Afinal quem chora por Chora?

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A Auto Europa pretende produzir 190.000 VW t-Rock/ano na sua fábrica de Palmela. Para conseguir isso tem de criar 18 turnos/semana, o que quer dizer que tem de laborar ao sábado. Para laborarem ao sábado a Auto Europa fez, aos trabalhadores, uma proposta com contrapartidas para compensar o “incómodo” de perderem 5 em cada 6 sábados. Essa proposta, que teve a anuência (pré-acordo) da comissão de trabalhadores, foi liminarmente chumbada no plenário de trabalhadores. Bom, resumindo: um conflito laboral que parecia igual a tantos outros. Mas o que este conflito laboral tem de diferente dos outros não é pelo conflito em si mas sim pelas reacções que suscitou. A profusão de artigos de opinião foi desproporcionada e tinham uma particularidade curiosa. Não falavam mal, como é costume nestes casos, nem da proposta da Auto Europa nem da reação dos trabalhadores. Mas nesta pretensa neutralidade lá iam dizendo que a Auto Europa gera 1% do PIB, que é responsável por 4% das exportações, que emprega três mil e tal trabalhadores, que com o António Chora isto não teria acontecido, que podem deslocalizar a empresa, que o que estava a acontecer era uma manobra do PCP (chamaram-lhe o “assalto ao Castelo”, lembrando que o PCP não tinha mão na Comissão de trabalhadores e quer ter) e até o inenarrável Sousa Tavares (o turbo-comentador que um dia disse que os Professores eram os “absentistas mais bem pagos deste País”) lembrou que há trabalhadores que até ao domingo trabalham, caso da hotelaria, da saúde, das forças da ordem etc. (que esquecimento o nosso !!!).  Nem um só dos artigos que li analisava a proposta e/ou a reação a ela. Tudo visões periféricas embora com intenção evidente como quem diz “resolvam lá isso pelo melhor que a Auto Europa é muito grande, por todos não custa nada e não vá o Diabo tecê-las de forma a que ainda sobre alguma coisa para mim”.
Mas vamos aos factos. Se a Auto Europa precisa do Sábado podia pagá-lo em horas extraordinárias. Argumenta, para não o fazer, que as horas extraordinárias têm sempre uma componente de voluntariado e que portanto não garante a efectividade do grupo. Embora aceitando o argumento não se entende por que é que o vencimento proposto para o novo horário de trabalho não é calculado tomando as horas de Sábado como trabalho extra. Propuseram em contrapartida uma gratificação mensal. É essa gratificação que é o pomo da discórdia pois, dizem os trabalhadores, esse montante seria praticamente atingido com um só Sábado de trabalho extraordinário quando o novo horário de trabalho prevê aproximadamente 3,3 Sábados /mês. Além disso as horas de Sábado não são horas extraordinárias quaisquer, elas obrigam a toda uma reformulação das actividades no quadro familiar e a uma recalendarização de todas as outras, lúdicas ou não, com perdas mais que evidentes. Não bastou à empresa um ganho de produtividade na ordem dos 20% no investimento em fábrica (é mais um dia em cada 5) que ainda tinha que fazer saldos no salário dos trabalhadores. E se alguém pensar que o litígio possa ter ocorrido pela ganância dos trabalhadores eu lembro que, não há muito tempo, estes trabalhadores aceitaram uma série de condições gravosas, numa altura de aflição da empresa, afim de manterem os postos de trabalho mas que concomitantemente também mantinham a empresa para o patrão. Era na altura Presidente da Comissão de Trabalhadores António Chora o tal que agora, na reforma, é tido como o “D. Sebastião” da concertação. É-lhe atribuída a paternidade da fórmula que se por um lado manteve os postos de trabalho, embora em condições penosas, por outro resgatou a empresa para o patrão. Ainda estou para saber se conseguiu do patrão um bom acordo para os trabalhadores se conseguiu a anuência dos trabalhadores a um bom acordo para o patrão. E acresce a isto um pormenor curioso. António Chora não negociava sozinho. O seu interlocutor era o Diretor da empresa António Melo Pires que, possivelmente, é o elemento que falta nesta negociação. Miguel Sanches o actual director será, possivelmente, o elemento que sobra.
Tenho esperança que os trabalhadores dirimam esta contenda a seu contento. Se assim acontecer têm o meu aplauso. Se optarem pela cedência terão a minha solidariedade e a minha compreensão. Solidariedade porque sei que tiveram de “engolir um sapo”. Compreensão porque sei que constrangimentos vários, sobretudo familiares, impedem os trabalhadores, quando acantonados entre a espada e a parede, de optarem pela espada.
E se fosse consigo?

Manuel Vaz Pires