“Comidos de cebolada”

PUB.

Longe vão os tempos em que discutíamos acaloradamente os defeitos e virtudes das empresas públicas e privadas. Os de Direita sempre defensores das empresas privadas e da livre concorrência e os de Esquerda defensores de um forte sector empresarial do Estado. Havia argumentos bons de um lado e do outro e até alguma Direita era sensível a argumentos de Esquerda tais como: para um Estado o ser de verdade tem de controlar, obrigatoriamente, a banca, o sector dos transportes e o da energia. São sectores nos quais o Estado não pode depender de ninguém e sem os quais o Estado não funciona. Mas isto já parece uma conversa do “Paleolítico” pois já ninguém se lembra que o Governo de Allende, no Chile, caiu pelo lock-out da camionagem (chamada greve dos “camioneros”), ou que o nosso banco emissor, símbolo de soberania, já não existe por consequência da moeda única ou do “apagão” americano (corte total de energia elétrica) que, apesar de involuntário, causou um caos indiscritível durante dia e meio.
Isto vem a propósito da fúria privatizadora que assolou o País no Governo de Passos Coelho. E bem podem dizer que foi a Troika que obrigou porque não pega, basta ver as reversões que o Governo seguinte fez com a TAP e os transportes urbanos. Não era, portanto, uma obrigatoriedade. Só que aos “jovens turcos” nada se mete pela frente e a Caixa Geral de Depósitos só escapou porque a crise financeira que varreu o Mundo meteu muito medo. Não deixaríamos escapar o último refúgio das nossas poupanças e isso foi assim entendido. É que a Caixa está imune aos colapsos que vitimaram o BPN, BES, BPP, FINIBANCO, BANIF, etc. (nata da gestão capitalista) porque a Caixa só vai á falência se o Estado for. Mas no afã de privatizar foram cometidos erros mesmo quando analisados sob o ponto de vista de quem o fez. Vejamos: privatizar ou nacionalizar são opções políticas que, sendo discutíveis, não deixam de ser opções legítimas dos Governos que as tomam. Não se trata, pois, de contestar, aqui, as privatizações mas antes a forma adoptada. Ora, a direita, que põe toda a sua fé na livre concorrência não só por a entender como uma liberdade democrática mas também por ser o mecanismo de triar as empresas entre competentes e inaptas, é naturalmente adepta da privatização pois assim põe as empresas a operar num mercado regulado, só, pela livre concorrência. Ora, é aqui que bate o ponto. Não se pode privatizar uma empresa monopolista pois assim criar-se-ia uma empresa privada monopolista, portanto sem concorrência, (pedra de toque do sistema capitalista) pela simples razão de não haver empresas concorrentes. Teriam de ser tomadas medidas subsidiárias para introduzir a concorrência no sector, coisa que não foi feita, ficando a dúvida se por inépcia ou intenção. Esta “gafe procedimental”, além de outras, ocorreu, pelo menos em três casos: com a REN (Rede Eléctrica Nacional), a ANA (Aeroportos e Navegação Aérea) e os CTT tomando assim o estatuto de empresas protegidas como já se não via desde o Estado Novo. (Lembram-se que a cerveja pagava imposto para proteger o vinho, os isqueiros pagavam imposto para proteger os fósforos, a Coca-Cola não podia operar para proteger os refrigerantes Nacionais, etc). A REN é a dona exclusiva dos cabos que transportam toda a electricidade que se consome no País. Sem concorrência. Os CTT têm uma dupla exclusividade: o serviço postal e fio de cobre dos telefones fixos. O fio de cobre está para os CTT assim como os cabos elétricos estão para a REN. Qualquer chamada para telefone fixo, seja de que operadora for, passa pelo fio de cobre dos CTT. Sem concorrência. No que diz respeito ao serviço postal, toda a gente sabe que mais ninguém entrega cartas senão eles (e já nem eles). Sem concorrência. Aliás, este serviço é aquele que torna mais evidente a pressa e o desleixo com que se fez a privatização (à Ieltsin. O que é preciso é vender tudo o que é do Estado, seja de que maneira for). O atraso na entrega de correspondência, quando não o seu extravio e a não entrega de registos aliados ao fecho de balcões e aos despedimentos tornam esta privatização má de mais para ser verdade. Mas não é nada que nos surpreenda. Bastou estar atento às queixas dos Espanhóis quando da privatização dos seus Correios para ver o que, cá, se ia a passar. (Por isso é que o pessimista é um optimista com experiência). Gostaríamos de saber qual foi o caderno de encargos da privatização, aquilo a que os novos donos dos CTT se encontram obrigados por contrato. Ou será que não estão obrigados a nada?  Esta situação incomoda-nos particularmente pois não podemos mudar de operadora, simplesmente, porque não há. (ainda há de vir o tempo em que temos de por o selo e levar a carta em mão. Parabéns! a quem fez este negócio .) Mas face ao número de indignados, os partidos de Esquerda e muitos populares falam já na reversão da privatização. Não posso estar em mais desacordo. Isso é o que eles querem porque o que pretendiam com a privatização dos CTT era um banco e isso já têm. Tirar-lhe o serviço postal eles, até, agradecem. Tem de haver mecanismos que os obrigue a prestar esse serviço público com um mínimo de dignidade.
A ANA, Aeroportos e Navegação Aérea, monopolista na gestão aeroportuária, foi comprada pela Vinci Aeroports ficando esta a mandar nos aeroportos Portugueses. Sem concorrência. Desde que tomou posse dos aeroportos já aumentou os preços dos serviços uma série de vezes, o que provocou queixas de algumas companhias. E pode fazê-lo pois quem quiser voar para Portugal tem de utilizar os seus aeroportos. Não conheço o caderno de encargos da privatização mas depreende-se que a Vinci deve ter ficado com algumas responsabilidades na construção do novo aeroporto de Lisboa. Digo isto porque em 2012 classificou o actual aeroporto como estando em pré-ruptura e agora acha que está para “lavar e durar”. Claro, com o subsídio do Montijo mais as seis horas de activação do aeroporto de Lisboa, coisa que quer solicitar à Câmara. -das 0h ás 6h o aeroporto está inactivo para descanso da Cidade. Do novo aeroporto nem quer ouvir falar. E eu espero que o descanso dos Lisboetas mereça, ao Presidente da Câmara, o mesmo respeito que merecia antes da privatização. 
Os números apresentados pela Vinci, antes da privatização e agora, são, no dizer de Pires de Lima, antigo Ministro da Economia mas que não esteve ligado ao negócio, absurdamente diferentes e fica no ar a ideia que a venda foi feita com base nos números do comprador.
Quando um Governo viola escandalosamente o seu “leit-motiv” das privatizações, que são o fim das empresas monopolistas e das empresas tuteladas e que tem na livre concorrência o pano de fundo da regulação do mercado, ficámos sem saber que intenções presidiram às privatizações (como é que o CDS embarcou nisso!?). Este chorrilho de asneiras, de negócios pouco cuidados, cheios de amadorismo, onde não são acautelados nem o erário público nem os direitos dos utentes, aliado à falta de razoabilidade fazem-nos sentir a vergonha de quem é “comido de cebolada”.

Manuel Vaz Pires