O auto proclamado estado do interior

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Foi no passado dia 2 de Fevereiro que um grupo de cidadãos do País proclamou, “urbi et orbi”, a sua constituição em Movimento pelo Interior para estudo e resolução das questões de interioridade. (Parecia que se tinham constituído assistentes de um hipotético processo “Interior versus Estado”, que aquele moveu a este por reiterada denegação de Justiça por acção ou omissão desde 1976 até à actualidade.) O dito Movimento é constituído por 2 autarcas, três professores de Politécnicos e dois empresários. A estes “Cavaleiros do Apocalipse” juntou-se, por fim, Silva Peneda e entende-se mal porquê, por duas razões: 1.º – se é para mostrar que não sabe, é redundante, escusava de lá ir; 2.º – se é para mostrar que sabia, fica-lhe mal porque já o podia ter evidenciado quando ocupou cargos de poder.
O dito Movimento diz que vai reunir mais vezes para esclarecimento e recolha de contributos que relevem e depois dessa ronda compromete-se a apresentar 6 medidas que serão as panaceias para os males da desertificação, interioridade e abandono. Porquê 6? Sem fazer um levantamento, sem definir objectivos, sem avaliar das necessidades e sem as valorar, sem programar e calendarizar estratégias, como sabem que são 6 medidas? Ou será que as 6 medidas já pertencem à “Lei Mental” e só é preciso arranjar justificação para a sua formalização? Um pouco em jeito daqueles concursos em que o ganhador já se sabe quem é. Lendo o artigo de Jorge Nunes verifica-se que as 6 medidas já existem faltando apenas arranjar interioridade e desertificação que as justifiquem.
Olhando para a constituição do Movimento entende-se bem a presença do Sr. Nabeiro, um patriarca que investiu na sua terra, como uma tentativa de conquistar outros pelo seu exemplo. Suponho que a presença do Sr. Fernando Nunes, presidente da Visabeira terá a mesma explicação. Os três homens dos Politécnicos estão lá por duas razões: uma é conferir o estatuto científico às conclusões que o Movimento produzir (uma espécie de caução de qualidade); outra é na qualidade de parte interessada porque a diminuição da população pode pôr os Politécnicos em risco. Pois bem, as partes interessadas nunca foram aquelas que produziram melhores raciocínios. (“Não é grande Juízo aquele que é só de Capelo que não de Borla” A. Perdigão) Mas quem eu não aceito nessa Comissão, são os autarcas. Os autarcas são parte interessadíssima no processo. Portanto que façam como quiserem, que se constituam em lobby ou que de qualquer outra maneira lutem pelos seus interesses mas que não se escondam detrás de um Movimento pretensamente científico que irá concluir aquilo que eles querem concluído. Assim, não!
Álvaro Amaro, da C.M. da Guarda e Rui Santos da C.M. de Vila Real são os autarcas do Movimento. Álvaro Amaro, com uma entrada de leão, disse que vão propor ao Governo “medidas radicais, até mesmo violentas”. Um outro, Jorge Nunes, ex-autarca de Bragança que não pertencendo à Comissão Instaladora do Movimento, apareceu agora na figura de pivot com um longo artigo no Jornal Nordeste e tem por lema propor “políticas de ruptura”. Não sei o que isso é como também não sei o que são “medidas violentas” mas uma análise ligeira à demografia dos concelhos que eles geriram ou gerem talvez nos explique a razão destes chavões sindicalistas de mau gosto. Assim: fazendo uma análise comparativa entre os anos 1981 e 2011 das populações dos concelhos e das respectivas sedes temos:
Uma conclusão é mais ou menos óbvia: todas as sedes de concelho aumentaram a população enquanto a parte rural perdeu, com especial incidência no caso de Bragança. Repare-se que o concelho de Bragança manteve mais ou menos a mesma população mas a cidade de Bragança teve um acréscimo de mais de 7500 pessoas. Logo, a parte rural do concelho perdeu mais de 7500 habitantes. Todas as sedes de concelho parasitaram o resto do concelho assim como o litoral parasitou o interior. Rigorosamente igual ao que se passou no País. Logo, se entendermos a mobilidade demográfica para o litoral como razão das políticas dos sucessivos governos, assim podemos concluir que as causas próximas da desertificação da parte rural destes concelhos se devem, pelo menos em parte, às políticas dos seus Presidentes de Câmara. De que se queixam então? Para quem virar as “medidas violentas” e as “políticas de ruptura”? E enquanto aquele discurso saloio sobre o despesismo lisboeta com as auto-estradas, com as travessias do Tejo, com a Expo, com o Europeu de Futebol, com o Centro Cultural de Belém, com o Aeroporto e com o TGV ia subindo de tom, nós cá íamos fazendo o Polis, o Procom, o Teatro, o aeródromo, o centro comercial, o conservatório de música, o parque de estacionamento subterrâneo, o Museu da Ciência Viva, o Museu Militar, o Museu da Máscara, o Museu da Judiaria, o Brigantia EcoPark, o Mercado Municipal, o Shopping, o auditório Paulo Quintela, o Centro Graça Morais, o parque de desportos radicais, o parque de campismo, as piscinas, os multiusos, a arena, o terminal de camionagem, o Politécnico e nem todos isentos de tiques provincianos de megalomania e de novo riquismo. (curiosamente os dois únicos espaços de lazer no Verão, as nossas duas “praias”, a presa de Oleirinhos e o Rebolo, foram desactivadas). Claro que ao “cheiro desta canela” o concelho se despovoou. Mas, perguntarão: então estas obras não eram necessárias? Embora tenha muitas reservas em relação a muitas delas, direi que sim. Mas a questão que aqui se põe é que o Estado dentro do quadro de procedimentos que adoptou não só permitiu como contribuiu para que aquelas obras se fizessem. Não tem, pois, cabimento a queixa, já insuportável, da falta de obras no interior em contraponto ao seu excesso no litoral. Melhor fariam que se penitenciassem dos gastos autenticamente despropositados e irracionais com o saneamento e ETAR(s) em aldeias onde era já previsível a drástica redução da sua população. (lembro que os bairros das Antas no Porto tinham na fossa séptica a sua solução sanitária quando já nós aqui exibíamos emissário de esgotos e ETAR na aldeia mais recôndita.) Hoje temos uma série de equipamentos, que o bom senso diria para não serem feitos, sem serventia. Estes gastos podem contabilizá-los na rúbrica de “esbanjamentos”.
E como consegue falar Nunes do municipalismo como factor de coesão nacional? Então o fosso entre aldeias e cidade não se alargou desmesuradamente nos últimos tempos? E onde foram feitos os investimentos de monta? Nas aldeias ou na cidade? Como se vê o municipalismo promoveu não a coesão social mas sim a sua diferenciação nos limites territoriais da sua influência. Mas é entre municípios vizinhos que essa “coesão” é mais visível. Todos estamos lembrados de um episódio que não teve importância mas revelador. Foi assim: quando os Serviços do Ambiente, depois de chumbarem o projecto da barragem de Veiguinhas, sugeriram como alternativa para o abastecimento de água a Bragança a água da barragem do Azibo, a Câmara de Macedo de Cavaleiros opôs-se frontalmente, numa atitude de um egoísmo e de falta de solidariedade que chocou. Por aqui se vê como o municipalismo está na vanguarda da defesa da coesão nacional. Outro bom exemplo da defesa da coesão nacional é, rigorosamente, aquilo que vocês, os do “Auto proclamado Estado do Interior”, estão a fazer ao país com a criação de dois tipos de municípios. Mas onde V. vão ver o que é coesão Nacional é quando forem fazer a delimitação dos espaços, litoral e interior. Estamos ansiosos.
De qualquer forma a desertificação das aldeias é um corolário lógico do desenvolvimento. Não tem nada de dramático. Dramático é ver dramatizar estes avanços civilizacionais criando um caldo de cultura para atitudes que ainda não sabemos bem o que são. O que são as “políticas de ruptura” e as “medidas radicais, até violentas” e o que se pretende com isso? De toda a maneira a aldeia acabou porque está a acabar a agricultura de subsistência, essa “arte de empobrecer alegremente”. Hoje, eles querem os filhos a estudar e acham que há mais vida para além da agricultura. Doravante o perfil tipo do agricultor é o de um empresário agrícola, que só faz 2 ou 3 culturas em que é especialista, mecanizado a 100%, vive na sede de concelho e faz férias. E os filhos quando chegam a casa já não vão ordenhar a cabra nem vão à erva para os coelhos. Os filhos depois das aulas vão para a música, para o desporto ou para as explicações. E isto é incompatível com a aldeia. Aldeia, jamais. Não sei o quis dizer Jorge Nunes com “É preciso apostar nas explorações familiares viáveis, agrícolas, de pastorícia…” mas parece-me um completo “non sense” aconselhar alguém a um regresso a um passado de que todos fugiram. Fico, até, sem saber que país querem alguns. Será que querem o Portugal dos anos 60 em que mais de 40% da população activa trabalhava na agricultura e que por isso teve de exportar milhão e meio de portugueses para França? Ou quererão um país moderno, evoluído onde a população activa na agricultura é pouco mais que residual? Repare-se que actualmente em Portugal ainda temos 6,3% da população activa a trabalhar na agricultura mas em França só já são 2,1% e nos Estados Unidos 1,2%.
Acho que toda a gente tem mais ou menos interiorizada a ideia que a aldeia, tal como a registámos, findou. Insistir na ideia que aquele espaço bucólico dos “Simples” de Guerra Junqueiro se pode manter e perpetuar se não é grotesco é pelos menos ridículo. Mas esse discurso cala fundo e tem os seus efeitos naqueles para quem “minha aldeia é todo o Mundo…”, para quem o sentimento suplanta em muito a razão. É ver a quantidade de casas novas, em aldeias desertificadas, que não têm qualquer serventia nem para os proprietários nem para a aldeia nem para o país mas que em muitos casos representam as poupanças de uma vida. E esse discurso não deixa de ter, aí, responsabilidades. Insistir na ideia da manutenção da ruralidade só já entendo como a maneira de preservar aquilo que alguém chamou, um dia, de “reservas morais da Nação” como último reduto de uma aspiração política.
Em relação aos fluxos migratórios para o litoral ou para as grandes cidades não sei como é que o Movimento pensa estancar ou mesmo inverter esta tendência. Isto porque segundo dados publicados pela ONU, em 1950 viviam 746 milhões de pessoas em cidades. Em 2014 esse número ascendeu a 3,9 mil milhões. Em 2014, 54% das pessoas eram urbanas e espera-se que em 2050 sejam 66%. Também diz que em 1990 153 milhões de pessoas viviam em 10 megacidades e em 2014 são 453 milhões a viver em 28 megacidades. Estes números revelam fluxos migratórios resultantes de dinâmicas sociais lentas, inexoráveis mas sempre no mesmo sentido. Serão invertíveis?
Uma das propostas avançadas no artigo de Jorge Nunes é a da discriminação fiscal positiva para o interior. Fixemo-nos nas reduções de 30% no IRS. A proposta de redução de 30% do IRS parece-me pouco menos que uma “boutade” que só a demagogia ou o populismo conseguem aceitar. Se não, vejamos: os trabalhadores por conta de outrem vencem por tabelas Nacionais. Quer sejam da função pública quer tenham contractos de trabalho individuais ou colectivos. Nesse aspecto os de cá estão como os de lá. Onde não estão iguais é no cabaz de compras (conjunto de bens essenciais cujo custo nos dá a indicação do custo de vida). Ora o cabaz de compras do interior é muito mais barato que o das grandes cidades com especial relevância para as rúbricas “habitação” e “transportes”. Como se vê, nesta matéria, a desigualdade é favorável ao interior. Além disso o IRS é um imposto progressivo. E os impostos progressivos são a menina dos olhos da fiscalidade em democracia porque neles está explicita a preocupação pela equidade e pela tentativa de redução do fosso que separa os rendimentos de uns dos dos outros. Fazer um corte cego, ainda por cima proporcional, é subverter completamente a filosofia da fiscalidade moderna. E já agora pergunta-se: porquê fazer uma redução no imposto a pagar por um alto funcionário do Estado ou um empresário de sucesso que residam em Bragança em detrimento de um empregado têxtil do Vale do Ave ou um merceeiro de bairro dos Guindais?

Manuel Vaz Pires