Para acabar de vez com a regionalização

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A regionalização surge com os ideais liberais na rejeição ao poder absoluto e centralizado do Poder Real. E mesmo depois da nossa Monarquia passar a Constitucional a regionalização manteve a pertinência como dinamizadora das gentes no sentido de maior participação e da melhor gestão da coisa pública. Em 1836 Mouzinho da Silveira teorizou e Passos Manuel promulgou uma reforma do Código Administrativo que ainda hoje, na sua essência, mantém actualidade. Depois de vicissitudes várias, em 1914 os Republicanos fazem uma proposta de Código Administrativo onde é abandonada a ideia de descentralização. (Henrique Nogueira já tinha avisado que ser Republicano não queria dizer Regionalista.) Isso motivou reações e uma das consequências foi a realização do I Congressos Transmontano, do I Congresso Beirão e o Congresso do Municipalismo em 1922 como formas de pressão sobre o poder central a fim de lograrem a regionalização. Surge também o Mapa de Portugal de Amorim Girão, com o País dividido em Províncias, talvez a coisa mais bonita que a ideia de regionalização produziu (repare-se que uma abstracção, pois as Províncias nunca passaram de um pensamento, acaba por ser o País virtual que a todos cativou e que todos interiorizaram. Tanto orgulho há num que se diz Transmontano como noutro que se diz Alentejano apesar de não haver Trás-os-Montes nem haver Alentejo.). Também Salazar achou muita piada ao Mapa das Províncias. Promulgou-o e meteu-o na gaveta onde ficou até ao 25 de Abril. (Estava-se mesmo a ver Salazar partilhar o poder com os lideres regionais!) E se por um lado ignorou as regiões por outro passou as Câmaras a meras extensões do Poder Central, com Presidente nomeado. Com o 25 de Abril os órgãos de gestão dos Municípios passaram a ser eleitos e Sá Carneiro lançou, então, a ideia da Regionalização que passou a figurar como um objectivo constitucional. Não obstante ser um desígnio Constitucional, António Guterres, talvez o único regionalista convicto e sincero depois de Passos Manuel (digo isto porque uma coisa é querer a Regionalização como forma de obter daí algum poder outra é ter poder e querer a Regionalização como forma de o partilhar), entendeu que não havia condições para a implementar, de cima para baixo, uma vez que figuras com forte peso político como Mário Soares, Cavaco Silva e o consequente arrastamento, se manifestavam contra.”Um erro colossal” dizia Mário Soares da regionalização. Guterres submeteu a Regionalização a referendo. Aqui o PSD pela mão de Marcelo Rebelo de Sousa fez a figura de Pilatos. Era a favor da Regionalização, dizia, mas era contra o Mapa das Regiões. Ainda hoje não se sabe que Mapa defendia. A Regionalização perdeu em referendo. Eis-nos aqui.
Regionalização é a panaceia para todos os males segundo uns, fonte de muitos mais segundo outros. Não será nem uma coisa nem outra mas talvez um pouco das duas. Corresponde a uma subdivisão do território para fins administrativos e costuma ser aplicado em Países ou muito grandes, para agilizar a administração, ou multiétnicos, para respeitar as idiossincrasias das diferentes etnias. Ora, Portugal além de ser um País pequeno é também um País muito homogéneo. Mesmo naquele território, que até ao fim da Monarquia se chamava Reino dos Algarves, não se encontram marcas culturais, religiosas, linguísticas ou outras que o diferenciem do Minho ou das Beiras. Desse ponto de vista, a regionalização em Portugal seria, parafraseando O’neil , “ uma coisa em forma de assim”. Isso não obstou a que eu tivesse votado SIM à regionalização aquando do referendo. Fi-lo porque pensei que o velho chavão “para cá do Marão mandam os que cá estão” não era só fanfarronice (calou fundo o conselho do velho ditador: “se soubesses o que custa mandar, gostarias mais de obedecer”); Fi-lo porque pensei que os Transmontanos ficariam muito orgulhosos de exibir a sua “carta de alforria”, o atestado da sua maioridade cívica e política; Fi-lo porque me pareceu e parece que a distância, geográfica e de mando, entre as autarquias e o poder central é tal que justifica um elo de ligação, um poder intermédio, um interface de poder. Anteriormente esse interface de poder era preenchido pelo Governador Civil mas essa instituição foi completamente esvaziada de poderes e depois, naturalmente, extinta. Ficou aí um vazio de poder. E como não há fome que não dê em fartura não raras vezes assistimos, agora, a matérias tuteladas por várias instituições gerando crises de competências, conflitos de poderes que se sobrepõem e que são multi-distritais como as CCDR(s), as Áreas Metropolitanas, as Comunidades Inter-Municipais. Também não se entende que as regiões criadas por áreas de actividade não sejam coincidentes. As Regiões Militares não coincidem com a divisão que faz o Ministério da Saúde e esta não é igual à da Educação que por sua vez é diferente da da Agricultura. Parece mal que cada um retalhe o País a seu bel-prazer sem o mínimo respeito pelo sentir regional que nos enforma. As matérias supra municipais derivam entre o anárquico e o caótico por falta de coordenação. É esta falta de coordenação, este vazio de poder que a Regionalização iria obviar. Se bem que não é isso que a justifica porque há várias outras formas de resolução. De qualquer forma, para mim, a regionalização…já foi.
A não ser que…
Se se pensar a Regionalização não só como uma metodologia governativa mas antes como alavanca de desenvolvimento aí o caso muda de figura. Se já Trotsky falava na Regionalização como instrumento de correcção dos excessos da “concentração capitalista” também nós podemos falar da Regionalização como correctora das assimetrias regionais, que é dizer, rigorosamente, a mesma coisa. Pensar a Regionalização como uma forma de trazer o desenvolvimento ao Interior. Foi isso que Kubitschek de Oliveira, Presidente do Brasil nos anos 60, pensou quando decidiu erigir Brasília. Ele sabia que nada nem ninguém se deslocaria para o Planalto Central a mil e tantos Km do litoral sem uma motivação forte. E ele deu-lha, mudando para lá a sede do Governo. Brasília, que foi projectada para 500mil habitantes, tem hoje, com a sua cintura, 4,5milhões.
É este ensinamento que eu gostava de ver transposto para o nosso caso. Assim, se o País ficar dividido em parcelas mais ou menos iguais ás áreas de influência das CCR(s), como tudo indica, então a Capital do Norte seria, naturalmente, Bragança. (Não me venham com o argumento da falta de estruturas porque em Brasília não havia mesmo nenhuma.) Assim também a Capital das Beiras deveria ser a Guarda e a do Alentejo, Beja ou Portalegre. Só deslocalizando os Serviços para o Interior é que ele se pode desenvolver. Ora não é assim que pensam as chamadas “capitais naturais” como o Porto ou Coimbra. Esses querem a Regionalização não só para serem a Capital da Região mas também para fazerem dela o trampolim que os torne os “challengers” de Lisboa. E a Regionalização não pode servir para isso.
É evidente que a minha pretensão não tem, minimamente, pés para andar porque mal essa hipótese fosse avançada teria a oposição de toda a massa crítica, de todo o “think tank” portista (no nosso caso) e sobretudo daqueles que, parecendo uns adeptos fervorosos da Regionalização, não passavam, afinal, de uns meros candidatos a Vice-Rei do Norte.

Manuel Vaz Pires