas do Sabor selvagem (?), sem as frequentar vis a vis, não por acaso despediu o Facebook, os seus canais de comunicação escoram-se no momento do abraço afectuoso, no taco a taco com os jornalistas, sem esquecer os competentes assessores que tudo esquadrinham, tudo sabem e tudo lhe transmitem.

O salamurdo tinha outra forma de actuar, todos sabemos o resultado de várias «operações» onde pontificava um destro jornalista caído em desgraça junto dele e dos outros.

Permito-me recomendar aos leitores o trabalho de fazerem listas de machuchos e salamuros que conhecem, será uma tarefa risonha, também tristonha. Seguramente!

Inquisição – lutas políticas – pureza de sangue (1) Vila Flor: Julião Henriques e Lopo Machado

A divisão da sociedade em cristãos-novos e cristãos-velhos foi talvez a origem das maiores das calamidades que assolaram Portugal. Esta divisão, caldeada com as inevitáveis diferenciações económicas e sociais, proporcionou o aparecimento de “bandos” e “parcialidades” que, em muitas terras, se envolveram em ferozes lutas políticas e autênticas guerras civis.

Porventura em nenhuma outra localidade Trasmontana esse ambiente de guerrilha foi tão intenso e prolongado como em Vila Flor. E talvez não fosse por acaso que a lei da limpeza de sangue, proibindo os cristãos-novos de aceder aos empregos públicos e cargos de governo municipal, começou exatamente por ser aplicada em Vila Flor, em 1571,(1) a título experimental.

Assim, logo na primeira grande investida da inquisição em Vila Flor, em 1558, uma prisioneira explicava aos inquisidores que a sua e as outras prisões tinham causa única nas lutas políticas, dizendo:

— Entende provar que na dita vila os cristãos-novos andavam sempre nas eleições e requerimentos na dita vila e algumas pessoas disso se escandalizavam tanto que, com inveja, difamavam deles.(2)

Intensa luta política e um turbilhão de intrigas. A ponto de o inquisidor-mor, cardeal D. Henrique pegar num dos seus mais próximos colaboradores, o licenciado Jerónimo de Sousa, inquisidor em Évora e mandá-lo para Vila Flor, como abade da igreja matriz. Ele próprio se sentia “desnorteado”, parecendo mais um espião político do que um juiz inquisidor. Veja-se o excerto de uma carta sua para Coimbra, datada de 6.1.1577:

— Ficou tanto olho em mim depois que falei com aquela mulher que não dou volta que me não notem e por isso busquei tempo para não ser sentido; (…) Avise VM ao oficial que cá vier que se não venha a minha casa porque trazem nisso tento e haverá reboliço, que nunca me saem de casa todos os dias, que por isso fui tirar a filha de sua casa e de noite, porque a trazem atrelada, que nunca a deixam.(3)

Por 1620, o “partido” dos cristãos-novos era liderado pela família Eminente e, mais em concreto, o “Eminente Lopo Vaz”.

Em janeiro de 1638, o Dr. Diogo de Sousa, inquisidor de Coimbra esteve em visitação em Vila Flor. De entre as pessoas que perante ele se apresentaram a denunciar, destacamos uma Filipa Nunes, filha do médico Francisco Nunes, a qual disse:

— Haverá 5 anos que começou a servir a Leonor Henriques, cristã-nova, casada com Bartolomeu Lopes Teles, cristão-novo, mercador, que mora nesta vila junto à Fonte, os quais serviu um ano e no decurso dele viu que a dita Leonor Henriques em todas as sextas-feiras varria a casa e lha mandava varrer mais que nos outros dias e mandava acender mais cedo os candeeiros…(4)

Abordamos este depoimento não pelo interesse do mesmo mas para notar o facto de a filha de um médico cristão-velho ser criada de servir em casa de um mercador cristão-novo. É apenas um exemplo de como, naquela época, a “gente da nação” se posicionava no seio da sociedade Vila-Florense.

De resto, em consequência desta visitação seria presa a viúva de Francisco Vaz Eminente (Isabel Pereira) e duas filhas. A propósito, veja-se o excerto de uma carta que Lopo Machado Pereira escreveu para a inquisição de Coimbra:

— Obrigado das injustiças, moléstias e vexações que se me fazem, tudo causado pela gente da nação desta Vila Flor (…) E podem perturbar o dar-se a execução às diligências do santo ofício que V. S. me mandam fazer. (…) Assim, mandando prender a Isabel Pereira e suas filhas, pelo corregedor António Cardoso de Sousa, depois de se fazer a prisão a pouco tempo, indo pousar a casa de um clérigo, por nome Pero Esteves, do lugar de Samões, meia légua desta vila, e dando-lhe o dito clérigo um copo de vinho com o qual morreu logo, apressadamente e sem confissão e desde esse tempo até hoje, a gente da nação, principalmente Julião Henriques, cabeça deles, corre com o dito clérigo e seus irmãos com muita amizade, o que deu muita suspeita da sua morte.(5)

Como se vê, Lopo Machado queixa-se da dificuldade que tinha para executar as ordens do santo ofício, como sejam as prisões de cristãos-novos. Olhe-se um pouco mais da carta que vimos citando:

— Tanto que eu prendi a Diogo Henriques e os mais, logo se fintaram contra mim e todos os que nessa ocasião ajudaram, dando 5 mil réis cada um, sendo que passam nesta vila de 100, fazendo-se o dito Julião Henriques a cabeça deles (…) tudo falsidades de que esta gente usa e se gabam poucamente que pois me hão-de destruir e não hei-de prender outros…(6)

Se bem que apenas a viúva e filhas do Eminente fossem então presas, o inquisidor Diogo de Sousa levou para Coimbra um rol de denúncias que, certamente, originaram a abertura de outros processos, os quais foram sendo acrescentados com denúncias enviadas por comissários e familiares da inquisição, bem como as confissões feitas por prisioneiros.

Neste sentido, foi o vigário-geral da comarca e comissário da inquisição, Dr. Paulo Castelino de Freitas encarregado de fazer novas investigações em Vila Flor, em novembro de 1642. Uma das pessoas que então se apresentaram a testemunhar foi Lopo Machado Pereira. Vejamos um pouco do seu depoimento:

— Disse que é fama pública nesta vila (…) que a gente da nação guarda os sábados em observância da lei de Moisés (…) e quando ele vem pela Rua da Fonte, por ser toda de cristãos-novos e gente da nação e às vezes vem de dia e outras de noite e vê estarem as mulheres da nação às janelas, sem trabalharem nem fazer coisa alguma (…) e é público e notório que a gente da nação celebrou uma festa este setembro passado fez um ano e nesse tempo viu ele as mulheres da nação muito bem vestidas…(7)

Não vamos continuar com o depoimento de Lopo Machado e deixamos para outra ocasião os depoimentos de outras pessoas. Diremos tão só que se seguiu a prisão de vários cristãos-novos, entre eles um filho de Julião, chamado Diogo Henriques e, tempos depois, o mesmo Julião Henriques.

Mas se Lopo Machado, Castelino de Freitas e outros conseguiam que a inquisição decretasse a “leva” de Julião para as cadeias de Coimbra, os cristãos-novos não se ficaram quietos “a lamber as mágoas”. Não tendo influência nos tribunais religiosos, o mesmo não acontecia nos tribunais civis, nomeadamente na vedoria e corregedoria da comarca.

Aconteceu que, em Castela, faleceu o padre Abreu Moutinho, de Vila Flor. E logo Lopo Machado, invocando a qualidade de juiz dos órfãos, se meteu a fazer o inventário dos bens do defunto. Porém, o vedor da fazenda encarregou disso um cunhado de Julião Henriques, chamado Rodrigo Fernandes Portello. Ou porque Lopo Machado não respeitasse a ordem do vedor ou porque na execução do inventário tivesse lesado a fazenda nacional, os seus adversários conseguiram que o rei ordenasse ao corregedor da comarca a instauração de um processo. Em consequência, o corregedor decretou a prisão de Lopo Machado.

Competia ao meirinho da correição executar a ordem de prisão. Este, porém, “não se atreveu a isso”. Então, o corregedor tirou-lhe a vara de meirinho, entregando-a a um filho de Julião Henriques, juntamente com o decreto seguinte:

— Eu, André Barreto Ferraz, corregedor desta comarca de Torre de Moncorvo, por este meu ofício e assinado, dou poder a Luís Henriques, morador na dita vila de Vila Flor para que, como meirinho desta correição, possa prender a Lopo Machado, morador na dita vila, por culpas mui graves que dele há neste juízo, e preso o trará à cadeia desta vila, e poderá o dito Luís Henriques, com este mandado, requerer sobre a prisão, todo o favor e ajuda às justiças desta comarca, a qual lhe darão, da maneira que ele requerer, com pena de suspensão de seus ofícios; e feita a dita prisão, não poderá o dito Luís Henriques usar o dito mandado em outra diligência porque só por esta vez lhe dou este poder, por assim convir ao serviço de Sua Majestade; e para o trazer preso à cadeia desta vila poderá pedir ajuda às pessoas que lhe convier, à custa do dito Lopo Machado. Dado na vila da Torre de Moncorvo, feito e assinado por mim, se minha letra e sinal, aos 30 de Agosto de 1644. Ferraz.(8)

 

Notas:

1 - MORAIS, Cristiano de, Cronologia da História de Vila Flor 1286 - 1986, p. 12.

2 - Inq. Lisboa, pº 2893, de Maria Álvares.

3 - ANTT, inq. Coimbra, pº 536, de Isabel Lopes.

4 - Idem, pº 2903, de Leonor Henriques.

5 - Idem, pº 3869, de Julião Henriques.

6 - Segundo alguns testemunhos, apenas 5 moradores cristãos-novos não contribuíram para esta “finta”. O dinheiro serviria, naturalmente, para contratar bons advogados e “meter cunhas” em Lisboa, na Corte real.

7 - Idem, pº 2903.

8 - Idem, pº 3996, de Jerónimo Guterres.

Feijões de metro e batatas de quilo

Ter, 09/10/2018 - 10:09


Olá gente boa e amiga! No passado fim-de-semana tivemos a primeira geada do Outono. Segundo o tio Queiroz, de Mal Partida (Almeida – Guarda), agora já temos mais um cobertor na cama. As folhas já começam a cair, que o digam os nossos ouvintes do clube dos auriculares, os ministros da limpeza das nossas localidades, porque já começou a época da ‘encadernação’. A minha cidade de Bragança tem muito mais vida. Temos mais estudantes do que nunca e de muitas origens diferentes, de Portugal e do estrangeiro. Muitos deles são meus companheiros de rua, porque a partir das 4:30 da manhã, quando venho fazer o programa, encontro os doutores de capa a comandar os pelotões de caloiros a serem praxados. Numa destas madrugadas, para meu espanto, fui reconhecido por alguém de um desses pelotões que começou a cantarolar “bom dia Tio João, amigo do coração” e todos repetiram em voz alta. Senti-me envergonhado e um pouco assustado e por isso me retraí. Depois de pensar melhor, agradeci-lhes com um aceno de mão, mas fiquei triste de não ter ido pessoalmente agradecer e saber de que curso eram.