LEGADO DO TIO SAM

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A Base das Lajes traz-me de imediato à memória a célebre cimeira que carimbou a polémica e injustificada decisão de invadir o Iraque que fomentou e potenciou a escalada do radicalismo islâmico cujos efeitos nefastos estão ainda a atormentar-nos e a infernizar o dia a dia da atualidade. Dos participantes nessa reunião de má-memória, começa a ocupar-se o tempo, com o esquecimento que a história reserva a muitos dos seus menores atores e a irrelevância crescente dos que não souberam dar adequada dimensão às oportunidades que lhes foram disponibilizadas. Do terreiro ocupado pelas tropas americanas na Praia de Vitória, há agora que cuidar da contaminação ali perpetrada ao longos dos muitos anos de ocupação militar. E já não seria pouco para tão mitigadas “compensações”. Há, contudo, neste acordo de parceria com o outro lado do Atlântico, um “pequeno pormenor” em que o displicente interesse norte-americano pode, mais uma vez, representar um sério e grave prejuízo para os interesse lusitanos e para os superiores interesses nacionais.
Entre outros, um dos resultados das trapalhadas, incompetência e submissão ao poderoso loby das armas, do presidente Bush-filho, foi a infame prisão de Guantanamo, que o mesmo se encarregou de fazer ocupar por vários acusados, justa ou injustamente, de atos de terrorismo, fosse na sua execução, conceção ou cooperação. Não tenho pretensão de julgar quem quer que seja, muito menos, quem foi preso ilegalmente e mantido em cativeiro de forma desumana, mesmo que assumindo que possam ter cometido todos os crimes que lhe são imputados. Contudo tal não me pode impedir de ter as minhas convicções. Tenho para mim que a maioria dos ocupantes do presídio americano em solo cubano são radicais islâmicos ou porque já o eram quando ali foram retidos ou porque se radicalizaram fruto da revolta contra os seus captores e da convivência com muitos extremistas.
Barack Obama foi eleito a prometer encerrar a célebre prisão. O máximo que conseguiu foi dispersar parte dos prisioneiros por países amigos. Companheiros, desde o referido almoço da ilha Terceira em que o nosso primeiro-ministro de então resolveu ser anfitrião em nome e a mando do dirigente ianque, tocou-nos em sorte receber um dos encarcerados a quem foi concedida a “libertação”. Em agosto de 2009 foi acolhido em Portugal, Moammar Badawi Dokhan, capturado em 2002, sob a suspeita de pertencer à Al-Qaeda do Afeganistão. Desde então reside no nosso país, vigiado de perto pelas autoridades policiais portuguesas. Foi uma dor de cabeça para o DCIAP receoso que o sírio pudesse protagonizar alguma ação terrorista quando da visita do Papa a Portugal no ano passado levando em boa conta a revolta pela situação em que se encontra, revelada pelo próprio, numa entrevista ao Diário de Notícias.
Confio que o patrulhamento das autoridades policiais será eficaz, sem deixar de referir o custo acrescido da vigilância especial que lhe é dedicada. Não quero crer que possa haver um atentado no território português levado a cabo pelo ex-preso. O custo da possível perda de vidas é de um valor incomensurável, não havendo forma de o medir pelo que nem me atrevo a equacionar.
Contudo a simples existência de um possível gérmen de uma célula terrorista pode, só por ser possível, como esta é, configurar um prejuízo de uma dimensão enorme! Portugal atravessa uma fase positiva de desenvolvimento quer ao nível económico quer, sobretudo, ao nível de emprego. Um dos principais motores é, sem qualquer dúvida, o turismo. É verdade que temos bom tempo, simpatia, boa comida e bom acolhimento. Sempre tivémos. Não houve acréscimos significativos nem em termos absolutos, nem relativos. Aconteceu que muitos dos destinos tradicionais perderam ou viram diminuir drasticamente a segurança para pessoas e bens, enquanto que em Portugal se manteve. E esse sim é, provavelmente, o maior e mais precioso ativo lusitano. Perdê-lo ou diminui-lo teria consequências dramáticas!

José Mário Leite