class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-frontpage">

            

Vendavais - O mundo jamais será o mesmo

A humanidade pensava, até há pouco tempo, que os males do planeta se iriam ultrapassar com simples cimeiras sobre o clima, sobre a poluição e sobre os males que atingiam o próprio homem. Enganámo-nos. Todos. Se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé.

É arrepiante pensar no que está a acontecer hoje no mundo inteiro. É horroroso imaginar a quantidade de mortes que avassalam os países e a enormidade dos atingidos por este vírus assassino e cobarde. Podemos usar todas as estatísticas possíveis para explicar a quantidade de mortes, de atingidos e a progressão geométrica ou aritmética que quisermos, para mostrar o que se está a passar no mundo inteiro, mas nenhuma delas afasta o perigo que nos assola diariamente. Invisível, mortal, assassino, ele espalha-se entre nós sem nos pedir licença para entrar.

É tempo de parar para pensar. Pensar a sério no que está a acontecer. Não tanto sobre de onde vem o vírus, do que o provocou, se foi inventado ou não, se surgiu por acaso ou simplesmente se apareceu como um aviso sério, intrínseco, do próprio planeta ou de um ente superior que nos quer alertar para uma imensidão de perigos que a todos nos atingem, direta ou indiretamente. Se assim for, talvez possamos agradecer ao vírus por nos ensinar que afinal, somos dependentes de algo muito maior do que poderíamos imaginar.

Todos tínhamos como certo o luxo em que vivíamos, a abundância dos produtos que possuíamos, a liberdade, a saúde, mas agora temos que reequacionar tudo. Estávamos sempre demasiado ocupados, sem tempo para as coisas mais simples, para os nossos problemas que nos pareciam tão importantes e agora temos que agradecer ao vírus o poder mostrar-nos o que realmente é importante. A enorme quantidade de automóveis que circulavam a toda a hora em todo o mundo, poluindo a atmosfera silenciosa sem que valorizássemos esse facto, o vírus veio lembrar-nos que afinal teremos de pensar seriamente em tudo isso. Pensar no planeta.

As guerras que, no mundo inteiro, destroem cidades, matam milhares de pessoas, desfalcam a economia dos países e as famílias, parecem agora problemas menores. Tudo parou. Ou quase. Esse medo da guerra, das bombas, das balas, das metralhadoras, é agora menor perante a ameaça de um assassino que se esconde dentro de nós próprios. É um medo diferente, mas o outro passou. Este medo novo tem o condão de nos unir mais, de unir a nossa comunidade, de nos ensinar a ajudar responsavelmente.

Há muito que se alertava para uma mudança do mundo. Sabíamos que que o mundo iria mudar. Não sabíamos como nem quando nem porquê. Era uma necessidade imperiosa.

Se fizermos um reward de memória, identificamos uma série de calamidades como os fogos que destruíram milhões de hectares de floresta na Austrália, no Brasil, em Portugal e das enxurradas que destruíram e mataram milhares de pessoas na Ásia. Sim, conseguimos lembrar-nos. Culpas? O homem destruiu tudo. Arruinou tudo e agora, depois do caos, o homem tem de aprender a construir tudo de novo.

Este vírus veio dar-nos a oportunidade de construir um mundo novo a partir do zero. Talvez custe agradecer ao assassino esse facto. A verdade é que ele está dentro de nós, entre nós e liga-nos tanto fisicamente como geneticamente. Destrói-nos, mas alerta-nos para o essencial. Mata-nos, mas obriga-nos a retorquir cientificamente. Temos de procurar a imunidade, mas não podemos esquecer as várias vertentes e perspectivas de lidar com o problema e isso depende de nós. Nós é que temos de escolher a melhor perspectiva e estar atentos a todas as outras.

O mundo está a mudar. Na realidade, o homem esteve sempre de sobreaviso para epidemias já que ao longo da História a sociedade mundial enfrentou pestes terríveis que dizimaram comunidades inteiras. É disso exemplo a Peste Negra que dizimou quase metade da população europeia no século XIV ou a Peste espanhola que há 100 anos matou milhões de pessoas em Espanha e na Europa. O mundo mudou? Não podemos ignorar o facto de alguma mudança ter acontecido. O mundo mudou, mas os tempos eram outros. Claro que sim. Hoje os problemas são diferentes e talvez mais graves e agressivos, quer para a sociedade, quer para o planeta. Afinal, estamos num mundo global.

Devemos pois, ter consciência do que há que fazer, que atitudes tomar e aprender com o que este vírus nos veio ensinar. Devemos agradecer-lhe por isso? Talvez, apesar das muitas mortes. Mas as outras guerras de que nos esquecemos, não matam muito mais?

A verdade é que o mundo jamais será o mesmo. Nada será como antes.

Os primeiros dias

Boas tardes, meus caros. Nestas alturas em que só se fala do mesmo e em que pouco mais há a saber se não cumprir o que tem de ser feito, deixo-vos uma letra alternativa para uma música famigerada. Para serem ainda mais atingidos pelo vírus do desespero, não vale a pena dedicar-se tanto tempo este tema. Já basta ter de vivê-lo. Muita notícia, nenhuma novidade. Tirar daí a atenção e esperar que o tempo passe focando-vos noutra coisa qualquer. Serviço público neste momento, mais do que bater na mesma dolorosa tecla, é manter as pessoas o mais distraídas possível. Fácil falar, bem sei, quando todos estamos no mesmo barco sem dele podermos sair, mas façamos um esforço. Mais um, de esforço em esforço, todos os eternos dias até ao final da tempestade. Uma globalização vestida de pandemia que atingiu todos os cantos, mesmo os mais improváveis. Quem diria que uma batalha que nos pede para ficar no sofá nos faria ir tanto ao fundo de nós. Ir e voltar umas quantas vezes. Paradoxos de um mundo actual onde todos os dias são primeiros em emoções e todos se querem o último de uma vez por todas. Aí vai, para distrair, adaptado de Sérgio Godinho e para se ler ao ritmo da música:

A principio é simples, chega de mansinho, É coisa de terceiro, não do nosso mundinho,

Está-se bem nas ruas e no burburinho, Quem sofre ao longe não é o nosso vizinho.

E onde não há história, uma ideia esquecida

Hoje é mais um dia por entre a nossa vida

Hoje é mais um dia por entre a nossa vida

Pouco a pouco fica o olhar mais profundo, Algo se aproxima a cada novo segundo

Não há de ser nada aqui neste mundo, Sai mais um whatsapp como pano de fundo.

E assim se leva a história meio entretida

Hoje é mais um dia por entre a nossa vida

Hoje é mais um dia por entre a nossa vida.

E é então que o pavio se torna mais estreito, Finalmente anunciam um caso insuspeito

Será que não é nada ou leva tudo a eito?, De qualquer das formas não há plano perfeito.

E nesta história meio mal entendida

Hoje é quase o primeiro dia do resto da nossa vida

Hoje é quase o primeiro dia do resto da nossa vida.

Depois surge o respeito por menor que seja, Olhem que isto é sério e a todos bafeja,

Não, para mim é só nos velhos, salvo seja, Não vou deixar de ir beber a minha cerveja.

E a autoridade igualmente perdida

Hoje é quase o primeiro dia do resto da nossa vida

Hoje é quase o primeiro dia do resto da nossa vida.

Depois tomam-se medidas de fio a pavio, Perdem-se muitas vidas na corrente do rio,

Emoções dançam, constante rodopio, Engole-se o medo até c'um copo vazio

E a gente lembra a canção conhecida

Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida

Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida

E entretanto o tempo finge que não passa, O que parecia fácil o coração nos trespassa

Nasce um novo dia e ninguém se abraça, Todo o mundo gira mas só dentro de casa

E puxamos à memória uma prece sentida

Que hoje seja o último dia desta pausa na nossa vida

Que hoje seja o último dia desta pausa na nossa vida

Pedimos ao incerto que nos devolva o futuro, O mundo não seja outra vez um muro

Ao medo dizemos-lhe que já estamos por tudo, À vida que apenas venha em estado puro

E puxamos à memória uma prece sentida,

Que hoje seja o último dia desta pausa na nossa vida

Que hoje seja o último dia desta pausa na nossa vida.

 

Porque hoje são os primeiros dias do resto da nossa vida. Foi para o que me deu pessoal. Aliás, a própria letra original assenta perfeitamente a esta situação. Neste lado continuamos à espera que as instituições de ensino abram, há uma ou outra escola aberta “à experiência” para ver se corre bem e se se pode voltar ao normal, mas é complicado. Vê-se que o pessoal ainda não circula em força, meio por desconfiança e meio por que as pessoas levaram um grande rombo nas carteiras. Vê-se muito restaurante e muita loja às moscas. Aqui as famílias não dependem tanto dos serviços como nós, mas dos negócios porque tudo se compra e se vende num mercado enorme que dá para quase todos. Vamos ver. Mantenham-se ocupados e o mais distantes de tudo isto que conseguirem. Um abraço muito apertado para todo o Nordeste e em especial para a aldeia de Avelanoso!

Robusta irresponsabilidade

Os jornais não transmitem notícias e opiniões sempre do nosso agrado, também, tal como os mensageiros de outrora nos transmitem cousas desagradáveis, aborrecidas, quantas vezes desastrosas e alheias à nossa vontade.

Na edição de 24 de Março pp. O Nordeste cumpriu o seu deve informativo, na qualidade de leitor impressionou-me a robusta irresponsabilidade de três pessoas objecto de referência que na minha opinião calcaram grosseiramente o cânone do bom senso que deve prevalecer em situações de catástrofe como é notório e patente exemplo a pandemia, mortífera pandemia, vinda da China a qual imitando outras de igual malefício para a Humanidade está a avançar e inundar o planeta deixando atrás de si um cortejo de mortos e milhares de infectados.

A primeira pessoa a merecer referência é uma menina de vinte e dois anos, Ângela João de seu nome, natural de Vimioso, que resolveu em pleno corrimento da maleita fazer a viagem dos seus sonhos na companhia do namorado ao Peru.

Se visitar um país da América Latina, em qualquer circunstância obriga a saber o essencial (básico) inserido nos manuais de economia turística (sistemas de saúde, segurança, comunicações, seguros, bancário e costumes locais), em tempo de tripla oscilação de todos os pontos focais atrás referidos mandava a prudência pensar e repensar a realização da sonhada deslocação ao País das batatas (Neruda cantou uma ode ao tubérculo) antes de a encetar. A menina de 22 anos mandou às malvas os cuidados e colheu um montão de ásperos trabalhos. Não contente com a metida do pé… na poça, deu-se ao luxo de salmodiar queixumes contra as autoridades portuguesas e o namorado fez coro de assentimento. A menina tem idade para diferenciar o bem do mal, que já tenha regressado é o meu desejo, que os pais lhe ofereçam colorido canto não do condor, sim de recriminações é presente bem merecido.

A segunda robusta irresponsabilidade cabe a uma senhora (não identificada) emigrante em França viu-se atacada de toleima, em face da febre de laurear-se entendeu ir ao Intermachê, aí lembraram-lhe estar obrigada a cumprir quarentena. A mulher ficou notificada, certamente, irá lembrar os milhares de automobilistas a mostrarem o seu sentido de responsabilidade a inundarem a auto-estrada a caminho do Algarve, sem esquecer outros vândalos do respeito pelos seus concidadãos. O sempre professoral Presidente da República prefere aos costumes dizer nada pois a marcha do tempo em direcção às eleições presidenciais não pára. Ninguém se espante!

O Nordeste na mencionada edição destaca a espantosa opinião do presidente do núcleo da Quercus em Bragança. Num lampejo de vacuidade em face da pandemia reconhece o pesadelo, mas «valoriza os benefícios ambientais» da monstruosa calamidade. Ao modo da Ministra da agricultura exibe estridente júbilo ante os lucros ambientais conseguidos no decorrer da quarentena. Os familiares de milhares de mortes ocorridas na China, na Itália, Estados Unidos, Espanha, Portugal e outras paragens caso lessem as ignaras palavras de Folhento umas ficariam horrorizadas, outras iradas, outras desejosas de folhearem os dedos das mãos na carantonha do presidente de um núcleo defensor da nobre árvore que não tem culpa de um abstruso deste jaez falar ao modo de um animal objecto de ensaio do escritor e filósofo romano de nome abreviado Apuleio.

Sabemos, quão é molesta para o ambiente a desastrosa política de todos (todos sem escapar um) os dirigentes do poder, infelizmente, não sabemos qual a paternidade do vírus, também desconhecemos quais os factores e fautores da sua propagação e muito menos no que tange a forma de a suster. Por isso mesmo é incomensurável a diferença – poluição é praga humana – o vírus é praga sobre os humanos –, eis a diferença diria o estimado colaborador de Sherlock Holmes. O Sr Folhento mostrou a sua cultura fundamentalista estilo «com o mal dos outros posso eu bem».  

Eu não me interessa saber que combustíveis ele utiliza para aquecer a casa, viajar e cuidar de si, não concebo que recorra a oriundos da indústria, porém será interessante saber o modelo de recuperação da economia pós convulsão epidérmica no Nordeste preconizada por tão resoluto ortodoxo da causa climatérica sem mácula e sem pecado. Propostas de actuação sérias, cientificamente exequíveis, sem lugares comuns, capazes de instituírem o «mundo que nós perdemos» (Peter Lasket) longe das imperfeições de agora. O filósofo Revél ensina que não devemos discutir o erro, no caso presente a invocação do mítico Quercus remete-me para Guernica, eis a razão do gasto de energias.

As lastimáveis considerações vão para lá do direito à asneira. Acreditem!

Leonel Folhento, Presidente do núcleo em Bragança da Quercus – Reconhece o pesadelo, «mas valoriza benefícios ambientais»

Falando de... Maria Browne

Facilmente caímos no esquecimento. A efemeridade da nossa existência, a dimensão da nossa memória ostraciza-nos, para sermos recordados no dia em que nascemos e em que morremos. É este o ciclo de vida. Ontem, importantes. Hoje, uma vaga lembrança. Depois, há os que nos retiram do olvido, recordando a nossa existência, preferencialmente, no que tivemos de melhor.

Recordemos, hoje, alguém, que no seu tempo foi importante na poesia. Uma figura que a nossa vida de leitores encontrou na antologia do conhecimento literário: Maria da Felicidade do Couto Browne, filha de Manuel Martins do Couto e de Margarida Máxima Joaquim Guimarães. No Porto nasceu a 10 de Janeiro de 1797, apesar de alguns dos seus biógrafos a considerarem nascida em 1800. Aí faleceu em 1861.

Enriquecida pelo casamento com Manuel Browne, filho do cônsul de França, que muito vinho do Porto exportava, tinha uma propriedade em Gaia, na Calçada das Freiras, a Quinta da Fonte Santa, onde dava jantares e grandes festas. Passeava- -se pelo Jardim de São Lázaro e pelos Clérigos. Tinha belos cavalos, barcos de recreio no rio, tudo o que era necessário e desnecessário. Vida larga e ociosa, com viagens pelo estrangeiro.

Deve ter sido dada a esmerada educação, dando ares de conhecer francês e inglês e alguma mitologia. Cita autores ingleses, tomando uma frase de Shakespeare “Trifle, light as air” para epígrafe de um dos seus poemas e para capa do livro Soror Dolores, nome por que ficou conhecida nos meios literários portuenses, da época.

Escrevendo, desde a sua juventude, publicou poesia em jornais literários e políticos do Porto, com os pseudónimos de A Coruja Trovadora e Soror Dolores. Lembremo-nos de O Nacional, Miscelânea Poética, Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro e O Bardo.

Após o casamento, achando-se senhora de grande fortuna, amiúde abria os salões da sua casa, que se transformou, em pouco tempo, num verdadeiro cenáculo literário, onde se reuniam as mais célebres personalidades artísticas e literárias da época, como Arnaldo Gama, Ricardo Guimarães, Faustino Xavier de Novais e Camilo Castelo Branco, que lhe estimulou a vocação e motivou a quase totalidade das obras, por volta de 1840-1850 e 1851, que foram anos de grande produção literária.

Em 1855, na Revista Peninsular, tomo II, página 314, é considerada a primeira poetisa portuguesa. A utilização de pseudónimos escondia a autoria, sendo os vários exemplares editados, destinados a ofertas particulares. Numa época em que havia algum recato face à circunstância das senhoras se dedicarem à literatura, Maria Browne tinha o cuidado de escrever nas obras que oferecia “Para não passar a outra mão”; apesar desta advertência, consta que, após a sua morte, em 1861, um dos filhos tentou destruir os pouco exemplares que restaram, para evitar escândalo, para que a honra da mãe, da família, ficasse intacta. Camilo, visita assídua da casa, talvez na mira de alguma paixão, ter-se-á envolvido com Maria Browne, por volta dos anos cinquenta, do século XIX. O poeta de Seide não teria mais que vinte e cinco anos. Maria Browne cerca de cinquenta.

Camilo dedica-lhe o drama O Marquês de Torres Novas para, depois, escrever no periódico O Nacional, lindos versos plenos de paixão.

Vitorino Nemésio que, de literatura muito sabia e dos seus autores ainda mais, deliciava-nos na televisão, fazendo um apelo à memória, no programa “Se bem me lembro”, serve-nos de apoio para falarmos de Maria Browne. Relata-nos um naufrágio ocorrido em 1852, na barra do Douro com o vapor Porto. Socorreram os náufragos, um jovem portuense, Ricardo Browne, rico e desenfadado. A proeza valeu-lhe a Torre e Espada; ao pai, Manuel de Clamouse Browne que levou a sua assistência às vítimas a ponto de dar 10 contos para o fundo de uma Sociedade Humanitária, trouxe comendas e as bênçãos ao povo portuense.

A intimidade entre Camilo e Maria Browne não deixou de ser tida em conta pela família da mulher amada, resultando daí bengaladas que Ricardo Browne, filho de Maria Browne deu e levou, para além de um duelo à espada, de onde Camilo saiu ferido numa perna, que lembrará no volume terceiro de Noites de Insomnia, n.º 7, Julho de 1929, página 80, “Ridículo me vi eu dez anos depois, quando saía de um duelo com uma cutilada”.

Ricardo era um dos filhos de Maria Browne e o que mais se celebrizou no meio portuense. Mundano, gostava de música, tocando violoncelo, jogava armas, fazia charadas e versos às damas, dizia ser o primeiro a conduzir um phaéton, um dog-cart, uma charrette de nova invenção. Era um dândi, culto e viajado, que a juventude tomava como modelo de elegância.

Para além de Camilo que a inspirou, da forma que retratámos, Garrett, com quem se correspondia, também lhe dedicou algumas das suas poesias. Com uma produção limitada, dados os condicionalismos da época, publicou poesia em edições de escassa tiragem: Soror Dolores, Porto, 1849, Virações da Madrugada, Lisboa, 1854 e A Coruja Trovadora, sem data, nem local de impressão, que nunca foi posto à venda. As edições eram progressivamente ampliadas, com alterações nas suas sucessivas publicações.

Jacinto do Prado Coelho considera-a, a Florbela, do Ultra-Romantismo. Alguns temas presentes no seu trabalho retratam uma vida supostamente inconsequente, que não conseguiu disfarçar na sua produção: o amor infeliz, as flores desfolhadas, símbolo de uma juventude destruída pela vida, apesar de um casamento que lhe proporcionou um bem-estar financeiro que não lhe transmitiu felicidade. Poesia fúnebre e nocturna, onde a morte é suscitada a cada passo, tendo presente o cemitério como local de refúgio e de meditação. O macabro e o espectacular, ao gosto da época, fazem lembrar, por vezes, Soares de Passos, paradigma do seu tempo, exemplificado pelo Noivado do Sepulcro, embora o cunho erótico sobressaia, em momentos.

A natureza e as flores são temas dominantes numa poesia onde o feminino é característico, denunciando um destino a que não pode fugir, dada a sua condição de mulher. E nas palavras se vai acoitando, parecendo estabelecer uma conflitualidade com um mundo que está lá fora e com o qual se incompatibilizou. A resignação e um estoicismo forçado configuram a vivência de um sujeito poético que não é capaz de se cindir enquanto cidadã e amante carente e desiludida.

A poesia é para Maria Browne o reduto do amor, o esconderijo de uma vida que no papel, através de um pseudónimo que poucos conhecem, encontra um lenitivo para uma vida que tenta a felicidade que não encontra. Dos seus textos infere-se uma manifestação de biografismo, tão ao gosto do romântico, onde o fingimento ainda não chegara. O amor fogoso e fátuo, seguido do abandono manifestado através de versos que ultrapassam as fronteiras dos salões onde rodopiavam corações procurando a felicidade que não chegava.

Não foi sonho!... Neste mundo Também com delírio amei

E porque, provavelmente, não foi amada, confessará:

E por quem eu me perdia Era um rochedo com voz

Uma poesia assente num sujeito que não se desmistifica, sustentada num pilar que ultrapassa as fronteiras do quotidiano, apazigua-se nos meios que o poema lhe confere:

Essa vida negativa

Em que orgulhosa e cativa

A mulher entre esplendores

Se ostenta iludindo o mundo

Enquanto d’alma no fundo

Está sofrendo atrozes dores

Na confessionalidade da poesia, vai-se desvendando, desnudando, como se o leitor dos seus textos fosse, afinal, o confidente de um existir que vive no inteligível de si. Lamentando não possuir o génio de Madame de Staël ou de George Sand, porque o génio abranda o preconceito “contra o sexo infeliz”. Numa época em que o papel é o grande confessor da mágoa que o sujeito poética arrasta, nada melhor que a palavra escrita para desanuviar uma mágoa que se transporta e que dificilmente se abandona. O eu, plasmado no texto, mostra um poeta em busca do refrigério, consolo e apoio que nada, nem ninguém, concede. A vida de sociedade, vazada na poesia, onde esconde o que poucos devem conhecer porque a poesia é para “não passar de mão”, destina-se aos íntimos, não obstante ter chegado até nós numa leitura onde a individualidade e o preconceito histórico-social se compaginam.

O meu jardim acabou

Já não tenho mais que dar

Para dele me lembrar

Só uma silva ficou

Selvagem, que se criou

Para prender e rasgar

Na sua autobiografia sentimental, à maneira ultra-romântica, no Prado do Repouso dedicado a “Ninguém”, pseudónimo utilizado, por vezes, por Camilo, faz-se estátua de campo:

Funéreas lajes procuro

E vou-me nelas sentar

E com o mundo invisível

Horas e horas falar

Atingindo uma forma de paroxismo, num eu que se vai desmantelando, escreve:

Mas eu não sou estrela,

nem forma, nem flores…

Sou triste mulher

Tristeza, vida e morte, timbram nesta senhora do Porto, incapaz de vencer a angústia que a domina e o niilismo que dela se apodera. Belo retrato a servir de exemplo a Schopenhauer:

Deliro?!... que esta alma ufana

Desejo que não tem nenhum;

Entre mim, e a espécie humana,

Que pode haver de comum?...

Se ainda não pertenço à morte,

Também não pertenço à vida;

É um mistério esta sorte

Especial e mentida.

Neste momento da escrita em que abordámos o pensamento Nemesiano, acrescenta o mestre açoriano “depois de Garrett e Soares de Passos ela é o nosso melhor poeta romântico”.

Procurando na agressividade do tempo, inspiração para o seu estado de espírito, O Inverno é, também, leit-motiv para o seu poetar, como por exemplo no poema O Inverno de que transcrevemos duas quadras:

Inverno, estação da morte,

Do luto da natureza

Como em ti, em mim só reina

Agitação e tristeza

De ti as aves se afastam:

De mim os risos, e as graças!

Ventos contrários te agitam;

A mim constantes desgraças

Maria Browne, mulher do seu tempo, de estro poético, animadora, burguesa transportada a uma condição social elevada, por força do casamento, é, nos nossos dias, figura que poucos conhecem, e que os livros eternizaram, é, hoje, lembrada em páginas de jornal a mostrar aos vindouros, os que fizeram deste país, a singularidade da sua cultura, lutando contra o esquecimento, obstinadamente ouvintes de Fernando Pessoa:

Senhor, falta cumprir-se Portugal…

Mantenha-se isolado, mas ativo

O Governo aprovou um conjunto de medidas extraordinárias e de carácter urgente de resposta à situação epidemiológica do novo coronavírus (SARS-CoV-2), agente causador da doença por coronavírus (Covid-19).

As medidas aprovadas contemplam as que visam promover o aumento de possibilidades de distanciamento social e isolamento profilático (sem sintomas nem diagnóstico de doença aguda).

A vida das nossas crianças mudou

Ter, 07/04/2020 - 09:34


Olá, como estão os leitores da página do Tio João?

Estamos todos no mesmo barco e o mar está muito bravo! Segundo parece, “a procissão ainda só vai no adro”. Dadas as circunstâncias, o melhor que todos temos a fazer é mesmo ficar em casa. Uma das coisas que mais dói à nossa gente é não poderem acompanhar os seus mortos à última morada, pois não dá para retribuir o consolo tido nestas situações. É um luto incompleto.

Da serenidade possível

Seg, 06/04/2020 - 21:38


O que mais dói é ver a Primavera a fugir de nós, quando sempre a celebrámos como garantia de renovação da vida, pelo menos para mais um ano, ou cem, tudo dependia do sol, das flores e das folhas tenras que, a cada manhã, nos amparavam o ânimo.