Respirar fundo e enfrentar o medo

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Seg, 02/11/2020 - 22:24


O desânimo está quase a tomar conta de nós, que não suspeitávamos do ronco das bestas do apocalipse e até enchemos o peito dos ares do Verão, depois da Primavera passada, fértil em dores e ansiedades, mas com porta aberta para a esperança, rainha de todas as ilusões que nos sorriem, matreiras, enquanto o Sol sobe no horizonte a cada dia das nossas vidas.
No entanto, bem vistas as coisas, sabia-se que era provável a intensificação dos contágios e a consequente ampliação do número de infectados, com consequências que não são novidade para ninguém. Esperava-se, por isso, que a relativa trégua estival fosse aproveitada para definir com clareza os processos de defesa e ataque à pandemia, sem concessões ao facilitismo, mas também evitando que o monstro nos engolisse a coragem, a força e a serenidade, sem as quais, o combate pode ser dado como perdido, com lamentáveis consequências na sociedade, na economia e nos modelos políticos suaves a que nos habituámos.
Pode considerar-se que a condução do barco, a enfrentar inédita borrasca, não teve pilotos com a perícia necessária nem a humildade que concita esforços e vontades, mas não é no meio do furacão que se ajustam contas, mesmo que, nalguns momentos, seja preciso gritar para abanar o timoneiro. A análise crítica terá que ficar para depois, com serenidade, inteligência e misericórdia, que a condição humana não é divina nem diabólica, mas o produto possível da vida frágil que os equilíbrios cósmicos permitem.
Depois desta provação vai ser vital continuar o caminho da dignidade, da liberdade, do respeito pelos outros e pelo mundo onde podemos ser felizes. Por isso, todos e cada um devemos assumir responsabilidades, sem cedermos ao egoísmo, ao imediatismo ou à arrogância, filha do instinto, que nos lança contra a parede da irracionalidade.
A incerteza não deve conduzir à desistência, como não pode justificar comportamentos displicentes, negacionistas, que conduzem à precipitação num inferno mais fundo do que o que nos foi dado conhecer nestes oito meses. Basta observar como alguns políticos mundiais passaram do dichote sarcástico sobre a infecção para apelos pungentes à solidariedade e a imposição de medidas que desvalorizaram.
A aventura humana tem sido assim. O conhecimento foi-se construindo na medida em que se reduziu a incerteza, observando o mundo com o instrumento único que é a racionalidade, capaz de integrar que quanto mais sabemos mais nos falta saber, mas há conquistas que nos permitem concluir que a vida vale a pena ser vivida enquanto pudermos, certos de que novas gerações virão para continuar a construção, sempre renovada, talvez empolgante, logo se verá.
Vai ser precisa força para resistir ao medo, não descuidar os flancos da soberba, da preguiça, do risco desnecessário e do cansaço para continuar a jornada que ninguém pode dizer como terminará, apesar dos vendedores de milagres que vão aparecendo aqui e ali.
Resta-nos respirar fundo, utilizar todos os instrumentos que conhecemos com capacidade de limitar a infecção e aguardar que o tempo nos permita reconhecer as verdades e os equívocos que atingirmos ou superarmos quando voltarmos ao nosso mar da tranquilidade.

Teófilo Vaz