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As duas faces

Tal como as moedas o Verão também tem duas faces; a movimentada, eclatamte e afectiva, a negativa, obscena, violenta. As pessoas movimentam-se, até freneticamente, os sentidos recuperam efusões, minoram saudades, desenvolvem pulsões do florir do desejo nuns casos, de a recordação florida dos tempos idos onde as vozes masculinas assumem a condição de aedos. Os que tiveram de emigrar as representam nos dias estivais.
E, no entanto, negativamente, a tal face obscura, representa-se nos dichotes verbais, nas escaramuças jocosas, às vezes nos desforços físicos, já ouvi chamar aos nossos «regressados emigrantes» Mosca de verão. Não, não estou a referir-me a turistas sudarentos, depositantes de lixo, pouco gastadores, autênticas Hordas de sandálias como lhes chamou o famoso escritor Joseph Brodsky, Nobel de 1987.
O mote Mosca de verão levou a senhora licenciada de unhas bem pintadas a enunciar os efeitos da invasão de varejeiras: aumento de preços, confusão no trânsito, gritos nas ruas e cafés, meneios e contorções dos vindos de Franças e Araganças.
Uma rede repleta de palavras a denunciarem antagonismo velhos e relhos numa mistura de Ser por ter no antigamente, esvaído à medida da passagem dos Estios, do ter agora elevar a Ser muitos dos obrigados a pertencerem ao universo da diáspora. Dá trabalho a retirar, uma a uma, cada palavra da rede pesqueira, no entanto, o exercício permite rasgar o véu sorridente de uns e outros à chegada de forma a precavermo-nos contra comentários ao estilo da senhora adversa a moscas, tal como Jaime Gama quando tinha de visitar países africanos na condição de Ministro dos Estrangeiros.
Há tempos rapaz do meu tempo voltou a Bragança ao fim de quarenta anos, tinha a intenção de permanecer oito dias, esteve dois, além de já só conhecer poucas pessoas, ficou agravado, os conhecidos não lhe fizeram vénias, nem lhe afagaram o ego salientando-lhe os seus glosados êxitos. Um pouco à bruta ri-me dos seus pruridos, nem lhe lembrei a frase do não voltes a onde foste feliz, coisas são como são, as mundanidades lustrosas, das chiques estâncias de veraneio, em Bragança tais vanidades valem zero. Rugiu: não volto lá!
É neste ponto que apelido de obsceno e violento o contraste, seja o emigrante analfabeto, seja o letrado, de alta patente militar ou académica, a maioria quando volta à terra carrega o propósito de ser recebida entre nuvens de incenso e mirra, aspergida e perfumada qual rainha de Sabá, por seu turno os dali nunca saídos aguardam exclamações de apreço dada a coragem em terem permanecido, fortes amplexos de louvor, quando não hossanas a quem aguenta nove meses de Inverno e três de Inferno.
A fusão das duas posições é possível quando a inteligência supera a pulsão do despeito, e quando se chega a uma certa idade, nada é mais familiar do que as referências afectivas expressas nas personalidades marcantes, nas figuras singulares, mesmo risíveis, nas ruas, nas praças, nos jardins, nos becos, nas tabernas, nos cafés, nos monumentos, e no…cemitério. Visito sempre o cemitério.
Se a fusão não é conseguida eclodem manifestações violentas titilantes nas respostas mal-humoradas, quando não agressivas, os ajuntamentos potenciam-nas, as reservas e azedumes escoram notícias, agravam males provindos do passado.
A largueza de vistas lastreia a fusão, destroça a desconfiança, importa fruirmos a estação calmosa desvanecendo o nevoeiro derivado dos lúgubres afastamentos, dos desvalimentos de outrora. Por muito sedutoras que sejam outras paragens, a Terra-Mãe vale a aproximação. Que o vinho da saudação eleve os corações, sele as amizades, afaste a ideia de recriminação!

IN MEMORIAM

Soube pelo meu amigo Nelson Rebanda que se prepara, em Moncorvo, uma justa e justificada homenagem aos soldados moncorvenses falecidos na sangrenta e dramática guerra ultramarina levada a cabo pelo Estado Novo contra os movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas que lutavam pela sua autodeterminação. Entre estes está um nome que me é muito caro: Raul Teixeira.
É normal recordarmos, dos que partem, as virtudes e exaltá-las, mas, no caso corrente, não há forma de o dizer de outra maneira: o Raul era um homem bom. Do melhor que conheci na minha aldeia, a Junqueira da Vilariça. Era uma fonte inesgotável de boa disposição e não consigo lembrar-me dele a não ser emoldurado por um sorriso singelo e contagiante. Era um pacificador e empenhava grande energia em resolver conflitos naturais entre jovens da sua idade. Era mais velho que eu e, embora a diferença não fosse significativa, para a minha idade era considerável. Conhecia-o bem porque frequentava a casa dele. Os nossos pais eram amigos e compadres e eu gostava de ir brincar com o Luís e com o Manuel, os seus irmãos mais novos e que me eram mais próximos.
A casa do Raul tinha um enorme quinteiro lageado por onde se entrava para a cozinha e dela subia-se para um espaço aberto que dava acesso aos quartos (foi num deles que vi deitada, quase desfalecida a sua mãe, Luz Abade quando soube da morte do filho) e a uma enorme varanda de madeira. Era mágica esta varanda. Ficava por cima do quintal anexo à casa onde o senhor Eugénio plantara árvores de fruto, entre outras laranjeiras, na altura raras na aldeia. Mas era sobretudo a varanda que abrindo, como quase todas na minha aldeia, para o enorme horizonte do Vale da Vilariça, tinha um atrativo adicional: estava situada sobre o terreiro da fonte onde, no verão, os rapazes dormiam a sesta à sombra das amoreiras e as raparigas vinham à água. Este largo era o centro da aldeia. Nada de importante acontecia que não passasse por aqui. Era aqui que o ferrador vinha “calçar” os machos e os jumentos, era aqui que os pantomineiros faziam as suas acrobacias e palhaçadas, era aqui que os latoeiros faziam caldeiros e romeias de folha e concertavam cântaros, era aqui que chegavam os vendedores ambulantes e era por aqui que passava o padre para ir depois rezar a missa. Era aqui que se fazia a fogueira do Natal, que se jogava ao “abre-e-dá-lhas” e ao par e pernão. Era aqui que as crianças brincavam, as mulheres ralhavam e os jovens namoravam.
O Raul era mais velho que eu. Meia-dúzia de anos, na minha tenra idade, era uma diferença substancial. Os da sua idade pertenciam a um grupo que nos olhava de alto. Eles eram já homens feitos e nós apenas uns garotos. O Raul não. Por bondade ou generosidade sempre me deu atenção e foi ele que me fez o meu primeiro carro de cortiça. Igualzinho ao que o irmão dele, o Luis tinha: uma cana limpa e direita com um furo duplo na extremidade mais grossa por onde fez passar o eixo onde se encaixaram duas rodas aprimoradamente feitas por ele mesmo, com uma navalha da poda a partir de dois quadrados de cortiça; um terceiro pedaço, menos elaborado, enfiado diretamente na cana, fazia de volante. Foi grande a minha alegria e igualmente a sua satisfação expressa no sorriso que ainda hoje recordo.
A dramática morte em terras africanas consagrou-o como o meu herói. Foi nele que me inspirei para escrever o meu primeiro livro “Cravo na Boca” editado pouco tempo depois. Dediquei-lhe um poema (“Post-Scriptum”) que publiquei no meu livro “Pedra Flor” editado mais de vinte anos depois.
A história incompleta, continua por contar.
 
Por José Mário Leite

Proteja-se do calor

São mais vulneráveis ao calor:
• As crianças nos primeiros anos de vida
• As pessoas idosas
• Os portadores de doenças crónicas (nomeadamente doenças cardiovasculares, respiratórias, renais, diabetes, alcoolismo)
• As pessoas obesas
• As pessoas acamadas
• As pessoas com problemas de saúde mental
• As pessoas a tomar alguns medicamentos, como anti-hipertensores, antiarrítmicos, diuréticos, anti-depressivos ou neurolépticos
• Os trabalhadores expostos ao sol e/ou ao calor
• As pessoas que vivem em más condições de habitação